Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP
A CF/88 prevê, em seu art. 102, I, “r”:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
r) as ações contra o Conselho Nacional
de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela EC
45/2004)
Interpretação
restritiva conferida pelo STF (superada)
Até bem pouco
tempo, o STF conferia uma interpretação restritiva a esse dispositivo.
O STF dizia que ele
somente seria competente para julgar as ações em que o próprio CNJ ou CNMP (que
não possuem personalidade jurídica própria) figurassem no polo passivo. Seria o
caso de mandados de segurança, habeas
corpus e habeas data contra os
Conselhos.
Na hipótese de serem propostas ações ordinárias
para impugnar atos do CNJ e CNMP, quem irá figurar como ré no processo é a
União, já que os Conselhos são órgãos federais. Logo, tais demandas, segundo
essa interpretação restritiva, seriam julgadas pela Justiça Federal de 1ª
instância, com base no art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes
de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Esse entendimento estava pacificado no STF, existindo inúmeros julgados nesse sentido.
Por exemplo: AO 1706 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em
18/12/2013; AO 1894 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 07/08/2018; ACO 2148 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
30/09/2016.
Resumindo essa posição restritiva:
Competência para
julgar ações contra o CNJ e CNMP:
• MS, HS e habeas
data: competência do STF (art. 102, I, “r”, da CF/88);
• Ações ordinárias:
competência do Juiz federal (1ª instância) (art. 109, I, da CF/88).
Mudança de
entendimento
Ocorre que o STF mudou
seu entendimento e abandonou a interpretação restritiva acima exposta.
Entendimento atual:
compete ao STF processar e julgar originariamente ações propostas contra o CNJ
e contra o CNMP no exercício de suas atividades-fim
Nos termos do art. 102, I, “r”, da
Constituição Federal, é competência exclusiva do STF processar e julgar,
originariamente, todas as ações ajuizadas contra decisões do Conselho CNJ e do
CNMP proferidas no exercício de suas competências constitucionais,
respectivamente, previstas nos arts. 103-B, § 4º, e 130-A, § 2º, da CF/88.
STF.
Plenário. Pet 4770 AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/11/2020
(Info 1000).
STF.
Plenário. Rcl 33459 AgR/PE, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em
18/11/2020 (Info 1000).
O art. 102, I, “r”,
da CF/88 não restringiu a competência para determinadas ações
A Constituição Federal
determina que o STF julgue as ações propostas contra o CNJ e CNMP, não havendo,
no art. 102, I, “r”, nenhuma restrição ou diferenciação quanto ao instrumento
processual a ser utilizado.
Quando a CF/88 quis restringir a competência do STF para determinados
tipos de “ação”, ela o fez expressamente, como é o caso do art. 102, I, “d”:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
d) o habeas corpus, sendo paciente
qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e
o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
Na alínea “r” não
houve, portanto, nenhuma restrição, razão pela qual não se deve fazer essa
interpretação restritiva.
Isso não significa
que o STF vá julgar toda e qualquer ação ordinária contra os Conselhos, mas apenas
quando o CNJ ou o CNMP atuar no exercício de suas competências
Vimos acima que a
alínea “r” é ampla, não diferenciando o tipo de ação. Logo, aquela distinção
antiga que era feita entre o instrumento processual (se ação ordinária ou ação
tipicamente constitucional), não faz sentido e foi abandonada.
A despeito disso, o
STF afirmou que ele não irá julgar toda e qualquer ação ordinária contra atos
daqueles conselhos constitucionais.
A regra de
competência deve ser interpretada de acordo com os fins que justificaram a inclusão
dessa alínea “r” pela EC 45/2004.
A competência do
STF para julgar ações contra o CNJ e CNMP somente se justifica se o ato
praticado tiver um cunho finalístico, estando relacionado com os objetivos
precípuos que justificaram a criação dos conselhos, a fim de garantir uma proteção
institucional a eles.
A outorga da
atribuição ao Supremo para processar e julgar ações contra os Conselhos é
mecanismo constitucional delineado pelo legislador com o objetivo de proteger e
viabilizar a atuação desses órgãos de controle. A realização da missão
constitucional ficaria impossibilitada ou seriamente comprometida se os atos
por eles praticados estivessem sujeitos ao crivo de juízos de primeira
instância.
Não raramente, a
atuação do CNJ recai sobre questões locais delicadas e que mobilizam diversos
interesses. O distanciamento das instâncias de controle jurisdicional é
elemento essencial para o desempenho apropriado das funções. Ademais, o órgão
de controle atua em questões de abrangência nacional que demandam tratamento
uniforme e ação coordenada. Por essa razão, não poderiam ser adequadamente
enfrentadas por juízos difusos.
A submissão de atos
do CNJ à análise de órgãos jurisdicionais distintos do STF representaria a
subordinação da atividade da instância fiscalizadora aos órgãos e agentes
públicos por ele fiscalizados, o que subverte o sistema de controle proposto
constitucionalmente. Deve ser mantida a higidez do sistema e preservada a
hierarquia e a autoridade do órgão de controle.
Desse modo, compete
ao STF julgar todas as ações ajuizadas contra decisões do
Conselho CNJ e do CNMP (não importando se ações ordinárias ou writs
constitucionais), mas desde que proferidas no exercício de suas
competências constitucionais, o que está previsto nos arts. 103-B, § 4º,
e 130-A, § 2º, da CF/88.
Art. 106 do Regimento
Interno do CNJ é constitucional
O art. 106 do Regimento Interno do CNJ prevê o seguinte:
Art. 106. O CNJ determinará à
autoridade recalcitrante, sob as cominações do disposto no artigo anterior, o
imediato cumprimento de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro
juízo que não o Supremo Tribunal Federal.
Ex: o CNJ determinou a vacância
de determinada serventia registral (“cartório”) afirmando que o atual titular (registrado)
encontra-se indevidamente investido porque não foi aprovado em concurso. Na
linguagem popular, o CNJ determinou que o registrador “saia o cartório”. Esse
registrador ingressa com ação na Justiça Federal e obtém uma decisão provisória
por meio da qual ele pode continuar no cartório. Por força desse art. 106 do Regimento
Interno, o CNJ poderá ordenar que o registrador e o Tribunal de Justiça cumpram
imediatamente a sua decisão administrativa independentemente da decisão
proferida pelo Juiz Federal. Isso porque a decisão do CNJ somente poderia ser
revertida pelo STF, nos termos do art. 102, I, “r”, da CF/88.
Esse art. 106 do Regimento Interno
é válido?
SIM. A Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) propôs uma ADI contra esse dispositivo, mas o STF julgou
improcedente o pedido e afirmou é constitucional o art. 106 do Regimento
Interno do CNJ, na redação dada pela Emenda Regimental 1/2010.
Essa previsão regimental decorre
do exercício legítimo de poder normativo atribuído constitucionalmente ao CNJ,
que é o órgão formulador da política judiciária nacional.
A aludida norma nada mais faz do
que explicitar o alcance do art. 102, I, “r”, da CF/88, impedindo que decisões
proferidas ao arrepio das regras constitucionais de competência — portanto,
flagrantemente nulas — comprometam o bom desempenho das atribuições do CNJ.
Permitir que decisões administrativas do CNJ sejam afastadas liminarmente órgãos absolutamente incompetentes implicaria, indiretamente, a inviabilização do exercício de suas competências constitucionais.
O CNJ pode determinar à autoridade recalcitrante o cumprimento imediato de suas decisões, ainda que impugnadas perante a Justiça Federal de primeira instância, quando se tratar de hipótese de competência originária do STF.
STF. Plenário. ADI 4412/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 18/11/2020 (Info 1000).