segunda-feira, 19 de abril de 2021
Lei 14.138/2021: na ação de investigação, a recusa do parente consanguíneo do suposto pai de fornecer material genético para o exame de DNA gera presunção de paternidade
Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Lei nº 14.138/2021, que acrescenta o § 2º ao art. 2º-A da Lei nº 8.560/92, para permitir, em sede de ação de investigação de paternidade, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes do suposto pai.
Vamos entender a alteração
legislativa a partir da análise de duas situações hipotéticas:
SITUAÇÃO HIPOTÉTICA 1:
Lucas ajuizou ação de
investigação de paternidade contra João alegando que este seria seu pai.
O juiz designou data para que
autor e réu fornecessem material genético a fim de que fosse feito exame de pareamento
do código genético (DNA) para descobrir se existe realmente o alegado vínculo
biológico.
Ocorre que, no dia marcado,
somente Lucas compareceu ao laboratório. João, mesmo intimado, não se fez
presente nem apresentou qualquer justificativa para a sua ausência.
Nesse caso, o juiz pode determinar
a condução coercitiva de João (suposto pai) para realizar o exame?
NÃO. Não é possível a condução coercitiva
do investigado (ou de seus sucessores) para a coleta do material genético
necessário ao exame de DNA, por se tratar de medida sub-rogatória que viola a
liberdade de locomoção do suposto genitor. Nesse sentido:
A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal repudia a determinação compulsória ou condução coercitiva ao
fornecimento de material genético.
STF. 1ª Turma. RHC 95183, Rel. Cármen Lúcia, julgado em
09/12/2008.
O que acontece, então, nessas
situações? Qual é a solução prevista pelo ordenamento jurídico?
Haverá uma presunção relativa de
que o réu, que se recusou a fazer o DNA, é realmente o pai do autor. O STJ editou
uma súmula espelhando essa conclusão:
Súmula 301-STJ: Em ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade.
Essa solução jurídica
encontra-se prevista no art. 231 do Código Civil e no § 1º do art. 2º-A da Lei nº
8.560/92:
CC/2002
Art. 231. Aquele que se nega a
submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Lei nº 8.560/92
Art. 2º-A. Na ação de investigação de
paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão
hábeis para provar a verdade dos fatos.
§ 1º A recusa do réu em se submeter ao exame
de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em
conjunto com o contexto probatório.
(...)
SITUAÇÃO HIPOTÉTICA 2:
Pedro faleceu e deixou um único
filho registrado: Tiago, único herdeiro.
Depois do falecimento, a mãe de
Carlos lhe contou que Pedro era seu pai e que ele nunca aceitou registrá-lo
como filho.
Carlos ajuizou ação de
investigação de paternidade post mortem contra Tiago pedindo para ser
reconhecido como filho de Pedro.
O juiz designou data para que Carlos
e Tiago fornecessem material genético a fim de que fosse feito o exame de DNA.
Ocorre que, no dia marcado,
somente Carlos compareceu, tendo Tiago se recusado a ir.
Neste segundo caso, também é
possível aplicar a Súmula 301 do STJ? Se quem recusa fornecer o material genético
é o sucessor do suposto pai, mesmo assim será possível aplicar a presunção de
que trata a Súmula 301 do STJ?
SIM. A Súmula 301 do STJ também
se aplica para a situação na qual o sucessor do suposto pai (já falecido) se
recusa a fazer o DNA. Assim, em tese, diante da recusa de Tiago, o juiz poderia
aplicar a presunção da Súmula 301 do STJ. Esse é o entendimento consolidado do
STJ:
A presunção de paternidade reconhecida
no enunciado nº 301/STJ não se limita à pessoa do investigado, alcançando, do
mesmo modo, os réus (familiares) que a ela se contrapõem, negando-se à
realização de exame que poderia trazer definitivas luzes acerca da
controvérsia.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp
1492432/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/04/2017.
Inexistindo a prova pericial capaz de
propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões
do DNA), diante da recusa dos avós e dos irmãos paternos do investigado em
submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos
indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum,
nos termos da Súmula 301/STJ.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp
1651067/RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020.
A recusa imotivada da parte
investigada em se submeter ao exame de DNA, no caso, os sucessores do autor da
herança, gera a presunção iuris tantum de paternidade à luz da literalidade da
Súmula nº 301/STJ.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp
1260418/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/04/2020.
O que fez a Lei nº
14.138/2021?
Acrescentou um parágrafo ao art.
2º-A da Lei nº 8.560/92 positivando o entendimento no sentido de que a presunção
de paternidade também se aplica aos sucessores do suposto pai.
Veja a redação do dispositivo
inserido:
Art. 2º-A (...)
§ 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu
paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do
exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos,
preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa
em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto
probatório.
Importante registrar duas últimas observações sobre o tema:
1) A presunção decorrente da
recusa é relativa e, portanto, deverá ser apreciada em conjunto com as demais
provas produzidas no processo. Assim, é possível, em tese, que, mesmo com a
recusa e a presunção firmada, o juiz julgue o pedido improcedente, se o restante
do conjunto probatório refutar a presunção e indicar que as alegações do autor
não são verdadeiras.
2) O dispositivo
afirma que o exame de DNA será pago pelo autor da ação (“a expensas do autor da
ação”). Essa previsão não se aplica para o caso de autor beneficiário da justiça
gratuita.
Se o autor
for beneficiário da justiça gratuita, o exame será custeado pelo Estado, nos
termos do art. 98, § 1º, V, do CPC c/c o art. 5º, LXXIV, da CF/88:
Art. 98 (...)
§ 1º A gratuidade da justiça
compreende:
(...)
V - as despesas com a realização de
exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
Art. 5º (...)
LXXIV - o Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Nesse sentido:
(...) 1. Cinge-se a controvérsia a
definir se o Estado deve arcar com os custos referentes ao exame de DNA
determinado em ação de investigação de paternidade, tendo em vista a
hipossuficiência das partes.
2. Nos termos do que dispõe o art. 98,
§ 1º, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015, a gratuidade da justiça
compreende as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de
outros exames considerados essenciais.
3. Em relação à responsabilidade pelo
pagamento da despesa correlata, cabe ao Estado o custeio do exame de DNA em
favor dos hipossuficientes, a teor do que proclama o art. 5º, inciso LXXIV, da
Constituição Federal ("O Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"), viabilizando,
assim, o efetivo exercício do direito à assistência judiciária gratuita e, em
última análise, ao próprio acesso ao Poder Judiciário, não sendo admissível a
discussão de questões orçamentárias pelo poder público na tentativa de se
eximir da responsabilidade atribuída pelo texto constitucional. (...)
STJ. 3ª Turma. RMS 58.010/GO, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/04/2019.
O art. 95 do
CPC traz regras detalhadas sobre o tema, prevendo que o Estado pode recobrar a
quantia da parte sucumbente:
Art. 95. Cada parte adiantará a
remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito
adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia
for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
(...)
§ 3º Quando o pagamento da perícia for
de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I - custeada com recursos alocados no
orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por
órgão público conveniado;
II - paga com recursos alocados no
orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por
particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal
respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após
o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que
promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas
processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a
utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se,
caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade
da justiça, o disposto no art. 98, § 2º.
§ 5º Para fins de aplicação do § 3º, é
vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública.