Dizer o Direito

sábado, 24 de abril de 2021

Estados e Municípios podem restringir temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da Covid-19?

 

A situação concreta foi a seguinte:

Diante do aumento do número de casos de Covid-19, alguns Estados e Municípios editaram decretos restringindo temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da doença.

Nesse sentido, o Estado de São Paulo editou o Decreto nº 65.563/2021, que em seu art. 2º, II, “a” proibiu a realização de “cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo”.

O Partido Social Democrático (PSD) ajuizou ADPF pedindo para suspender esse dispositivo do Decreto nº 65.563/2021.

Segundo argumentou o partido, essas restrições não poderiam ser impostas porque violariam a liberdade religiosa (liberdade de crença e de culto) prevista no art. 5º, VI e no art. 19, I, da CF/88

Art. 5º (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 

 

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

(...)

 

O STF concordou com o pedido do autor?

NÃO. O STF, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ADPF.

Ficaram vencidos os ministros Nunes Marques e Dias Toffoli.

A conclusão da Corte foi a seguinte:

Liberdade religiosa

A liberdade de crença e de culto, usualmente caracterizada apenas pela fórmula genérica “liberdade religiosa”, constitui uma das primeiras garantias individuais previstas pelas declarações de direitos do Século XVIII. Trata-se de direito humano fundamental.

A liberdade religiosa foi prevista em diversos documentos internacionais, podendo ser destacados os seguintes:

· artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);

· artigo 9º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950);

· artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969);

· artigo 8º da Carta Africana de Direitos Humanos (1981).

 

Dimensões da liberdade religiosa

A liberdade religiosa pode ser dividida em duas dimensões:

a) Dimensão interna (forum internum): consiste na liberdade espiritual íntima de formar a sua crença, a sua ideologia ou a sua consciência;

b) Dimensão externa (forum externum): diz respeito mais propriamente à liberdade de confissão e à liberdade de culto.

 

O aspecto interno do direito à liberdade de pensamento, consciência e religião é um direito absoluto, que não pode ser restringido.

O aspecto externo, por sua vez, pode estar sujeito a algumas limitações, como no caso das restrições impostas durante a pandemia do novo coronavírus. Nesse sentido, veja o que diz o art. 5º, VI, da CF/88:

Art. 5º (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 

 

As liturgias e os locais de culto são protegidos nos termos da lei.

Essa reserva legal, por si só, afasta qualquer compreensão no sentido de afirmar que a liberdade de realização de cultos coletivos seria absoluta.

Assim, a lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada.

 

Constitucionalidade formal do decreto

Sob o prisma da constitucionalidade formal, a imposição de restrições à realização de cultos religiosos por meio de decretos municipais e estaduais está em conformidade com decisões recentes do STF sobre o tema, dentre as quais destaca-se a ADI 6341, na qual se assentou que todos os entes federados possuem competência para adotar medidas sanitárias voltadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública.

 

Constitucionalidade material do decreto

Sob o aspecto material, a medida sanitária em análise mostra-se adequada, necessária e proporcional, bem como em consonância com as diretrizes científicas propostas pela Organização Mundial da Saúde.

É possível afirmar que há um razoável consenso na comunidade científica no sentido de que os riscos de contaminação decorrentes de atividades religiosas coletivas são superiores aos riscos de outras atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em ambientes fechados.

As medidas restritivas, dessa forma, foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio pela Covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como de acordo com a necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública.

 

Não foram apenas as atividades religiosas que foram proibidas

Vale ressaltar que o art. 2º do Decreto impugnado não se limitou a restringir as atividades religiosas coletivas. Também foram impostas restrições a outras atividades econômicas altamente essenciais.

 

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