Imagine
a seguinte situação hipotética:
A Fazenda Pública ajuizou execução fiscal contra
João, cobrando R$ 100 mil.
O executado foi citado e não efetuou o
pagamento da dívida devida no prazo legal.
Antes mesmo que se tentasse
a penhora de bens, a exequente pediu ao juiz a inclusão do nome do executado no
SERASA e SPC, nos termos do art. 782, § 3º do CPC:
Art.
782 (...)
§
3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do
executado em cadastros de inadimplentes.
þ (Analista TRF2 2017
CONSULPLAN) O CPC/15 permite que o nome do devedor executado seja incluído pelo
juiz, a requerimento do exequente, em cadastro de inadimplentes. (certo)
O requerimento foi indeferido pelo magistrado
sob dois fundamentos:
1) o art. 782, § 3º do CPC é voltado para a
execução “comum”, não se aplicando, portanto, para as execuções fiscais;
2) ainda que fosse possível a aplicação do
art. 782, § 3º do CPC à execução fiscal, essa providência somente poderia ser
adotada como uma última medida, após a demonstração de que a exequente tentou,
sem sucesso, todas as outras medidas executivas.
O STJ concordou com a decisão do
magistrado?
NÃO.
Vamos entender com calma.
Importância
da previsão do § 3º do art. 782 do CPC
A
inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC, SERASA),
prevista no art. 782, § 3º, do CPC, possui a natureza jurídica de medida executiva típica.
Trata-se
de importante e eficaz medida para concretizar o princípio da efetividade do
processo. Isso porque, com a negativação do seu nome, o devedor terá seu direito
ao crédito restringido, o que o forçará a satisfazer a obrigação.
Conforme explica Fernando Gajardoni:
“4.2. Ao autorizar que o juiz possa
determinar, a qualquer momento ou grau de jurisdição, a inclusão do nome do
executado em cadastro de inadimplentes - inclusive no cumprimento de sentença
(art. 782, § 5º, do CPC/2015) -, atua-se indiretamente sobre a vontade do
devedor, aumentando as desvantagens do não cumprimento da obrigação positivada
no título. Afinal, em uma sociedade de consumo globalizada como a que vivemos,
o apontamento no cadastro de maus pagadores (art. 44 do CDC) representa enorme
limitador do crédito, consequentemente forçando o devedor a buscar a baixa de
negativação a fim de recuperá-lo.” (Execução e Recursos: comentários ao CPC
de 2015. 1ª ed. São Paulo: Método, 2017, p. 62).
A
medida do § 3º do art. 782 do CPC pode ser aplicada para as execuções fiscais?
SIM.
O
art. 782, §3º, do CPC está inserido dentro do Título I (“Da execução em geral”),
do Livro II (Do processo de execução") do CPC.
O
art. 771 afirma que “este Livro regula o procedimento da execução fundada em
título extrajudicial”.
Não
há dúvidas, portanto, de que o art. 782, §3º, do CPC ao determinar que “A
requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado
em cadastros de inadimplentes”, dirige-se às execuções fundadas em títulos extrajudiciais. Vale lembrar
que certidão de dívida ativa (CDA) é um título executivo extrajudicial.
O art. 782, §5º, do
CPC, por sua vez, prevê o seguinte:
Art.
782 (...)
§
5º O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título
judicial.
Esse
art. 782, § 5º possui dupla função:
1)
estender às execuções de títulos judiciais a possibilidade de inclusão do nome
do executado em cadastros de inadimplentes;
2)
excluir a incidência do instituto nas execuções provisórias, restringindo-o às
execuções definitivas.
Mas
é possível aplicar um dispositivo do CPC para a execução fiscal?
SIM.
O art. 1º da Lei nº 6.830/80 afirma que o CPC tem aplicação subsidiária às
execuções fiscais, podendo, portanto, ser aplicado caso não haja regulamentação
própria sobre determinado tema na lei especial e desde que essa aplicação não
gere nenhuma incompatibilidade com o sistema da execução fiscal.
É
justamente o caso do art. 782, §3º, do CPC, que se aplica subsidiariamente às
execuções fiscais por dois motivos:
1)
não há norma em sentido contrário na Lei nº 6.830/80;
2)
a inclusão em cadastros de inadimplência é medida coercitiva que está em
harmonia com os princípios da efetividade da execução, da economicidade, da
razoável duração do processo e da menor onerosidade para o devedor (arts. 4º,
6º, 139, IV, e 805, do CPC).
O
ente público, por sua vez, tem a opção de promover a inclusão sem interferência
ou necessidade de autorização do magistrado, mas isso pode lhe acarretar
despesas a serem negociadas em convênio próprio.
Poder
Judiciário determina a inclusão sem os custos que o Fisco teria
O
Poder Judiciário determina a inclusão nos cadastros de inadimplentes com base
no art. 782, §3º, por meio do SERASAJUD, sistema gratuito e totalmente virtual,
regulamentado pelo Termo de Cooperação Técnica n. 020/2014 firmado entre CNJ e
SERASA.
O
ente público, por sua vez, até poderia promover diretamente a inclusão do nome
do devedor, ou seja, sem a intervenção do Poder Judiciário, mas isso lhe gera
mais custos do que pela via judicial.
Assim,
a determinação judicial, neste caso, atende ao princípio da menor onerosidade
da execução, positivado no art. 805 do CPC.
A
situação ideal a ser buscada seria que os entes públicos assinassem convênios
com os órgãos de proteção ao crédito, para fazer isso de sem custos e de forma
rápida. Porém, pelo menos no momento atual, não há justificativa legal para o
magistrado negar, de forma abstrata, o requerimento da Fazenda Pública de
inclusão do executado em cadastros de inadimplentes sob o argumento de que a
credora poderia fazer isso diretamente.
Argumentos
que não podem ser invocados pelo juiz para negar a providência do art. 782, § 3º
do CPC na execução fiscal:
O
magistrado não pode indeferir o requerimento do credor alegando que:
1)
o art. 782, § 3º, do CPC apenas incidiria em execução de título judicial;
2)
o próprio credor deverá providenciar diretamente a inclusão;
3)
a intervenção judicial só caberá se for comprovada dificuldade ou
impossibilidade de o credor fazê-lo por seus próprios meios;
4)
o respectivo tribunal ainda não tem convênio com o SERASAJUD ou que o sistema
se encontra indisponível.
Esses
argumentos acima expostos não estão previstos em lei e, portanto, não podem ser
invocados pelo juiz para indeferir a providência do art. 782, § 3º do CPC.
A
Fazenda Pública pode pedir a efetivação da medida do art. 782, § 3º mesmo antes
de se tentar a penhora de bens do devedor?
SIM.
Sendo medida menos onerosa, a anotação do nome da parte executada em cadastro
de inadimplentes pode ser determinada antes de exaurida (esgotada) a busca por
bens penhoráveis.
Única
razão que pode impedir o deferimento da medida: dúvida sobre a existência do crédito
Assim,
podemos concluir dizendo que, se estiver tramitando uma execução fiscal e for
requerida a negativação do executado com base no art. 782, § 3º, do CPC, o
magistrado deverá deferi-la, somente podendo recusar o pedido se vislumbrar
dúvida razoável sobre a existência do direito ao crédito previsto na CDA, como,
por exemplo, no caso de prescrição, ilegitimidade passiva ad causam, ou outra
questão identificada no caso concreto.
A
tese fixada pelo STJ foi a seguinte:
O art. 782, §3º, do CPC é
aplicável às execuções fiscais, devendo o magistrado deferir o requerimento de
inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, preferencialmente
pelo sistema SERASAJUD, independentemente do esgotamento prévio de outras
medidas executivas, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do
direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa - CDA.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.807.180/PR, Rel. Min. Og
Fernandes, julgado em 24/02/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1026) (Info 686).
DOD Plus – julgados sobre o tema
envolvendo a execução comum
O
requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes,
nos termos do que dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da
comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do
respectivo cadastro
O § 3º do art. 782 do
CPC/2015 prevê que o juiz, a requerimento da parte, pode determinar a inclusão
do nome do executado nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC/SERASA).
Embora o magistrado não
esteja obrigado a deferir o pedido de inclusão do nome do executado no cadastro
de inadimplentes, visto que a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015 não trata de
uma imposição legal, mas mera faculdade atribuída ao juiz da causa, não se
revela idôneo condicionar a referida medida à prévia recusa administrativa das
entidades mantenedoras do respectivo cadastro.
Assim, o credor pode
requerer essa providência diretamente ao juízo, não sendo necessário comprovar
que este pedido foi feito antes, extrajudicialmente, para as entidades
mantenedoras do cadastro e que elas recusaram.
STJ. 3ª Turma. REsp
1.835.778-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/02/2020 (Info
664).
Juiz
não pode se recusar a determinar a inclusão do nome do executado em cadastros
de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) sob o fundamento de que o
exequente teria condições de fazer isso diretamente
Caso concreto: uma
empresa exequente pediu ao juiz a inclusão do nome da executada nos cadastros
de inadimplentes, nos termos do art. 782, § 3º do CPC. O requerimento foi
indeferido pelo magistrado sob o argumento de que a exequente possui condições
de pedir diretamente a inscrição.
O STJ não concordou com
a recusa.
O requerimento da inclusão
do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do
CPC/2015) não pode ser indeferido pelo juiz tão somente sob o fundamento de que
as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover,
por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.
O art. 782, § 3º, do
CPC/2015 prevê que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão
do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
O dispositivo legal que
autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige,
necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de
ofício.
Ademais, depreende-se da
redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a
obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor,
tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada
casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto.
Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.887.712-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).