A situação concreta, com adaptações,
foi a seguinte:
O Estado do Amapá possui débitos
com o INCRA e com o IBAMA, duas autarquias federais.
Em razão desses débitos, o Estado
foi inserido no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), no
Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CADIN) e no
Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CAUC).
Obs: esses cadastros são
instrumentos de consulta, por meio dos quais se pode verificar se os
Estados-membros ou Municípios estão com débitos ou outras pendências perante o
Governo federal. Se houver, por exemplo, um atraso do Estado ou do Município na
prestação de contas de um convênio com a União ou suas entidades, essa
informação passará a figurar nestes sistemas. Com isso, o ente devedor fica
impedido de contratar operações de crédito, celebrar convênios com órgãos e
entidades federais e receber transferências de recursos. Em uma alegoria para
que você entenda melhor (não escreva isso na prova!), seria como se fosse um
“Serasa” de débitos dos Estados e Municípios com a União, ou seja, um cadastro
federal de inadimplência.
Execuções fiscais
Tanto o INCRA como o IBAMA
ajuizaram execução fiscal para cobrar os débitos e o Estado expediu precatórios,
que, no entanto, ainda estão pendentes de pagamento.
Ação cível originária
O Estado do Amapá ajuizou ação
cível originária contra a União pedindo a exclusão do Estado dos cadastros no
SIAFI, CAUC e CADIN considerando que os débitos existentes com as autarquias já
estão em fase de precatório, razão pela qual não há mais motivo para se manter
as inscrições nos cadastros desabonadores de crédito.
Por que a competência para
julgar essa ação é do STF?
A ação que discute a inscrição de Estado-membro em cadastro
de inadimplência da União em sede de convênio implica conflito federativo, o
que atrai a competência do STF para julgamento da causa, nos termos do art.
102, I, “f”, da CF/88:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União
e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades
da administração indireta;
O Supremo Tribunal Federal é originariamente competente para
processar e julgar as causas que revelem potencial conflito federativo entre a
União e os Estados-membros (art. 102, I, ‘f’, da CRFB/88), como nos casos em
que se discute a inscrição destes nos cadastros federais de irregularidades ou
inadimplência.
2. A União é parte legítima para figurar no polo passivo das
ações em que Estado-membro impugne inscrição em cadastros federais de
inadimplentes e/ou de restrição de crédito.
STF. Plenário. ACO 2764 AgR, Relator p/ Acórdão Min. Luiz Fux,
julgado em 16/10/2017.
A União alegou inicialmente
que não teria legitimidade para figurar no polo passivo dessa ação tendo em
vista que os débitos são relacionados com autarquias federais que possuem
personalidade jurídica distinta. Esse argumento foi acolhido pelo STF?
NÃO.
A União possui legitimidade passiva para figurar na lide. Isso
porque não restam dúvidas de que os Sistemas SIAFI/CAUC/CADIN são organizados e
mantidos pela União, conforme suas leis de regência, do que decorre a legitimidade
desta para figurar no polo passivo.
A União é parte legítima para figurar no polo passivo
das ações em que Estado-membro impugna inscrição em cadastros federais
desabonadores e/ou de restrição de crédito.
STF. Plenário. ACO 3083, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em
24/08/2020 (Info 991 – clipping).
E quanto ao mérito, o STF
concordou com o pedido do Estado autor?
SIM.
É indevida a inscrição do Estado-membro nos cadastros
desabonadores em decorrência de pendências administrativas relativas a débitos
já submetidos a pagamento por precatório. Isso porque a CF/88 já previu que, em
caso de descumprimento do pagamento do precatório, existe a possibilidade de
intervenção federal no ente inadimplente. Logo, é incompatível com o postulado
da razoabilidade onerar duplamente o Estado-membro, tanto com a possibilidade
de intervenção federal quanto com a sua inscrição em cadastros desabonadores.
STF. Plenário. ACO 3083, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em
24/08/2020 (Info 991 – clipping).
O sistema de precatórios constitui mecanismo de pagamento cogente dos débitos judiciais pelos entes públicos, pautado em um cronograma rigoroso a ser seguido. Ou seja, uma vez inscrito na sistemática, o devedor, ente público, não tem como adiantar o pagamento para evitar a inscrição dos débitos, sob o risco de ferir a estrita ordem de cumprimento dos precatórios judiciais.