Trabalho do preso
O trabalho das pessoas presas é considerado pelo legislador
como algo extremamente importante para a ressocialização do condenado. Veja o
que diz a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):
Art. 28. O trabalho do condenado, como
dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e
produtiva.
Obrigatoriedade de trabalho
dos presos
Em razão da importância do trabalho para a ressocialização,
a LEP prevê, inclusive, que o condenado à pena privativa de liberdade é obrigado
a trabalhar. Veja:
Art. 31. O condenado à pena privativa
de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.
Parágrafo único. Para o preso
provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior
do estabelecimento.
Art. 39. Constituem deveres do
condenado:
V - execução do trabalho, das tarefas e
das ordens recebidas;
Ocorre que a CF/88 estabelece que é proibida, no Brasil, a
pena de trabalhos forçados:
Art. 5º (...)
XLVII - não haverá penas:
c) de trabalhos forçados;
Diante disso, indaga-se: os
dispositivos da LEP que preveem que o trabalho do preso é obrigatório
violam o art. 5º, XLVII, "c", da CF/88? O dever de trabalho imposto
ao preso é incompatível com a CF/88?
NÃO. O dever de trabalho imposto
pela LEP ao apenado não é considerado como pena de trabalho forçado. Em outras
palavras, quando a CF/88 proíbe penas de trabalhos forçados, isso não significa
que ela vede o trabalho interno obrigatório nos presídios.
Sobre o tema, veja o que diz o art. 6º, 3, “a”, da Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica):
Artigo 6º
(...)
3. Não constituem trabalhos forçados ou
obrigatórios para os efeitos deste artigo:
a) os trabalhos ou serviços normalmente
exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal
expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços
devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os
indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares,
companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
Caso o preso se recuse,
injustificadamente, a realizar o trabalho obrigatório, ele poderá ser punido?
SIM.
A LEP prevê que o condenado à pena privativa de liberdade que
não cumprir o dever de trabalho comete falta grave (art. 50, VI).
Assim, constitui falta grave na execução penal a recusa
injustificada do condenado ao exercício de trabalho interno.
STJ. 6ª Turma.
HC 264.989-SP, Rel. Min. Ericson Maranho, julgado em 4/8/2015 (Info
567).
Situações em que o trabalho
não é obrigatório:
O trabalho não é obrigatório ao:
·
preso provisório (art. 31, parágrafo único); e
·
ao preso político (art. 200 da LEP).
Se o preso trabalhar, ele
tem direito de receber remuneração por isso?
SIM. Confira o que diz o art. 29 da LEP:
Art. 29. O trabalho do preso será
remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três
quartos) do salário mínimo.
§ 1º O produto da remuneração pelo
trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados
pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros
meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das
despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e
sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§ 2º Ressalvadas outras aplicações
legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em
Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em
liberdade.
ADPF
Em 2015, a Procuradoria Geral da
República ajuizou ADPF contra o caput do art. 29 da LEP, acima transcrito.
Como a LEP é anterior à CF/88, o
instrumento cabível para questionar a sua constitucionalidade é a ADPF, não
podendo ser proposta ADI contra dispositivos anteriores ao texto atual da
Constituição.
Na APDF, a PGR alegou que a lei, ao fixar a remuneração do
preso em valor inferior ao salário-mínimo, violou os princípios constitucionais
da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além do disposto no art. 7º, IV,
que garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais o direito ao salário
mínimo:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei,
nacionalmente unificado, (...)
O que o STF decidiu? Essa
previsão do caput do art. 29 da LEP viola a CF/88?
NÃO.
O patamar
mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da
Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) não representa violação aos
princípios da dignidade humana e da isonomia, sendo inaplicável à hipótese a
garantia de salário-mínimo prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal.
STF.
Plenário. ADPF 336/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2021 (Info 1007).
O preso não se sujeita ao regime
da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (art. 28, § 2º, da LEP) e seu
trabalho possui finalidades educativa e produtiva, não podendo ser comparado
com o trabalho das pessoas que não cumprem pena.
As pessoas que não cumprem pena
têm garantido o salário-mínimo para satisfação de necessidades vitais básicas
do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Por outro lado, o
preso já tem atendidas pelo Estado boa parte das necessidades vitais básicas
que o salário-mínimo almeja satisfazer, tais como educação, alojamento, saúde,
alimentação, vestuário e higiene.
Além disso, o preso recebe o
benefício da remição da pena, na proporção de 1 dia de redução da sanção
criminal para cada 3 dias de trabalho e o produto da remuneração deve ser
direcionado para a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à
família, para pequenas despesas pessoais e para promover o ressarcimento ao
Estado das despesas realizadas com a sua manutenção.
Portanto, a legitimidade da
diferenciação entre o trabalho do preso e o trabalho dos empregados em geral é
evidenciada pela distinta lógica econômica do labor no sistema executório
penal.
Assim, o trabalho do detento pode
até mesmo ser subsidiado pelo Erário, de modo que o discrímen promova —
em vez de violar — o mandamento de isonomia contido no art. 5º, caput, da CF,
no seu aspecto material, além de não representar violação ao princípio da
dignidade humana.