quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Principais aspectos jurídicos envolvendo a prisão do Deputado Federal Daniel Silveira
Na noite de ontem (16/02/2021), o grande acontecimento que dominou os noticiários do país foi a prisão do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL/RJ) decretada pelo Min. Alexandre de Moraes.
Resumo dos fatos
No dia de
ontem (16/02/2021), Deputado Federal Daniel Silveira (PSL/RJ) publicou vídeo de
19m9s, no YouTube, no qual afirma:
“(...) o que
acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta
que tu tem, essa cara de vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei
levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa
corte … quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra... Que que você
vai falar? que eu tô fomentando a violência ? Não... eu só imaginei... ainda
que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime... você é
um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível.... então qualquer
cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de
preferência após cada refeição, não é crime (...)
(...)
(...) vocês
não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral para poderem estar na Suprema Corte.
Eu concordo completamente com o Abraham Waintraub quando ele falou ‘eu por mim colocava
todos esses vagabundos todos na cadeia’, aponta para trás, começando pelo STF.
Ele estava certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de
brasileiros corroboram com esse pensamento. (...)
(...)
Eu também vou
perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante,
não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze? que não servem para porra nenhuma
para esse país? Não... não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês
andam, o que vocês fazem.
(…)
vocês deveriam
ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita
de onze novos ministros, vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já
passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin.
(…)
Não é nenhum
tipo de pressão sobre o Judiciário não, porque o Judiciário tem feito uma
sucessão de merda no Brasil.
Uma sucessão
de merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a
porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda. Então como já dizia
lá, Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não há a
quem recorrer. E infelizmente, infelizmente é verdade. O Judiciário tem feito
uma, vide MP, Ministério Público, uma sucessão de merdas. Um bando de
militantes totalmente lobotomizado, fazendo um monte de merda”.
Ainda na data
de ontem, o Min. Alexandre de Moraes entendeu as afirmações proferidas
configuraram crime e, no âmbito do Inquérito 4.781/DF, determinou a prisão em flagrante
do Deputado. O dispositivo da decisão ficou assim:
“Diante de todo exposto DETERMINO:
a) a IMEDIATA EFETIVAÇÃO DA PRISÃO EM
FLAGRANTE DELITO, POR CRIME INAFIANÇÁVEL DO DEPUTADO FEDERAL DANIEL SILVEIRA.
Nos termos do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal, o Presidente da Câmara
dos Deputados deverá ser imediatamente oficiado para as providências que
entender cabíveis;
(...)
Que inquérito é esse? Sobre
o que ele trata?
O Inquérito 4781 foi iniciado no dia
14/03/2019, pelo então Presidente do STF Dias Toffoli, por intermédio da
Portaria GP 69/2019, tendo sido instaurado para apurar fakes news, ofensas e
ameaças contra os Ministros da Corte.
Foi designado o Ministro
Alexandre de Moraes para conduzir o inquérito.
Confira a
íntegra da Portaria:
“O PRESIDENTE
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no uso de suas atribuições que lhe confere o
Regimento Interno,
CONSIDERANDO
que velar pela intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e
dos seus membros é atribuição regimental do Presidente da Corte (RISTF, art.
13, I);
CONSIDERANDO a
existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações
caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi
e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo
Tribunal Federal, de seus membros e familiares,
RESOLVE, nos
termos do art. 43 e seguintes do Regimento Interno, instaurar inquérito para
apuração dos fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão,
Designo para a
condução do feito o eminente Ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer
à Presidência a estrutura material e de pessoal necessária para a respectiva
condução.”
O STF já decidiu que a instauração desse inquérito não violou a Constituição Federal: STF. Plenário. ADPF 572 MC/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 17 e 18/6/2020 (Info 982). Para mais informações sobre essa decisão, clique aqui.
Vamos agora discutir alguns
pontos juridicamente relevantes sobre a decisão do Min. Alexandre de Moraes.
1) O Deputado Federal ou Senador
pode ser preso antes da condenação definitiva?
• Regra: NÃO. Como regra, os
membros do Congresso Nacional não podem ser presos antes da condenação
definitiva.
• Exceção: poderão ser presos
caso estejam em flagrante delito de um crime inafiançável.
Isso está
previsto no art. 53, § 2º da CF/88:
Art. 53 (...) § 2º Desde a expedição do
diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus
membros, resolva sobre a prisão.
Pela redação literal do art. 53,
§ 2º da CF/88, o Deputado Estadual, o Deputado Federal e o Senador somente
poderão ser presos, antes da condenação definitiva, em uma única hipótese: em
caso de flagrante delito de crime inafiançável. Isso significa que, pela
literalidade do dispositivo constitucional, tais parlamentares não podem ter
contra si uma ordem de prisão preventiva.
Trata-se da imunidade formal em
relação à prisão, também chamada de “incoercibilidade pessoal relativa” (freedom from arrest).
As imunidades parlamentares são
prerrogativas conferidas pela CF/88 aos parlamentares para que eles possam
exercer seu mandato com liberdade e independência.
Vale ressaltar (isso será
importante mais a frente) que a imunidade prevista no art. 53, § 2º da CF/88 aplica-se
não apenas para Deputados Federais e Senadores, mas também para os Deputados
Estaduais. Isso porque os Deputados Estaduais possuem as mesmas imunidades que
os parlamentares federais por força do art. 27, § 1º da CF/88.
2) O Deputado Federal ou Senador
pode ser preso se for condenado em processo criminal com trânsito em julgado?
SIM. O § 2º do art. 53 da CF/88
veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do parlamentar, ou seja, não
proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em julgado, como no caso de
Deputado Federal condenado definitivamente pelo STF.
STF. Plenário. AP 396 QO/RO, AP
396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26/6/2013 (Info 712).
REGRA: Deputados Federais e Senadores não poderão ser
presos. |
|
Exceção 1: Poderão ser presos em flagrante de
crime inafiançável. |
Exceção 2: O
Deputado ou Senador condenado por sentença judicial transitada pode ser preso
para cumprir pena. |
Trata-se de exceção prevista
expressamente na CF/88. |
Trata-se de exceção construída pela
jurisprudência do STF. |
Obs: os autos do flagrante serão
remetidos, em até 24h, à Câmara ou ao Senado, para que se decida, pelo voto aberto
da maioria de seus membros, pela manutenção ou não da prisão do parlamentar. |
Obs: o parlamentar condenado por sentença
transitada em julgado será preso mesmo que não perca o mandato. Poderíamos
ter por exemplo, em tese, a esdrúxula situação de um Deputado condenado ao
regime semiaberto que, durante o dia vai até o Congresso Nacional trabalhar
e, durante a noite, fica recolhido no presídio. |
Obs: existe divergência na doutrina
sobre a possibilidade de o Deputado ou Senador ser preso por conta de atraso no
pagamento da pensão alimentícia (prisão civil). Admitem: Uadi Bulos e Marcelo
Novelino. Não admitem: Pedro Lenza e Bernardo Fernandes. Não há precedente do
STF sobre o tema.
Em suma, pode-se dizer que o § 2º do
art. 53 da CF/88 veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do
parlamentar, ou seja, não proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em
julgado, como foi a hipótese do ex-Deputado Federal Natan Donadon condenado
pelo STF na AP 396/RO.
No caso do Deputado Federal Daniel
Silveira, ele ainda nem foi formalmente denunciado. Desse modo, não estamos
falando em condenação definitiva.
3) Quais os crimes que teriam
sido praticados pelo Deputado?
Segundo decisão do Min. Alexandre
de Moraes, o referido Deputado teria praticado, em tese, diversos crimes contra
a Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/73 (arts. 17, 18, 22, I e IV, 23, I,
II e IV e 26).
Vejamos os
delitos que foram mencionados pelo Ministro como sendo possíveis imputações
contra o parlamentar:
Art. 17. Tentar mudar, com emprego de
violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único. Se do fato resulta
lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte,
aumenta-se até o dobro.
Art. 18. Tentar impedir, com emprego de
violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União
ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 22. Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais
para alteração da ordem política ou social;
(...)
IV - de qualquer dos crimes previstos
nesta Lei.
Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
Art. 23. Incitar:
I - à subversão da ordem política ou
social;
II - à animosidade entre as Forças
Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
(...)
IV - à prática de qualquer dos crimes
previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Art. 26. Caluniar ou difamar o
Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do
Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato
ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre
quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
4) Os Deputados Federais e
Senadores gozam de imunidade parlamentar. Não seria possível dizer que o
referido Deputado está acobertado pela imunidade material? Essa imunidade é
absoluta?
NÃO.
Imunidades parlamentares são algumas prerrogativas
conferidas pela CF/88 aos parlamentares para que eles possam exercer seu
mandato com liberdade e independência.
Existem duas espécies de imunidade parlamentar: material e
formal.
A imunidade material, também chamada
de inviolabilidade, significa que os Deputados e Senadores são invioláveis,
civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53
da CF/88).
Há alguns julgados do STF
afirmando que a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) seria
absoluta quando as afirmações do Deputado ou Senador sobre qualquer assunto
ocorressem dentro do Congresso Nacional.
A situação poderia ser assim
resumida:
• Ofensas feitas DENTRO do
Parlamento: a imunidade seria absoluta. O parlamentar é imune mesmo que a
manifestação não tenha relação direta com o exercício de seu mandato.
• Ofensas feitas FORA do
Parlamento: a imunidade seria relativa. Para que o parlamentar seja imune, é
necessário que a manifestação feita tenha relação com o exercício do seu
mandato.
Veja um precedente do STF neste
sentido:
“A palavra 'inviolabilidade'
significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento
de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre
da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. (...)
Assim, é de se distinguir as
situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do
Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se
perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição
parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das
Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão
com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal
seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais
excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no
plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela
inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo
acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna,
consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (STF. Plenário.
Inq 1.958, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgado em 29/10/2003).
No mesmo sentido: STF. 1ª Turma.
RE 463671 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 19/06/2007.
Esse entendimento não pode ser
aplicado ao caso concreto, considerando que as palavras foram proferidas pelo
Deputado Federal na internet. Nesse sentido:
(...)
7. A incitação ao crime, enquanto delito
contra a paz pública, traduz afronta a bem jurídico diverso daquele que é
ofendido pela prática efetiva do crime objeto da instigação.
(...)
9. In casu, (i) o parlamentar é acusado
de incitação ao crime de estupro, ao afirmar que não estupraria uma Deputada
Federal porque ela “não merece”; (ii) o emprego do vocábulo “merece”, no
sentido e contexto presentes no caso sub judice, teve por fim conferir a este
gravíssimo delito, que é o estupro, o atributo de um prêmio, um favor, uma
benesse à mulher, revelando interpretação de que o homem estaria em posição de
avaliar qual mulher “poderia” ou “mereceria” ser estuprada.
(...)
15. (i) A imunidade parlamentar incide
quando as palavras tenham sido proferidas do recinto da Câmara dos Deputados:
“Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das
afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar”
(Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014, DJE
21/10/2014). (ii) Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da imunidade,
quando as manifestações não guardem pertinência, por um nexo de causalidade,
com o desempenho das funções do mandato parlamentar. (...)
(Inq 3932, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-192 DIVULG
08-09-2016 PUBLIC 09-09-2016)
(...) o fato de o parlamentar estar na
Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a
possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as
ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet. (...) a
inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo
direto e evidente com o exercício das funções parlamentares. (...) O Parlamento
é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre
mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda
que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar
na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a
dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.
STF. 1ª Turma. PET 7.174, Rel. p/ o ac.
Min. Marco Aurélio, julgado em 10/3/2020.
5) O Deputado estava em flagrante
delito?
Para o Min. Alexandre de Moraes,
sim.
O Ministro
afirmou que:
“as condutas
criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois verifica-se, de
maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez
que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da
rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que
fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos.
Relembre-se
que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal,
ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o
parlamentar DANIEL SILVEIRA, ao postar e permitir a divulgação do referido
vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em
infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a
consumação de sua prisão em flagrante.”
6) Os crimes supostamente
praticados pelo Deputado (arts. 17, 18, 22, I e IV, 23, I, II e IV e 26 da Lei
nº 7.170/73) são inafiançáveis?
O Ministro entendeu que sim.
O art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV
e o art. 323 do CPP preveem a lista de crimes inafiançáveis:
a) Racismo;
b) Tortura;
c) Tráfico de drogas;
d) Terrorismo;
e) Crimes hediondos;
f) Crimes cometidos por ação de
grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático.
Assim, a lista acima é composta
por crimes que são absolutamente inafiançáveis. Nunca poderá ser concedida
fiança para eles. São inafiançáveis por natureza.
O art. 324 do
CPP, por sua vez, traz situações nas quais não se poderá conceder fiança. Veja
a redação do dispositivo, em especial o inciso IV:
Art. 324. Não será, igualmente,
concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem
quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo,
qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou
militar;
III - (Revogado pela Lei nº 12.403/2011).
IV - quando presentes os motivos que
autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Desse modo, segundo esse inciso
IV, não será concedida fiança se estiverem presentes os motivos que autorizam a
decretação da prisão preventiva (garantia da ordem pública, da ordem econômica,
conveniência da instrução criminal, ou necessidade de se assegurar a aplicação
da lei penal).
O inciso IV prevê, portanto,
situação em que a pessoa praticou um crime que, mesmo não estando na lista do
art. 323 (absolutamente inafiançáveis), não poderá receber fiança por
circunstâncias específicas verificadas no curso do processo.
A partir desse dispositivo, o STF
construiu a seguinte tese: os crimes que, em tese, foram praticados pelo
Deputado são inafiançáveis por duas razões:
1) porque foram praticados contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 323, III, do CPP); e
2) porque, no caso concreto,
estão presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, de
sorte que estamos diante de uma situação que não admite fiança, com base no
art. 324, IV, do CPP.
Veja esse trecho
da decisão do Min. Alexandre de Moraes:
“Ressalte-se,
ainda, que, a prática das referidas condutas criminosas atentam diretamente
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; apresentando, portanto,
todos os requisitos para que, nos termos do artigo 312 do Código de Processo
Penal, fosse decretada a prisão preventiva; tornando, consequentemente, essa
prática delitiva insuscetível de fiança, na exata previsão do artigo 324, IV do
CPP (“Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: IV quando presentes os motivos
que autorizam a decretação da prisão preventiva).
Configura-se,
portanto, a possibilidade constitucional de prisão em flagrante de parlamentar
pela prática de crime inafiançável, nos termos do §2º, do artigo 53 da
Constituição Federal.”
Essa mesma interpretação já havia
sido adotada pelo STF na AC 4036, Rel. Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado
em 25/11/2015.
7) Se era caso de prisão em
flagrante, por que o Min. Alexandre de Moraes expediu um mandado? É necessária
a expedição de mandado para cumprimento de prisão em flagrante?
Tecnicamente, não.
Qualquer do povo poderá e as
autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja
encontrado em flagrante delito (art. 301 do CPP). A prisão em flagrante não
precisa de ordem judicial para ser cumprida. Entretanto, no caso concreto, havia
muitas dúvidas e questionamentos jurídicos sobre o enquadramento da conduta do
Deputado e se seria cabível, ou não, a sua prisão.
Diante disso, o Ministro do STF
entendeu recomendável esclarecer, por meio de decisão judicial, a possibilidade
da prisão em flagrante, fazendo a sua determinação expressa.
Não há qualquer irregularidade
nisso já que se trata de uma formalidade adicional em prol do investigado. A
outra opção seria o Ministro na decisão afirmar: qualquer do povo está
autorizado a prender o Deputado.
Vale destacar que não é porque foi
expedido um mandado de prisão que a custódia, no caso concreto, deixou de ser
prisão em flagrante e passou a ser preventiva. A diferença entre essas duas
espécies de custódia não está atrelada ao instrumento por meio do qual ela é
formalizada.
8) A situação acima é inédita ou
existe algum precedente do próprio STF que ampare a decisão do Min. Alexandre
de Moraes?
A situação é muito parecida com a
prisão do então Senador Delcídio do Amaral, ocorrida em 25/11/2015.
Relembrando os fatos.
O então Senador Delcídio do Amaral,
em conjunto com outros investigados, estaria tentando convencer o ex-diretor
Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró (um dos réus na Lava Jato), a não
assinar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Isso
porque Cerveró iria delatar crimes que teriam sido praticados por Delcídio e por
um banqueiro.
Em troca de seu silêncio, Delcídio
e o banqueiro teriam oferecido o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à
família de Cerveró.
Além disso, o então Senador teria
também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes
concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com o réu solto, o parlamentar
iria facilitar a fuga do ex-diretor da Petrobras para a Espanha, país do qual
também tem cidadania.
O então Ministro do STF Teori
Zavascki ordenou a prisão em flagrante do Senador Delcídio do Amaral e de mais
três pessoas. No dia seguinte, a 2ª Turma do STF referendou (confirmou) a
regularidade das prisões e as manteve.
Como o processo tramitou em
segredo de justiça, a ementa foi muito lacônica:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL.
PRISÃO CAUTELAR. SUPOSTO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, § 1º, NA
FORMA DO § 4º, II, DA LEI 12.850/2013) COM PARTICIPAÇÃO DE PARLAMENTAR
FEDERAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS
CORRESPONDENTES. CABIMENTO. DECISÃO RATIFICADA PELO COLEGIADO.
(AC 4036, Relator(a): TEORI ZAVASCKI,
Segunda Turma, julgado em 25/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 26-02-2016 PUBLIC 29-02-2016)
9) Depois de concretizada a
prisão em flagrante do parlamentar federal, qual é o procedimento que deverá
ser adotado em seguida?
A Constituição Federal determina
que os autos deverão ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para
que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, §
2º).
Assim, ainda no dia de ontem, o
STF remeteu os autos à Câmara dos Deputados para que delibere se mantém, ou
não, a prisão do parlamentar.
10) O Regimento Interno da Câmara
(art. 251) afirma que essa votação sobre a manutenção, ou não, da prisão é
secreta. É secreta mesmo?
NÃO. O Regimento Interno da
Câmara, nesta parte, é inválido porque se tornou incompatível com o texto da
CF/88, que foi alterado pela EC nº 35/2001. Explico:
Na redação
original da CF/88, o § 3º do art. 53 previa o seguinte:
Art. 53 (...)
§ 3º - No caso de flagrante de crime
inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa
respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a
prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.
Com base nesse dispositivo, o
Regimento Interno da Câmara previu que a votações para se decidir sobre a
manutenção ou não da prisão do parlamentar deveria ser secreta.
Ocorre que a
EC nº 35/2001 modificou esse dispositivo, deslocando-o para o § 2º do art. 53 e
suprimiu a expressão “pelo voto secreto”. Ficou assim:
Art. 53 (...)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os
membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de
crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a
prisão.
Veja, portanto, que a redação
atual não fala mais em voto secreto.
A regra é que as votações na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal sejam ABERTAS. Isso decorre do fato de
o Brasil ser uma República e de adotarmos a publicidade dos atos estatais como
um princípio constitucional.
Assim, a população tem o direito
de saber como votam os seus representantes, considerando que eles estão
exercendo o poder em nome do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).
A votação secreta somente é
permitida se for expressamente prevista na CF. Em caso de silêncio, prevalece a
publicidade. Tanto isso é verdade que, para as demais votações do Parlamento, o
texto constitucional não precisa reafirmar que se trata de voto aberto. É o
caso, por exemplo, das demais matérias previstas no art. 53 da CF/88.
Desse modo, o dispositivo do
Regimento Interno que previa o voto secreto para apreciar a prisão dos
parlamentares não foi recepcionado pela EC 35/2001.
ATUALIZAÇÃO
O Plenário do STF, na tarde do dia 17/02, reuniu-se e, por unanimidade, decidiu manter a prisão do Deputado Federal Daniel Silveira.
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal