Situação hipotética
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Pedro, dois fiscais do Instituto
de Proteção Ambiental, foram até determinada empresa com o intuito de averiguar
a ocorrência de supostos ilícitos ambientais.
Esses dois fiscais disseram ao proprietário
da empresa que havia inúmeras irregularidades no local e exigiram R$ 100 mil
para não lavrarem auto de infração.
O proprietário pagou R$ 20 mil na hora
e combinou de entregar os R$ 80 mil restantes na semana seguinte.
O responsável pela empresa relatou o
fato ao Ministério Público que decidiu investigar diretamente o caso,
requisitando o auxílio da agência de inteligência da Secretaria de Estado de
Segurança do Rio de Janeiro, que organizou um plano para reunir provas e prender
em flagrante os fiscais.
Alguns dias depois, João ligou para o
celular do proprietário da empresa. Como parte do plano, quem atendeu a chamada
foi Ricardo (policial militar que estava cedido à agência de inteligência). Ele
se identificou como sendo Tiago, gerente da empresa. João exigiu o restante do
pagamento e Ricardo combinou um local para entregar a quantia.
João explicou que,
por questões de segurança dele, quem iria pegar o dinheiro seria Lucas, um dos
seus comandados.
Assim, no dia designado, Ricardo/Tiago foi
até o local ajustado e encontrou com Lucas.
Ricardo/Tiago se identificou como
policial, explicou que Lucas também estava praticando crime e ofereceu a ele que
poderia fazer um acordo de colaboração premiada. Ele aceitou, o acordo foi
homologado pela Justiça e passou a cooperar com as investigações.
Lucas foi entregar o dinheiro da
propina para João e Pedro e, com um celular escondido, gravou toda a conversa
na qual os servidores confessaram a prática deste e de outros delitos.
Houve, no caso, infiltração policial?
Prova ilícita
João, Pedro e outros membros da
organização criminosa foram denunciados pela prática de extorsão.
No
processo, suscitaram a ilicitude das provas colhidas. Isso porque, segundo
alegou a defesa, no caso concreto, houve uma “infiltração policial”, técnica de
investigação que somente pode ser realizada com prévia autorização judicial,
conforme exige o art. 10 da Lei nº 12.850/2013:
Art. 10. A infiltração de agentes de
polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou
requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de
polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de
circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá
seus limites.
A defesa dos acusados alegou, portanto,
que Ricardo atuou como policial infiltrado, sob identidade falsa (Tiago), e que
isso só seria permitido se tivesse havido autorização judicial.
O que é a infiltração de agentes?
A infiltração de agentes é uma técnica
especial de investigação por meio da qual um policial, escondendo sua real
identidade, finge ser também um criminoso a fim de ingressar na organização
criminosa e, com isso, poder coletar elementos informativos a respeito dos
delitos que são praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua
forma de atuação, os locais onde moram e atuam, o produto dos delitos e
qualquer outra prova que sirva para o desmantelamento da organização e para ser
utilizado no processo penal.
Características
A doutrina aponta três características
básicas que marcam o instituto:
a) a dissimulação, ou seja, a ocultação
da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções;
b) o engano, considerando que toda a
operação de infiltração se apoia numa encenação que permite ao agente obter a
confiança do suspeito; e
c) a
interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor
potencial.
Nesse sentido: MASSON, Cleber; MARÇAL,
Vinícius. Crime organizado. 2ª ed.
São Paulo: Método, 2016, p. 272/273.
Infiltração policial na legislação
brasileira
Essa técnica de investigação está
prevista, atualmente, em três diplomas normativos:
• art. 53, I, da Lei nº 11.343/2006
(Lei de Drogas);
• art. 10 da Lei nº 12.850/2013 (Lei do
Crime Organizado);
• arts. 190-A a 190-E do ECA, inseridos
pela Lei nº 13.441/2017;
• art. 1º, § 6º da Lei nº 9.613/98 (Lei
de Lavagem de Dinheiro), inserido pela Lei nº 13.964/2019.
INFILTRAÇÃO
POLICIAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA |
|||
Lei
de Drogas (art.
53, I) |
Lei
do Crime Organizado (arts.
10 a 14) |
ECA (arts.
190-A a 190-E) |
Lei
de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, § 6º) |
Principais características: • Não prevê prazo máximo. • Não disciplina procedimento a
ser adotado. |
Principais características: • Prazo de 6 meses, podendo ser
sucessivamente prorrogada. • Só poderá ser adotada se a
prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. |
Principais características: • Prazo de 90 dias, sendo
permitidas renovações, mas o prazo total da infiltração não poderá exceder
720 dias. • Só poderá ser adotada se a
prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. • A infiltração de agentes
ocorre apenas na internet. |
A Lei nº 13.964/2019 inseriu
dispositivo na Lei de Lavagem prevendo o seguinte: Art. 1º (...) § 6º Para a apuração do crime
de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da
infiltração de agentes. |
Procedimento
da infiltração policial na Lei nº 12.850/2013
Pedido e legitimidade
A infiltração de agentes de polícia em
tarefas de investigação deverá ser pedida ao Juiz mediante:
• representação do Delegado de Polícia;
ou
• requerimento do Ministério Público.
Requisitos do pedido
O requerimento do Ministério Público ou
a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes deverão
conter:
• a demonstração da necessidade da
medida;
• o alcance das tarefas dos agentes;
• os nomes ou apelidos das pessoas
investigadas (quando isso for possível); e
• o local da infiltração.
Distribuição sigilosa
O pedido de infiltração será
sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar
a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.
As informações quanto à necessidade da
operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao Juiz competente.
Manifestação técnica do Delegado
Se o requerimento for formulado pelo MP
no curso de inquérito policial, antes de o Juiz decidir deverá haver
manifestação técnica do Delegado.
Oitiva do MP
Na hipótese de representação do
Delegado de Polícia, o Juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério
Público.
ý (Delegado
PC/SP 2018 Vunesp) A infiltração de agentes de polícia em tarefas de
investigação dependerá de representação do Delegado de Polícia, descrevendo
indícios seguros na necessidade de obter as informações por meio desta
operação, ao juiz competente que poderá autorizar, de forma circunstanciada,
motivada e sigilosa, cientificando, posteriormente, o Ministério Público para o
devido acompanhamento. (errado)
Prazo para decisão
O Juiz decidirá o pedido no prazo de 24
(vinte e quatro) horas, após manifestação do MP na hipótese de representação do
delegado de polícia.
Decisão judicial
A decisão do Juiz autorizando a
infiltração deve ser:
a) prévia;
b) circunstanciada;
c) motivada; e
d) sigilosa.
Além disso, a decisão deverá:
• estabelecer os limites da
infiltração; e
• adotar as medidas necessárias para o
êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.
ý (Analista
MP/RJ 2019 FGV) A infiltração de agentes deve ser previamente comunicada ao
juiz competente, mas não depende de anterior autorização judicial. (errado)
ý (Delegado
PF 2018 CEBRASPE) Delegado da PF instaurou IP para apurar crime cometido contra
órgão público federal. Diligências constataram sofisticado esquema de
organização criminosa criada com a intenção de fraudar programa de
responsabilidade desse ente público. A fim de dar celeridade às investigações e
em face da gravidade da situação investigada, é possível a infiltração de
agentes de polícia em tarefas da investigação, independentemente de prévia
autorização judicial. (errado)
Requisitos
A
infiltração somente será admitida se: |
|
1)
houver indícios da prática de infração penal que
trata o art. 1º da Lei nº 12.850/2013 |
2) se a
prova não puder ser produzida por
outros meios disponíveis. |
Obs: mesmo que o delito investigado
não seja o de organização criminosa, caso seja necessária a infiltração
policial, deverão ser observados, por analogia, os requisitos da Lei nº
12.850/2013; Obs2: a Lei do Tráfico de Pessoas e a
Lei de Terrorismo preveem a possibilidade de aplicação da infiltração com
base na Lei nº 12.850/2013. |
Assim, a infiltração é técnica de
investigação subsidiária (a infiltração é a ultima ratio). |
Prazo
A infiltração será autorizada pelo
prazo de até 6 meses.
Este prazo poderá ser objeto de
renovações (no plural), desde que comprovada sua necessidade.
ý (IBFC/SEAP/MG/Agente Penitenciário/2018) A infiltração será autorizada
pelo prazo de até 12 (doze) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde
que comprovada sua necessidade. (errado)
þ (Escrivão PC/SP 2018 Vunesp) Com relação à infiltração de
agentes prevista na Lei n° 12.850/2013 (Organização Criminosa), será autorizada
pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde
que comprovada sua necessidade. (certo)
Relatório
Findo o prazo previsto para a
infiltração, o agente infiltrado deverá elaborar um relatório circunstanciado
que será apresentado ao Juiz competente, que imediatamente cientificará o
Ministério Público.
Além desse relatório final, o Delegado
ou o MP também poderão exigir, a qualquer tempo durante o inquérito policial,
que o agente infiltrado apresente um relatório da atividade de infiltração.
Risco ao agente
Havendo indícios seguros de que o
agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada (suspensa)
mediante requisição do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia, dando-se
imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.
Informações sobre a infiltração deverão
acompanhar a denúncia
Os autos contendo as informações da
operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando
serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do
agente.
Eventuais crimes praticados pelo agente
infiltrado
Não é punível, no âmbito da
infiltração, crime praticado pelo agente infiltrado no curso da investigação,
quando for inexigível dele conduta diversa.
Excessos
O agente que não guardar, em sua
atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação,
responderá pelos excessos praticados.
Direitos do agente infiltrado
São direitos do agente:
I - recusar ou fazer cessar a atuação
infiltrada;
II - ter sua identidade alterada,
podendo até mesmo alterar seu nome (art. 9º da Lei nº 9.807/99), além de
usufruir das medidas de proteção a testemunhas;
III - ter seu nome, sua qualificação,
sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a
investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em
contrário;
IV - não ter sua identidade revelada,
nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia
autorização por escrito.
Voltando ao caso concreto. A primeira
alegação foi acolhida pelo STJ? Houve infiltração policial?
NÃO.
Não há infiltração
policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa,
apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou
se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar
a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento
do bando.
STJ. 6ª Turma.
HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info
677).
Conforme
vimos acima, a infiltração policial consiste em técnica por meio da qual o
agente entra
“no seio
da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse – na
verdade, como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo
e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões,
como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de
melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse de informações
às autoridades.” (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado – aspectos
gerais e mecanismos legais. São Paulo: Atlas: 2007, p. 54).
No mesmo
sentido é a lição de Denilson Feitoza Pacheco, para quem
“infiltração
é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade
investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de
difícil acesso) em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação
criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no
âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de
obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou,
enfim, combater a atividade criminosa deles.” (PACHECO, Denilson Feitoza. Direito
processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. rev., ampl. e atual.
Niterói: Impetus, 2009, p. 820).
Na hipótese, não há que se falar em
infiltração policial, uma vez que o agente lotado na agência de inteligência,
sob identidade falsa, apenas representou o ofendido nas negociações da extorsão,
sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de
identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a
estrutura e o funcionamento do bando.
A gravação ambiental foi lícita?
Outro argumento da defesa foi o de que a
gravação ambiental da conversa, realizada por Lucas (colaborador premiado),
teria sido ilegal. Essa tese é acolhida pela jurisprudência?
NÃO. Vamos entender com calma.
Captação
ambiental
Ocorre
quando são registrados sons ou imagens envolvendo a conversa ou o comportamento
de duas ou mais pessoas em um determinado ambiente, como um escritório, um
restaurante, a entrada de um prédio etc.
Captação
em sentido amplo
Apesar de
haver posições em sentido contrário, a expressão “captação” ambiental deve ser
tomada como um gênero, do qual são espécies a interceptação, a escuta e a
gravação ambiental. Vejamos:
INTERCEPTAÇÃO
ambiental |
ESCUTA
ambiental |
GRAVAÇÃO
ambiental |
Ocorre quando um terceiro capta o
diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sem que nenhum dos
alvos saiba. |
Ocorre quando um terceiro capta o
diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sendo que um dos alvos
sabe que está sendo realizada a escuta. |
Ocorre quando o diálogo ou as imagens
envolvendo duas ou mais pessoas é captado, sendo que um dos alvos é o autor
dos registros. Também é chamada
de gravação ambiental clandestina (obs: a palavra “clandestina” está
empregada não na acepção de “ilícito”, mas sim no sentido de “feito às
ocultas”). |
Ex: polícia, com autorização
judicial, instala um microfone e um gravador escondidos no gabinete de um
servidor público investigado por corrupção. |
Ex: polícia filma o momento em que
determinado empresário (ciente da filmagem) entrega quantia em dinheiro
exigida por fiscal corrupto. |
Ex: mulher instala uma câmera na casa
e filma o momento em que o ex-marido ameaça matá-la. |
Antes
da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), para que houvesse a interceptação ou
escuta ambiental era necessária autorização judicial?
Depende:
• Se as pessoas investigadas estivesem
em um ambiente público ou de acesso público: prevalecia o entendimento de que
não havia necessidade de autorização judicial, considerando que não havia
violação à privacidade e muito menos à intimidade. É o caso, por exemplo, da
filmagem de um crime que ocorre em plena rua;
• Se a captação ocorresse um local de
acesso restrito: era necessária a autorização judicial. É o caso da captação
ambiental realizada em um escritório ou em uma residência.
Neste sentido, confira-se os seguintes
precedentes:
Conforme destacou o Ilustre Ministro
Sepúlveda Pertence, ao proferir seu voto no julgamento do habeas corpus n.
87.341-3/PR, "[...] não há nenhuma ilicitude na documentação
cinematográfica da prática de um crime, a salvo, é claro, se o agente se
encontra numa situação de intimidade. Obviamente não é o caso de uma corrupção
passiva praticada em repartição pública. (STF, HC 87.341/PR, 1.ª Turma, Rel
Min. EROS GRAU, DJ de 03/03/2006.) (...)
STJ. 5ª Turma. HC 118860/SP, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 02/12/2010.
(...) Não configura prova ilícita
gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a
inexistência de "situação de intimidade" (HC n. 87341-3, Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 07.02.2006) (...)
STJ. 3ª Seção. MS 12429/DF, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 23/05/2007.
E
a gravação ambiental?
Prevalecia o seguinte entendimento: em
regra, a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, prescinde de
autorização judicial:
É lícita a prova consistente em
gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do
outro.
STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Rel. Min.
Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 (Repercussão Geral – Tema 237).
É válida a utilização da gravação
ambiental realizada por um dos interlocutores do diálogo como meio de prova no
processo penal, independentemente de prévia autorização judicial.
STJ. 5ª Turma. RHC 102.808/RJ, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019.
STJ. 6ª Turma. RHC 59.542/PE, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, DJe 14/11/2016.
Assim, se “A” e “B” estão conversando,
“A” pode gravar essa conversa mesmo que “B” não saiba. Para a jurisprudência, a
gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos
demais é considerada lícita. Nesse sentido:
þ
(Promotor MP/SP 2019) A realização de gravação ambiental por um dos
interlocutores sem conhecimento do outro é considerada lícita. (certo)
A única exceção em que haveria
ilicitude se dá no caso em que a conversa era amparada por sigilo (ex:
advogados e clientes, padres e fiéis).
E,
agora, com a Lei nº 13.964/2019?
A Lei nº
13.964/2019 inseriu o art. 8º-A na Lei nº 9.296/96 exigindo, de forma genérica,
a prévia autorização judicial para a captação ambiental:
Art. 8º-A.
Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a
requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação
ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:
I - a prova
não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e
II - houver
elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações
criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em
infrações penais conexas.
§ 1º O
requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de
instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei
13.964/2019)
§ 2º
(VETADO).
§ 3º A
captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável
por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do
meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou
continuada. (Incluído pela Lei 13.964/2019)
§ 4º
(VETADO).
§ 5º
Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na
legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.
Vale
ressaltar, contudo, que continua sendo desnecessária a autorização judicial em
caso de captação ambiental realizada por um dos interlocutores. A Lei acolheu a
interpretação da jurisprudência e foi inserido o art. 10-A, § 1º na Lei nº
9.296/96, com a seguinte redação:
Art. 10-A (...)
§ 1º Não há crime se a captação é
realizada por um dos interlocutores.
Desse
modo, pode-se afirmar o seguinte:
As inovações do Pacote
Anticrime na Lei nº 9.296/96 não alteraram o entendimento de que é LÍCITA (válida)
a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores
sem conhecimento do outro.
STJ. 6ª Turma.
HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info
677).
A gravação ambiental realizada por
colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento
dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser
validamente utilizada como meio de prova no processo penal.
No caso, Lucas decidiu colaborar com a
Justiça e, munido com equipamentos estatais, registrou a conversa que entabulou
com os comparsas no momento da entrega do dinheiro.
Para que haja ação controlada é
necessária prévia autorização judicial?
Atuação retardada da autoridade
responsável
Se a autoridade (seja ela policial ou
administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá
tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente,
devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante
delito.
A experiência demonstrou, contudo, que,
em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da
investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente
e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em
determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o
flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração
penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito
do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.
Exemplo
O exemplo típico desta técnica de
investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que
determinado passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco
que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia prender o traficante no
instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento
do transporte. Entretanto, revela-se mais conveniente à investigação que a
autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá
descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é
chamado de “ação controlada”.
Conceito
Ação controlada é...
- uma técnica especial de investigação
- por meio da qual a autoridade
policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem indícios
da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia, posterga) a
intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir coletar
mais provas,
- descobrir coautores e partícipes da
empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito da
infração ou
- resgatar, com segurança, eventuais
vítimas.
Nomenclatura
A ação controlada é também
denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.
Previsão legislativa
A ação
controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:
Convenção de Palermo (Decreto
5.015/2004):
Artigo 20
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu
ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta
as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu
direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso
apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a
outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou
outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das
autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a
criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a que se tenha
decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento
dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a
autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração
ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Lei nº
11.343/2006 (Lei de Drogas):
Art. 53. Em qualquer fase da persecução
criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos
previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público,
os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação policial sobre os
portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados
em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de
identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de
tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso
II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o
itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de
colaboradores.
Lei nº
9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):
Art. 1º (...)
§ 6º Para a apuração do crime de que
trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração
de agentes. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas
ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas
pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder
comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683/2012)
(...)
Lei nº
12.850 (Lei do Crime Organizado):
Art. 8º Consiste a ação
controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à
ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida
sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
Para que ocorra a ação
controlada é necessária prévia autorização judicial?
A resposta irá depender do tipo de
crime que está sendo investigado.
Se a ação controlada envolver
crimes:
• da Lei de Drogas ou de Lavagem de
Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art.
52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.
• praticados
por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a
autoridade (policial ou administrativa) avise o juiz que irá
realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº
12.850/2013:
Art. 8º (...)
§ 1º O retardamento da intervenção
policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz
competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao
Ministério Público.
A ação controlada
prevista no § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 independe de autorização,
bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.
A comunicação prévia ao
Poder Judiciário tem por objetivo proteger o trabalho investigativo, de forma a
afastar eventual crime de prevaricação ou infração administrativa por parte do
agente público, o qual responderá por eventuais abusos que venha a cometer.
STJ. 6ª Turma.
HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info
677).
ý (Analista MP/RJ 2019 FGV) A ação controlada é admitida nas
investigações relacionadas a crimes de organização criminosa, devendo a medida,
uma vez concretizada, ser posteriormente comunicada ao magistrado para controle
sobre a legalidade do ocorrido. (errado)
ý (Delegado PC/MG 2018 Fumarc) A intervenção policial ou
administrativa poderá ser postergada sem que exista prévia comunicação ao juízo
competente. (errado)
A ação controlada consistiu no
acompanhamento dos passos de Lucas e da entrega do dinheiro a João e Pedro,
havendo o retardamento da prisão em flagrante.
No caso concreto, o Poder Judiciário
sabia da ação controlada considerando que essa programada do dinheiro constava
como sendo uma das obrigações do colaborador premiado.
Limites à ação controlada
O § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013
afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação
controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.
Ex1: o juiz poderá estabelecer limite
de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a , por
exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana
etc.).
Ex2: o magistrado poderá determinar a
autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma
muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o
Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a força policial
deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.
Apesar de o § 1º falar apenas em
limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação
controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não
estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for
recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não
estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de
uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer
momento.
þ (Analista STJ 2018 CEBRASPE) O juiz poderá estabelecer os
limites da ação controlada nos casos de investigação de crimes organizados.
(certo)
ý (Delegado PC/GO 2018 UEG) O retardamento da intervenção
policial ou administrativa será previamente comunicado ao Ministério Público
que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao juiz
competente. (errado)
Procedimento no caso da comunicação
da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)
1) A autoridade policial ou
administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada,
demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;
2) No setor de protocolo da
Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não
conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;
3) O juiz comunicará o Ministério
Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;
4) Até o encerramento da
diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e
ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;
5) Ao término da diligência, a
autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado
acerca da ação controlada.
Ação controlada envolvendo transposição
de fronteiras
Se a ação controlada envolver
transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou
administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos
países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo
a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou
proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).
ý
(Delegado PC/MG Fumarc 2018) Mesmo que envolva a transposição de fronteiras,
não haverá necessidade de cooperação do país tido como provável destino do
investigado. (errado)
Auxílio da agência de inteligência
por parte do Ministério Público
Outro ponto questionado pela defesa foi
o fato de o Ministério Público não ter requisitado o auxílio da polícia na
investigação dos fatos, mas sim da agência de inteligência da Secretaria de
Segurança Pública. Houve alguma ilegalidade nesse procedimento?
NÃO.
É legal o auxílio da
agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento
criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização
criminosa.
STJ. 6ª Turma.
HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info
677).
A atividade de inteligência
desempenhada por agências dos estados consiste no exercício de ações
especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou
potenciais na esfera de segurança pública.
Essa atividade alcança diversos campos
de atuação. Um deles é a inteligência policial judiciária. Entre suas
finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas
públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e
repressão de atos criminosos.
Apesar de não se confundir com a
investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência
de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas
operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para
subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico.
O Ministério Público é legitimado a
promover, por autoridade própria, procedimentos investigatórios criminais e,
além disso, exerce o controle externo das polícias.
No caso em apreço, o Parquet optou por
não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no
procedimento apuratório criminal, e é incabível criar limitação alheia ao texto
constitucional para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos
órgãos estatais.
A atribuição de polícia judiciária conferida
às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos
por outras fontes.
Ademais, o art. 3º, VIII, da Lei nº 12.850/2013
permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de
interesse da investigação.