Dizer o Direito

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Interessante caso envolvendo infiltração policial, ação controlada, gravação ambiental e cooperação com agência de inteligência

 

Situação hipotética

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Pedro, dois fiscais do Instituto de Proteção Ambiental, foram até determinada empresa com o intuito de averiguar a ocorrência de supostos ilícitos ambientais.

Esses dois fiscais disseram ao proprietário da empresa que havia inúmeras irregularidades no local e exigiram R$ 100 mil para não lavrarem auto de infração.

O proprietário pagou R$ 20 mil na hora e combinou de entregar os R$ 80 mil restantes na semana seguinte.

O responsável pela empresa relatou o fato ao Ministério Público que decidiu investigar diretamente o caso, requisitando o auxílio da agência de inteligência da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que organizou um plano para reunir provas e prender em flagrante os fiscais.

Alguns dias depois, João ligou para o celular do proprietário da empresa. Como parte do plano, quem atendeu a chamada foi Ricardo (policial militar que estava cedido à agência de inteligência). Ele se identificou como sendo Tiago, gerente da empresa. João exigiu o restante do pagamento e Ricardo combinou um local para entregar a quantia.

João explicou que, por questões de segurança dele, quem iria pegar o dinheiro seria Lucas, um dos seus comandados.

Assim, no dia designado, Ricardo/Tiago foi até o local ajustado e encontrou com Lucas.

Ricardo/Tiago se identificou como policial, explicou que Lucas também estava praticando crime e ofereceu a ele que poderia fazer um acordo de colaboração premiada. Ele aceitou, o acordo foi homologado pela Justiça e passou a cooperar com as investigações.

Lucas foi entregar o dinheiro da propina para João e Pedro e, com um celular escondido, gravou toda a conversa na qual os servidores confessaram a prática deste e de outros delitos.

 

Houve, no caso, infiltração policial?

Prova ilícita

João, Pedro e outros membros da organização criminosa foram denunciados pela prática de extorsão.

No processo, suscitaram a ilicitude das provas colhidas. Isso porque, segundo alegou a defesa, no caso concreto, houve uma “infiltração policial”, técnica de investigação que somente pode ser realizada com prévia autorização judicial, conforme exige o art. 10 da Lei nº 12.850/2013:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

 

A defesa dos acusados alegou, portanto, que Ricardo atuou como policial infiltrado, sob identidade falsa (Tiago), e que isso só seria permitido se tivesse havido autorização judicial.

 

O que é a infiltração de agentes?

A infiltração de agentes é uma técnica especial de investigação por meio da qual um policial, escondendo sua real identidade, finge ser também um criminoso a fim de ingressar na organização criminosa e, com isso, poder coletar elementos informativos a respeito dos delitos que são praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua forma de atuação, os locais onde moram e atuam, o produto dos delitos e qualquer outra prova que sirva para o desmantelamento da organização e para ser utilizado no processo penal.

 

Características

A doutrina aponta três características básicas que marcam o instituto:

a) a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções;

b) o engano, considerando que toda a operação de infiltração se apoia numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e

c) a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.

Nesse sentido: MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2ª ed. São Paulo: Método, 2016, p. 272/273.

 

Infiltração policial na legislação brasileira

Essa técnica de investigação está prevista, atualmente, em três diplomas normativos:

• art. 53, I, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas);

• art. 10 da Lei nº 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado);

• arts. 190-A a 190-E do ECA, inseridos pela Lei nº 13.441/2017;

• art. 1º, § 6º da Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), inserido pela Lei nº 13.964/2019.

 

INFILTRAÇÃO POLICIAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Lei de Drogas

(art. 53, I)

Lei do Crime Organizado

(arts. 10 a 14)

ECA

(arts. 190-A a 190-E)

Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, § 6º)

Principais características:

Não prevê prazo máximo.

Não disciplina procedimento a ser adotado.

Principais características:

Prazo de 6 meses, podendo ser sucessivamente prorrogada.

Só poderá ser adotada se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

Principais características:

• Prazo de 90 dias, sendo permitidas renovações, mas o prazo total da infiltração não poderá exceder 720 dias.

• Só poderá ser adotada se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

• A infiltração de agentes ocorre apenas na internet.

A Lei nº 13.964/2019 inseriu dispositivo na Lei de Lavagem prevendo o seguinte:

Art. 1º (...)

§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.

 

Procedimento da infiltração policial na Lei nº 12.850/2013

Pedido e legitimidade

A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação deverá ser pedida ao Juiz mediante:

• representação do Delegado de Polícia; ou

• requerimento do Ministério Público.

 

Requisitos do pedido

O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes deverão conter:

• a demonstração da necessidade da medida;

• o alcance das tarefas dos agentes;

• os nomes ou apelidos das pessoas investigadas (quando isso for possível); e

• o local da infiltração.

 

Distribuição sigilosa

O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao Juiz competente.

 

Manifestação técnica do Delegado

Se o requerimento for formulado pelo MP no curso de inquérito policial, antes de o Juiz decidir deverá haver manifestação técnica do Delegado.

 

Oitiva do MP

Na hipótese de representação do Delegado de Polícia, o Juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

ý (Delegado PC/SP 2018 Vunesp) A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação dependerá de representação do Delegado de Polícia, descrevendo indícios seguros na necessidade de obter as informações por meio desta operação, ao juiz competente que poderá autorizar, de forma circunstanciada, motivada e sigilosa, cientificando, posteriormente, o Ministério Público para o devido acompanhamento. (errado)

 

Prazo para decisão

O Juiz decidirá o pedido no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do MP na hipótese de representação do delegado de polícia.

 

Decisão judicial

A decisão do Juiz autorizando a infiltração deve ser:

a) prévia;

b) circunstanciada;

c) motivada; e

d) sigilosa.

 

Além disso, a decisão deverá:

• estabelecer os limites da infiltração; e

• adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.

 

ý (Analista MP/RJ 2019 FGV) A infiltração de agentes deve ser previamente comunicada ao juiz competente, mas não depende de anterior autorização judicial. (errado)

ý (Delegado PF 2018 CEBRASPE) Delegado da PF instaurou IP para apurar crime cometido contra órgão público federal. Diligências constataram sofisticado esquema de organização criminosa criada com a intenção de fraudar programa de responsabilidade desse ente público. A fim de dar celeridade às investigações e em face da gravidade da situação investigada, é possível a infiltração de agentes de polícia em tarefas da investigação, independentemente de prévia autorização judicial. (errado)

 

Requisitos

A infiltração somente será admitida se:

1) houver indícios da prática de infração penal

que trata o art. 1º da Lei nº 12.850/2013

2) se a prova não puder ser produzida

por outros meios disponíveis.

Obs: mesmo que o delito investigado não seja o de organização criminosa, caso seja necessária a infiltração policial, deverão ser observados, por analogia, os requisitos da Lei nº 12.850/2013;

Obs2: a Lei do Tráfico de Pessoas e a Lei de Terrorismo preveem a possibilidade de aplicação da infiltração com base na Lei nº 12.850/2013.

Assim, a infiltração é técnica de investigação subsidiária (a infiltração é a ultima ratio).

 

Prazo

A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 meses.

Este prazo poderá ser objeto de renovações (no plural), desde que comprovada sua necessidade.

 

þ (Agente Prisioinal AOCP/Susipe/PA 2018) A Lei nº 12.850/2013 disciplina a atuação de agentes de polícia infiltrados em tarefas de investigação. Nesse sentido, o prazo pelo qual será autorizada a infiltração do agente é de 6 (seis) meses, podendo o prazo ser renovado. (certo)

ý (IBFC/SEAP/MG/Agente Penitenciário/2018) A infiltração será autorizada pelo prazo de até 12 (doze) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade. (errado)

þ (Escrivão PC/SP 2018 Vunesp) Com relação à infiltração de agentes prevista na Lei n° 12.850/2013 (Organização Criminosa), será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade. (certo)

 

Relatório

Findo o prazo previsto para a infiltração, o agente infiltrado deverá elaborar um relatório circunstanciado que será apresentado ao Juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.

Além desse relatório final, o Delegado ou o MP também poderão exigir, a qualquer tempo durante o inquérito policial, que o agente infiltrado apresente um relatório da atividade de infiltração.

 

Risco ao agente

Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada (suspensa) mediante requisição do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

 

Informações sobre a infiltração deverão acompanhar a denúncia

Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.

 

Eventuais crimes praticados pelo agente infiltrado

Não é punível, no âmbito da infiltração, crime praticado pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando for inexigível dele conduta diversa.

 

Excessos

O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

 

Direitos do agente infiltrado

São direitos do agente:

I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

II - ter sua identidade alterada, podendo até mesmo alterar seu nome (art. 9º da Lei nº 9.807/99), além de usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

 

Voltando ao caso concreto. A primeira alegação foi acolhida pelo STJ? Houve infiltração policial?

NÃO.

Não há infiltração policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.

STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

 

Conforme vimos acima, a infiltração policial consiste em técnica por meio da qual o agente entra

“no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse – na verdade, como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse de informações às autoridades.” (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Atlas: 2007, p. 54).

 

No mesmo sentido é a lição de Denilson Feitoza Pacheco, para quem

“infiltração é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de difícil acesso) em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou, enfim, combater a atividade criminosa deles.” (PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p. 820).

 

Na hipótese, não há que se falar em infiltração policial, uma vez que o agente lotado na agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representou o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.

 

A gravação ambiental foi lícita?

Outro argumento da defesa foi o de que a gravação ambiental da conversa, realizada por Lucas (colaborador premiado), teria sido ilegal. Essa tese é acolhida pela jurisprudência?

NÃO. Vamos entender com calma.

 

Captação ambiental

Ocorre quando são registrados sons ou imagens envolvendo a conversa ou o comportamento de duas ou mais pessoas em um determinado ambiente, como um escritório, um restaurante, a entrada de um prédio etc.

 

Captação em sentido amplo

Apesar de haver posições em sentido contrário, a expressão “captação” ambiental deve ser tomada como um gênero, do qual são espécies a interceptação, a escuta e a gravação ambiental. Vejamos:

INTERCEPTAÇÃO ambiental

ESCUTA ambiental

GRAVAÇÃO ambiental

Ocorre quando um terceiro capta o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sem que nenhum dos alvos saiba.

Ocorre quando um terceiro capta o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sendo que um dos alvos sabe que está sendo realizada a escuta.

Ocorre quando o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas é captado, sendo que um dos alvos é o autor dos registros.

Também é chamada de gravação ambiental clandestina (obs: a palavra “clandestina” está empregada não na acepção de “ilícito”, mas sim no sentido de “feito às ocultas”).

Ex: polícia, com autorização judicial, instala um microfone e um gravador escondidos no gabinete de um servidor público investigado por corrupção.

Ex: polícia filma o momento em que determinado empresário (ciente da filmagem) entrega quantia em dinheiro exigida por fiscal corrupto.

Ex: mulher instala uma câmera na casa e filma o momento em que o ex-marido ameaça matá-la.

 

 

Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), para que houvesse a interceptação ou escuta ambiental era necessária autorização judicial?

Depende:

• Se as pessoas investigadas estivesem em um ambiente público ou de acesso público: prevalecia o entendimento de que não havia necessidade de autorização judicial, considerando que não havia violação à privacidade e muito menos à intimidade. É o caso, por exemplo, da filmagem de um crime que ocorre em plena rua;

• Se a captação ocorresse um local de acesso restrito: era necessária a autorização judicial. É o caso da captação ambiental realizada em um escritório ou em uma residência.

 

Neste sentido, confira-se os seguintes precedentes:

Conforme destacou o Ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, ao proferir seu voto no julgamento do habeas corpus n. 87.341-3/PR, "[...] não há nenhuma ilicitude na documentação cinematográfica da prática de um crime, a salvo, é claro, se o agente se encontra numa situação de intimidade. Obviamente não é o caso de uma corrupção passiva praticada em repartição pública. (STF, HC 87.341/PR, 1.ª Turma, Rel Min. EROS GRAU, DJ de 03/03/2006.) (...)

STJ. 5ª Turma. HC 118860/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/12/2010.

 

(...) Não configura prova ilícita gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a inexistência de "situação de intimidade" (HC n. 87341-3, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 07.02.2006) (...)

STJ. 3ª Seção. MS 12429/DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/05/2007.

 

E a gravação ambiental?

Prevalecia o seguinte entendimento: em regra, a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, prescinde de autorização judicial:

É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 (Repercussão Geral – Tema 237).

 

É válida a utilização da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores do diálogo como meio de prova no processo penal, independentemente de prévia autorização judicial.

STJ. 5ª Turma. RHC 102.808/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019.

STJ. 6ª Turma. RHC 59.542/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 14/11/2016.

 

Assim, se “A” e “B” estão conversando, “A” pode gravar essa conversa mesmo que “B” não saiba. Para a jurisprudência, a gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais é considerada lícita. Nesse sentido:

þ (Promotor MP/SP 2019) A realização de gravação ambiental por um dos interlocutores sem conhecimento do outro é considerada lícita. (certo)

 

A única exceção em que haveria ilicitude se dá no caso em que a conversa era amparada por sigilo (ex: advogados e clientes, padres e fiéis).

 

E, agora, com a Lei nº 13.964/2019?

A Lei nº 13.964/2019 inseriu o art. 8º-A na Lei nº 9.296/96 exigindo, de forma genérica, a prévia autorização judicial para a captação ambiental:

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei 13.964/2019)

§ 2º (VETADO).

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada. (Incluído pela Lei 13.964/2019)

§ 4º (VETADO).

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.

 

Vale ressaltar, contudo, que continua sendo desnecessária a autorização judicial em caso de captação ambiental realizada por um dos interlocutores. A Lei acolheu a interpretação da jurisprudência e foi inserido o art. 10-A, § 1º na Lei nº 9.296/96, com a seguinte redação:

Art. 10-A (...)

§ 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.

 

Desse modo, pode-se afirmar o seguinte:

As inovações do Pacote Anticrime na Lei nº 9.296/96 não alteraram o entendimento de que é LÍCITA (válida) a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

 

A gravação ambiental realizada por colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como meio de prova no processo penal.

No caso, Lucas decidiu colaborar com a Justiça e, munido com equipamentos estatais, registrou a conversa que entabulou com os comparsas no momento da entrega do dinheiro.

 

Para que haja ação controlada é necessária prévia autorização judicial?

Atuação retardada da autoridade responsável

Se a autoridade (seja ela policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante delito.

A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.

 

Exemplo

O exemplo típico desta técnica de investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que determinado passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia prender o traficante no instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do transporte. Entretanto, revela-se mais conveniente à investigação que a autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é chamado de “ação controlada”.

 

Conceito

Ação controlada é...

- uma técnica especial de investigação

- por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),

- mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,

- retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,

- com o objetivo de conseguir coletar mais provas,

- descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,

- recuperar o produto ou proveito da infração ou

- resgatar, com segurança, eventuais vítimas.

 

Nomenclatura

A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

 

Previsão legislativa

A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:

Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):

Artigo 20

Técnicas especiais de investigação

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

(...)

4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

 

Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

(...)

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

 

Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):

Art. 1º (...)

§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)

 

Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683/2012)

(...)

 

Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

 

Para que ocorra a ação controlada é necessária prévia autorização judicial?

A resposta irá depender do tipo de crime que está sendo investigado.

Se a ação controlada envolver crimes:

da Lei de Drogas ou de Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art. 52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.

praticados por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade (policial ou administrativa) avise o juiz que irá realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013:

Art. 8º (...)

§ 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

 

A ação controlada prevista no § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.

A comunicação prévia ao Poder Judiciário tem por objetivo proteger o trabalho investigativo, de forma a afastar eventual crime de prevaricação ou infração administrativa por parte do agente público, o qual responderá por eventuais abusos que venha a cometer.

STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

 

ý (Analista MP/RJ 2019 FGV) A ação controlada é admitida nas investigações relacionadas a crimes de organização criminosa, devendo a medida, uma vez concretizada, ser posteriormente comunicada ao magistrado para controle sobre a legalidade do ocorrido. (errado)

ý (Delegado PC/MG 2018 Fumarc) A intervenção policial ou administrativa poderá ser postergada sem que exista prévia comunicação ao juízo competente. (errado)

 

A ação controlada consistiu no acompanhamento dos passos de Lucas e da entrega do dinheiro a João e Pedro, havendo o retardamento da prisão em flagrante.

No caso concreto, o Poder Judiciário sabia da ação controlada considerando que essa programada do dinheiro constava como sendo uma das obrigações do colaborador premiado.

 

Limites à ação controlada

O § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.

Ex1: o juiz poderá estabelecer limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a , por exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana etc.).

Ex2: o magistrado poderá determinar a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a força policial deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.

Apesar de o § 1º falar apenas em limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer momento.

 

þ (Analista STJ 2018 CEBRASPE) O juiz poderá estabelecer os limites da ação controlada nos casos de investigação de crimes organizados. (certo)

ý (Delegado PC/GO 2018 UEG) O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao Ministério Público que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao juiz competente. (errado)

 

Procedimento no caso da comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)

1)  A autoridade policial ou administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada, demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;

2)  No setor de protocolo da Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;

3)  O juiz comunicará o Ministério Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;

4)  Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;

5)  Ao término da diligência, a autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado acerca da ação controlada.

 

Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras

Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).

 

ý (Delegado PC/MG Fumarc 2018) Mesmo que envolva a transposição de fronteiras, não haverá necessidade de cooperação do país tido como provável destino do investigado. (errado)

 

Auxílio da agência de inteligência por parte do Ministério Público

Outro ponto questionado pela defesa foi o fato de o Ministério Público não ter requisitado o auxílio da polícia na investigação dos fatos, mas sim da agência de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Houve alguma ilegalidade nesse procedimento?

NÃO.

É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa.

STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

 

A atividade de inteligência desempenhada por agências dos estados consiste no exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública.

Essa atividade alcança diversos campos de atuação. Um deles é a inteligência policial judiciária. Entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos.

Apesar de não se confundir com a investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico.

O Ministério Público é legitimado a promover, por autoridade própria, procedimentos investigatórios criminais e, além disso, exerce o controle externo das polícias.

No caso em apreço, o Parquet optou por não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no procedimento apuratório criminal, e é incabível criar limitação alheia ao texto constitucional para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos órgãos estatais.

A atribuição de polícia judiciária conferida às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes.

Ademais, o art. 3º, VIII, da Lei nº 12.850/2013 permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação.

 

  


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