Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas
possui um apartamento localizado em um condomínio residencial.
Ele
não mora no local, tendo comprado o imóvel apenas como forma de investimento.
Lucas
teve a ideia de anunciar o seu apartamento no Airbnb.
Abrindo
um parêntese
Para
quem não conhece, Airbnb é um serviço online que une pessoas que querem alugar
acomodações (casas, apartamentos ou apenas quartos).
Assim,
existem basicamente duas pessoas que utilizam a plataforma:
· aquelas que oferecem seu
imóvel para ser alugado;
· as que buscam alugar um imóvel ou apenas um quarto por determinado tempo.
Desse
modo, o indivíduo, em vez de procurar um hotel, motel ou similar, pode acessar
o Airbnb e escolher uma das acomodações disponíveis.
Voltando
ao caso concreto:
Lucas
alugou algumas vezes seu apartamento pelo Airbnb.
Ocorre
que o síndico soube do fato e enviou uma notificação a Lucas afirmando que essa
prática é proibida pela convenção do condomínio.
Segundo
argumentou o síndico, essa forma de aluguel via plataforma configura atividade
comercial e de hospedagem, o que, segundo a convenção, não pode ser realizada no
condomínio, que tem finalidade exclusivamente residencial.
A
questão foi judicializada e chegou até o STJ. O que decidiu o Tribunal? Neste
caso concreto, é possível que o proprietário continue alugando seu apartamento
pelo Airbnb?
NÃO.
A
4ª Turma do STJ, por maioria de votos, decidiu que, se a convenção do
condomínio previr a destinação residencial das unidades, os proprietários não
poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais de intermediação,
tais como o Airbnb, Booking, Vrbo e HomeAway.
Vale
ressaltar, no entanto, que a convenção do condomínio pode autorizar a
utilização das unidades para essa modalidade de aluguel.
Assim,
o ponto principal a ser analisado é a convenção do condomínio.
Contrato
atípico de hospedagem
O
sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma
espécie de contrato atípico de hospedagem. Trata-se de contrato que não se
confunde com a chamada “locação por temporada” da Lei nº 8.245/91 nem com o
contrato de hospedagem oferecido por empreendimentos hoteleiros, que também
possui regulamentação específica.
A Lei de Locações
(Lei nº 8.245/91) considera aluguel para temporada aquele destinado à
residência temporária do locatário, por prazo não superior a 90 dias:
Art.
48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência
temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos,
tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que
decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior
a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
A
Lei nº 8.245/91, contudo, não trata da hipótese de oferta de imóveis com alta
rotatividade nem da possibilidade de divisão de uma mesma unidade entre pessoas
sem vínculo, como pode ocorrer nas locações realizadas via Airbnb (e outras
plataformas).
Por
outro lado, as atividades realizadas por meio de plataformas como o Airbnb não
possuem o modelo de negócio, nem a estrutura ou o profissionalismo suficientes
para serem enquadradas na Lei nº 11.771/2008 (Política Nacional de Turismo),
embora as características desse tipo de locação lembrem um contrato de
hospedagem na modalidade atípica.
Desse
modo, “trata-se de contrato atípico de hospedagem, expressando uma nova modalidade,
singela e inovadora, de hospedagem de pessoas sem vínculo entre si, em
ambientes físicos de padrão residencial e de precário fracionamento para
utilização privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente
profissionalismo por proprietário ou possuidor do imóvel, sendo a atividade
comumente anunciada e contratada por meio de plataformas digitais variadas”
(Min. Raúl Araújo).
Alta
rotatividade
O
Min. Relator Raul Araújo apresentou uma distinção entre os conceitos de:
· residência (morada
habitual e estável);
· domicílio (residência com
a intenção de permanência definitiva); e
· hospedagem (habitação
temporária).
Entre
as características da hospedagem estão a alta rotatividade no local e a oferta
de serviços. Esse é justamente o caso do aluguel via Airbnb, no qual o imóvel é
disponibilizado para diferentes pessoas em curto espaço de tempo, com oferta de
serviços adicionais, como lavagem de roupas.
Vale
ressaltar que não se está dizendo que o proprietário está impedido de fechar contratos
de aluguel de longa duração. A proibição recaiu sobre a exploração de
hospedagem remunerada, que traz perturbação à rotina do espaço residencial e
insegurança aos demais condôminos.
Direito
de propriedade deve ser exercido com respeito à convenção do condomínio
O
Código Civil, ao mesmo tempo em que reconhece ao proprietário o direito de
dispor livremente de sua unidade residencial, também lhe impõe o dever de
observar a sua destinação e usá-la de maneira não abusiva, com respeito à
convenção do condomínio, que possui força normativa.
Assim,
o direito do proprietário condômino de usar, gozar e dispor livremente do seu
bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil e do art. 19 da
Lei nº 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao
sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no condomínio,
de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos,
pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de
condomínio edilício.
Vale
ressaltar que o contrato atípico de hospedagem realizado por meio de
plataformas como o Airbnb não configura atividade ilícita, desde que exercida
nos limites da legislação.
Em
suma:
É vedado o uso de
unidade condominial com destinação residencial para fins de hospedagem
remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos
apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.819.075-RS, Rel. p/
acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 20/04/2021 (Info 693).
Voto
vencido
Ficou
vencido o Min. Luis Felipe Salomão, que havia votado contra a possibilidade de
os condomínios proibirem as locações por meio de plataformas digitais. Para o Min.
Salomão, essa modalidade não está inserida no conceito de hospedagem, mas sim
no de locação residencial por curta temporada.
Além
de entender que essa atividade não poderia ser enquadrada como estritamente
comercial, o Ministro considerou que, caso fosse permitido que os condomínios
vedassem a locação temporária, haveria violação do direito de propriedade.
O
condomínio poderia adotar mecanismos para garantir a segurança – como o
cadastramento de pessoas na portaria –, mas não seria possível impedir a atividade
de locação pelos proprietários.