terça-feira, 29 de dezembro de 2020
De quem é a competência para julgar as ações propostas contra o CNJ e CNMP?
Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP
A CF/88 prevê, em seu art. 102, I, “r”:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
r) as ações contra o Conselho Nacional
de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela EC
45/2004)
Interpretação
restritiva conferida pelo STF (superada)
Até bem pouco
tempo, o STF conferia uma interpretação restritiva a esse dispositivo.
O STF dizia que ele
somente seria competente para julgar as ações em que o próprio CNJ ou CNMP (que
não possuem personalidade jurídica própria) figurassem no polo passivo. Seria o
caso de mandados de segurança, habeas
corpus e habeas data contra os
Conselhos.
Na hipótese de serem propostas ações ordinárias
para impugnar atos do CNJ e CNMP, quem irá figurar como ré no processo é a
União, já que os Conselhos são órgãos federais. Logo, tais demandas, segundo
essa interpretação restritiva, seriam julgadas pela Justiça Federal de 1ª
instância, com base no art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras,
rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Esse entendimento estava pacificado no STF, existindo inúmeros julgados nesse sentido.
Por exemplo: AO 1706 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em
18/12/2013; AO 1894 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 07/08/2018; ACO 2148 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
30/09/2016.
Resumindo essa posição restritiva:
Competência para
julgar ações contra o CNJ e CNMP:
• MS, HS e habeas
data: competência do STF (art. 102, I, “r”, da CF/88);
• Ações ordinárias:
competência do Juiz federal (1ª instância) (art. 109, I, da CF/88).
Mudança de
entendimento
Ocorre que o STF mudou
seu entendimento e abandonou a interpretação restritiva acima exposta.
Entendimento atual:
compete ao STF processar e julgar originariamente ações propostas contra o CNJ
e contra o CNMP no exercício de suas atividades-fim
Nos termos do art. 102, I, “r”, da Constituição Federal,
é competência exclusiva do STF processar e julgar, originariamente, todas as
ações ajuizadas contra decisões do Conselho CNJ e do CNMP proferidas no
exercício de suas competências constitucionais, respectivamente, previstas nos
arts. 103-B, § 4º, e 130-A, § 2º, da CF/88.
STF.
Plenário. Pet 4770 AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/11/2020
(Info 1000).
STF.
Plenário. Rcl 33459 AgR/PE, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em
18/11/2020 (Info 1000).
O art. 102, I, “r”,
da CF/88 não restringiu a competência para determinadas ações
A Constituição
Federal determina que o STF julgue as ações propostas contra o CNJ e CNMP, não
havendo, no art. 102, I, “r”, nenhuma restrição ou diferenciação quanto ao
instrumento processual a ser utilizado.
Quando a CF/88 quis restringir a competência do STF para determinados
tipos de “ação”, ela o fez expressamente, como é o caso do art. 102, I, “d”:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
d) o habeas corpus, sendo paciente
qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e
o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
Na alínea “r” não
houve, portanto, nenhuma restrição, razão pela qual não se deve fazer essa
interpretação restritiva.
Isso não significa
que o STF vá julgar toda e qualquer ação ordinária contra os Conselhos, mas
apenas quando o CNJ ou o CNMP atuar no exercício de suas competências
Vimos acima que a
alínea “r” é ampla, não diferenciando o tipo de ação. Logo, aquela distinção
antiga que era feita entre o instrumento processual (se ação ordinária ou ação
tipicamente constitucional), não faz sentido e foi abandonada.
A despeito disso, o
STF afirmou que ele não irá julgar toda e qualquer ação ordinária contra atos
daqueles conselhos constitucionais.
A regra de
competência deve ser interpretada de acordo com os fins que justificaram a inclusão
dessa alínea “r” pela EC 45/2004.
A competência do
STF para julgar ações contra o CNJ e CNMP somente se justifica se o ato
praticado tiver um cunho finalístico, estando relacionado com os objetivos
precípuos que justificaram a criação dos conselhos, a fim de garantir uma proteção
institucional a eles.
A outorga da
atribuição ao Supremo para processar e julgar ações contra os Conselhos é
mecanismo constitucional delineado pelo legislador com o objetivo de proteger e
viabilizar a atuação desses órgãos de controle. A realização da missão
constitucional ficaria impossibilitada ou seriamente comprometida se os atos
por eles praticados estivessem sujeitos ao crivo de juízos de primeira
instância.
Não raramente, a
atuação do CNJ recai sobre questões locais delicadas e que mobilizam diversos
interesses. O distanciamento das instâncias de controle jurisdicional é
elemento essencial para o desempenho apropriado das funções. Ademais, o órgão
de controle atua em questões de abrangência nacional que demandam tratamento
uniforme e ação coordenada. Por essa razão, não poderiam ser adequadamente
enfrentadas por juízos difusos.
A submissão de atos
do CNJ à análise de órgãos jurisdicionais distintos do STF representaria a
subordinação da atividade da instância fiscalizadora aos órgãos e agentes
públicos por ele fiscalizados, o que subverte o sistema de controle proposto
constitucionalmente. Deve ser mantida a higidez do sistema e preservada a
hierarquia e a autoridade do órgão de controle.
Desse modo, compete
ao STF julgar todas as ações ajuizadas contra decisões do
Conselho CNJ e do CNMP (não importando se ações ordinárias ou writs
constitucionais), mas desde que proferidas no exercício de suas
competências constitucionais, o que está previsto nos arts. 103-B, § 4º,
e 130-A, § 2º, da CF/88.
Ex1: juiz propõe ação ordinária
contra a União questionando punição disciplinar que recebeu do CNJ. Essa ação
será julgada pelo CNJ considerando que impugna decisão do Conselho proferida no
exercício de suas competências constitucionais.
Ex2: servidor do CNJ ajuíza ação contra a União pedindo o pagamento de hora extra. Essa demanda, em minha visão, deverá ser julgada pelo juiz federal de 1ª instância tendo em vista que não questiona decisão do Conselho proferida no exercício de suas competências constitucionais.
Art. 106 do Regimento
Interno do CNJ é constitucional
O art. 106 do Regimento Interno do CNJ prevê o seguinte:
Art. 106. O CNJ determinará à
autoridade recalcitrante, sob as cominações do disposto no artigo anterior, o
imediato cumprimento de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro
juízo que não o Supremo Tribunal Federal.
Ex: o CNJ determinou a vacância
de determinada serventia registral (“cartório”) afirmando que o atual titular (registrado)
encontra-se indevidamente investido porque não foi aprovado em concurso. Na linguagem
popular, o CNJ determinou que o registrador “saia o cartório”. Esse registrador
ingressa com ação na Justiça Federal e obtém uma decisão provisória por meio da
qual ele pode continuar no cartório. Por força desse art. 106 do Regimento
Interno, o CNJ poderá ordenar que o registrador e o Tribunal de Justiça cumpram
imediatamente a sua decisão administrativa independentemente da decisão
proferida pelo Juiz Federal. Isso porque a decisão do CNJ somente poderia ser
revertida pelo STF, nos termos do art. 102, I, “r”, da CF/88.
Esse art. 106 do Regimento
Interno é válido?
SIM. A Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) propôs uma ADI contra esse dispositivo, mas o STF julgou
improcedente o pedido e afirmou é constitucional o art. 106 do Regimento
Interno do CNJ, na redação dada pela Emenda Regimental 1/2010.
Essa previsão regimental decorre
do exercício legítimo de poder normativo atribuído constitucionalmente ao CNJ,
que é o órgão formulador da política judiciária nacional.
A aludida norma nada mais faz do
que explicitar o alcance do art. 102, I, “r”, da CF/88, impedindo que decisões
proferidas ao arrepio das regras constitucionais de competência — portanto,
flagrantemente nulas — comprometam o bom desempenho das atribuições do CNJ.
Permitir que decisões administrativas do CNJ sejam afastadas liminarmente órgãos absolutamente incompetentes implicaria, indiretamente, a inviabilização do exercício de suas competências constitucionais.
O CNJ pode determinar à autoridade recalcitrante o cumprimento
imediato de suas decisões, ainda que impugnadas perante a Justiça Federal de
primeira instância, quando se tratar de hipótese de competência originária do
STF.
STF.
Plenário. ADI 4412/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 18/11/2020 (Info 1000).