Imagine a seguinte situação
hipotética:
João cumpria pena, em regime fechado,
em um presídio.
Em 10/03/2010, ele conseguiu
fugir e ficou escondido na casa de um amigo.
Três meses depois da fuga, João juntou-se
a uma organização criminosa e eles foram praticar um roubo armada.
João atirou em uma das vítimas
que acabou morrendo.
Alguns dias depois, João foi encontrado
e preso, tendo retornado à unidade prisional.
Os familiares da vítima ajuizaram
ação de indenização por danos morais e materiais contra o Estado alegando que o
Poder Público também é responsável pelo evento tendo em vista que foi omisso e deixou
de exercer vigilância do preso que estava sob a sua custódia.
Requisitos da responsabilidade
civil do Estado
A responsabilidade civil das
pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público é objetiva e baseia-se na teoria do risco
administrativo.
Para a configuração do dever de
indenizar é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) ocorrência do dano;
b) ação ou omissão
administrativa;
c) existência de nexo causal
entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e
d) ausência de causa excludente
da responsabilidade estatal.
A responsabilidade civil do
Estado em caso de omissão também é objetiva?
SIM. A jurisprudência do STF tem
entendido que também é objetiva a responsabilidade civil decorrente de omissão,
seja das pessoas jurídicas de direito público, seja das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público. Nesse sentido:
No tocante ao art. 37, § 6º, da Carta Magna, o entendimento do
Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria encontra-se firmado no sentido
de que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público
respondem objetivamente por suas ações ou omissões em face de reparação de
danos materiais suportados por terceiros.
STF. 1ª Turma. ARE 1043232 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado
em 01/09/2017.
Responsabilidade objetiva
não é absoluta
O princípio da responsabilidade
objetiva não é absoluto.
Como se adota a teoria do risco administrativo,
o Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove alguma causa
excludente de responsabilidade:
a) caso fortuito ou força maior;
b) culpa exclusiva da vítima;
c) culpa exclusiva de terceiro.
Ausência de causalidade direta
Não há como se reconhecer nexo
causal entre uma suposta omissão genérica do Poder Público e o dano causado, e,
consequentemente, não é possível imputar responsabilidade objetiva ao Estado.
No caso concreto, devem ser analisados:
a) o intervalo entre fato
administrativo e o fato típico (critério cronológico); e
b) o surgimento de causas
supervenientes independentes (v.g., formação de quadrilha), que deram origem a
novo nexo causal, contribuíram para suprimir a relação de causa (evasão do apenado
do sistema penal) e efeito (fato criminoso).
Confira o seguinte julgado do STF
que, apesar de antigo, é emblemático:
A responsabilidade do Estado, embora
objetiva, não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de
causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado
a terceiros.
Em nosso sistema jurídico, a teoria
adotada quanto ao nexo de causalidade e a teoria do dano direto e imediato,
também denominada teoria da interrupção do nexo causal.
O dano decorrente do assalto por uma
quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário
da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da
fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto
ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.
STF. 1ª Turma. RE 130764, Rel. Moreira
Alves, julgado em 12/05/1992.
Em suma:
Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada.
STF. Plenário. RE 608880, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julgado em 08/09/2020 (Repercussão Geral – Tema 362) (Info 993).