quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Súmula 644 do STJ comentada
Clique AQUI para baixar em pdf ou leia os comentários abaixo.
Súmula 644-STJ: O núcleo de
prática jurídica deve apresentar o instrumento de mandato quando constituído
pelo réu hipossuficiente, salvo nas hipóteses em que é nomeado pelo juízo.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 10/02/2021.
O que são os Núcleos de Prática Jurídica?
O Núcleo de Prática Jurídica, também chamado
de “escritório modelo”, é um espaço mantido pelas faculdades de direito no qual
os alunos, geralmente finalistas do curso, sob a supervisão de um Professor que
é advogado, oferecem assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente
carentes.
O Núcleo funciona, portanto, como uma prática
jurídica real, matéria curricular obrigatória dos cursos de Direito.
Esta atividade tem duplo objetivo:
a) finalidade pedagógica: considerando que os
alunos irão aplicar, na prática, os conhecimentos teóricos que receberam ao
longo do curso, atuando como se fossem advogados, sempre com a supervisão e sob
a responsabilidade de um Professor advogado;
b) finalidade social: contribuindo com a sociedade carente ao oferecer assistência jurídica gratuita.
Guardadas as devidas proporções, apenas para que você entenda o sentido geral, os núcleos de prática jurídica prestam um serviço assemelhado ao da Defensoria Pública. Vale ressaltar, contudo, que o modelo oferecido pela Defensoria Pública é o ideal para o assistido porque se trata de um serviço mais organizado, estruturado e com garantias institucionais que os núcleos infelizmente não possuem.
Apenas
a título de curiosidade, veja o que diz a Portaria nº 1.886/94-MEC, que trata,
entre outros temas, sobre os núcleos de prática jurídica:
Art. 10. O estágio de prática jurídica,
supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e
integrante do currículo pleno, em um total de 300 horas de atividades práticas
simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo
correspondente.
§ 1º O núcleo de prática jurídica, coordenado
por professores do curso, disporá instalações adequadas para treinamento das
atividades de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões
jurídicas e para atendimento ao público.
§ 2º As atividades de prática jurídica
poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública outras
entidades públicas judiciárias empresariais, comunitárias e sindicais que
possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em
assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em
dependência da própria instituição de ensino superior.
Art. 11. As atividades do estágio
supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças
processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em
audiências e sessões, vistas a órgãos judiciários, prestação de serviços
jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o
controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.
Como os Núcleos funcionam, na prática?
A pessoa carente que precisa de uma
assistência jurídica procura o Núcleo; é atendida por um acadêmico (estagiário)
que, supervisionado pelo Professor, identifica o caso e a providência jurídica.
Se for necessário, o acadêmico recolhe cópias dos documentos fornecidos pelo
assistido e prepara uma peça judicial que será assinada pelo Professor
advogado.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João recebeu, em sua casa, a citação de uma
denúncia criminal que foi oferecida contra ele pelo Ministério Público,
imputando-lhe a prática do crime de furto.
O denunciado procura o Núcleo de Prática Jurídica.
O acadêmico atende João e prepara a sua
resposta à acusação (art. 396 do CPP).
O Professor revisa e corrige a peça de
defesa, assina e protocoliza.
O Promotor de Justiça alega que a resposta à
acusação apresentada não pode ser conhecida considerando que João não outorgou
procuração para o Professor advogado. Pede que a defesa seja intimada para
apresentar o instrumento do mandato.
O Professor refuta a alegação do MP afirmando
que, assim como ocorre com a Defensoria Pública (art. 128, XI, da LC 80/94),
não se exige procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do
réu.
A alegação do MP está correta? Exige-se que
a parte outorgue procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor
do réu no processo criminal?
SIM. Em regra, o advogado integrante do
Núcleo de Prática Jurídica não está dispensado de apresentar procuração, por
ausência de previsão legal.
Neste ponto, não há equiparação com a Defensoria
Pública.
A Defensoria Pública, por força de lei
expressa, pode atuar na defesa de seus assistidos mesmo sem procuração.
No caso dos Núcleos de Prática Jurídica,
embora prestem relevantes serviços, não existe previsão legal semelhante. Por
essa razão, seus poderes de representação em juízo dependem necessariamente de
procuração.
O
Núcleo de Prática Jurídica, por não se tratar de entidade de direito público, não
goza da dispensa prevista no parágrafo único art. 16 da Lei nº 1.060/50, e,
portanto, precisa obrigatoriamente apresentar instrumento de mandato para
comprovar que o réu hipossuficiente escolheu seu defensor, em consonância com o
princípio da confiança. Veja a redação do parágrafo único do art. 16 da Lei nº
1.060/50, que não se aplica para os Núcleos de Prática Jurídica:
Art. 16. (...)
Parágrafo único. O instrumento de mandato não
será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante
de entidade de
direito público incumbido na forma da lei, de prestação de assistência
judiciária gratuita, ressalvados:
a) os atos previstos no art. 38 do Código de
Processo Civil;
b) o requerimento de abertura de inquérito
por crime de ação privada, a proposição de ação penal privada ou o oferecimento
de representação por crime de ação pública condicionada.
É possível que a procuração seja outorgada
para o Núcleo de Prática Jurídica? Ex: em vez de outorgar a Procuração para o
Professor advogado, João poderia conferir o mandato para o Núcleo de Prática
Jurídica?
NÃO. A procuração não pode ser outorgada para
o Núcleo de Prática Jurídica.
O Núcleo de Prática Jurídica não possui
capacidade para receber nomeação ou mandato. É necessário que, na procuração,
seja especificado o advogado a quem são atribuídos os poderes de representação
(STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 11.931/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe
19/03/2013).
E se fosse uma nomeação judicial, haveria
necessidade de procuração? Ex: o juiz nomeou o advogado Rui Salgado, Professor
do Núcleo de Prática Jurídica, para fazer a defesa do réu no plenário do
Tribunal do Júri. Além desta nomeação, será necessário que o réu outorgue uma
procuração?
NÃO.
A nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica para patrocinar
a defesa de réu dispensa a juntada de procuração. Isso porque, neste caso, não
há uma atuação provocada pelo assistido, mas sim o exercício de um munus público por determinação judicial.
STJ. 3ª Seção.
EAREsp 798.496-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/04/2018 (Info
624).
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1691250/DF, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 03/11/2020.
Além disso, não se mostra razoável a
exigência de procuração porque na maioria das vezes, em caso de nomeação
judicial, não há um contato prévio do advogado com o acusado. A exigência de
procuração acarretaria gravosos prejuízos à defesa da população necessitada,
inviabilizando o acesso à Justiça.
Em suma:
O advogado integrante de Núcleo de Prática
Jurídica, para representar os interesses do réu no processo penal, precisará
de:
• procuração outorgada pelo réu; ou
• ato de nomeação judicial.
O advogado integrante de Núcleo de Prática
Jurídica, no que tange aos poderes de representação em juízo, não está
dispensado de apresentar procuração ou ato de nomeação apud acta, haja vista
que somente é equiparado à Defensoria Pública quanto à intimação pessoal dos
atos processuais.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1199054/DF, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/06/2018.