terça-feira, 6 de outubro de 2020
É constitucional a regra do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91, que proíbe o titular da aposentadoria especial de continuar ou voltar a trabalhar com atividades que o exponham a agentes nocivos
Aposentadoria especial
Aposentadoria especial é aquela
cujos requisitos e critérios exigidos do beneficiário são mais favoráveis que
os estabelecidos normalmente para as demais pessoas.
Regra geral
A CF/88 estipula, como regra
geral, que é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a
concessão de benefícios da previdência social.
Em outras palavras, em regra, a
lei não pode estabelecer que determinados grupos de pessoas tenham condições
“mais fáceis” para se aposentar.
Exceções
A própria
CF/88 admite exceções a essa regra. Assim, de forma excepcional, o § 1º do art.
201 da CF/88 estabelece que LEI COMPLEMENTAR poderá prever idade e tempo de
contribuição distintos da regra geral para a concessão de aposentadoria
exclusivamente em favor dos segurados:
1) COM
DEFICIÊNCIA, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por
equipe multiprofissional e interdisciplinar |
Disciplinada pela LC 142/2013. |
2) cujas
atividades sejam exercidas com EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES químicos, físicos
e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a
caracterização por categoria profissional ou ocupação. |
Disciplinada pelos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91
que, quanto a este tema, possui status de
LC. |
O julgado ora comentado diz
respeito a essa segunda espécie de aposentadoria especial, ou seja, aquela
concedida às pessoas que desempenhem atividades com efetiva exposição a agentes
químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde.
A explicação será dividida em
duas partes:
I –
CONSTITUCIONALIDADE DA REGRA DO ART. 57, § 8º DA LEI 8.213/91
Aposentadoria é cancelada se o segurado volta a desempenhar atividades
com exposição a agentes nocivos
O indivíduo
que recebeu a aposentadoria especial e que, mesmo aposentado, continuou ou
voltou a trabalhar com atividades que o exponham a agentes químicos, físicos ou
biológicos prejudiciais à saúde, irá perder a aposentadoria. Isso está previsto
no art. 57, § 8º c/c o art. 46 da Lei nº 8.213/91:
Art. 57 (...)
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao
segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de
atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação
referida no art. 58 desta Lei.
Art. 46. O aposentado por invalidez que
retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente
cancelada, a partir da data do retorno.
Ex:
João trabalhou, de 2000 a 2015, em atividades permanentes no subsolo de
minerações subterrâneas. Segundo o Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, se o
segurado trabalhar durante 15 anos nessa atividade, ele terá direito a
aposentadoria especial. João requereu e passou a usufruir de sua merecida aposentadoria
especial.
Ocorre que o valor dos proventos não
era muito alto e seus gastos estavam cada vez maiores. Diante disso, ele
decidiu voltar a trabalhar para complementar a renda. E voltou para aquilo que
sabia fazer: trabalhar em atividades permanentes no subsolo de minerações
subterrâneas.
Depois de algum tempo, o INSS
descobriu isso e cancelou a aposentadoria de João.
Essa previsão é
constitucional ou viola a liberdade de trabalho?
O art. 57, §
8º da Lei nº 8.213/91 é constitucional.
É constitucional a vedação de continuidade da
percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em
atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que
ensejou a aposentação precoce ou não.
STF. Plenário. RE 791961, Rel. Dias Toffoli, julgado em 08/06/2020
(Repercussão Geral – Tema 709) (Info 987 – clipping).
Caráter protetivo
A aposentadoria especial foi
idealizada com o nítido caráter protetivo. Trata-se de um benefício
previdenciário concedido com o objetivo de preservar a saúde, o bem-estar e a
integridade do trabalhador submetido rotineiramente a condições de trabalho
insalubres, perigosas e/ou penosas.
Presunção absoluta de
incapacidade
Na aposentadoria especial, existe
uma presunção absoluta de incapacidade. A aposentação se dá de forma
precoce porque o legislador
presume que, em virtude da nocividade das atividades desempenhadas, o
trabalhador sofrerá um desgaste maior do que o normal de sua saúde.
Em outras palavras, o tempo para aposentadoria
é reduzido em relação às outras categorias porque como a natureza do serviço
executado é muito desgastante, entendeu-se por bem que o exercente de atividade
especial deva laborar por menos tempo. É uma forma de compensá-lo e, sobretudo,
de protegê-lo.
Objetivo do tempo de
aposentadoria mais curto é afastar o trabalhador do ambiente insalubre
O trabalhador recebe a
aposentadoria antecipada com o objetivo de retirá-lo do ambiente insalubre e
prejudicial a sua incolumidade física, a fim de que não tenha sua saúde
prejudicada.
Diante disso, qual seria o
sentido de se permitir que o indivíduo receba a aposentadoria especial, mas
continue a desempenhar atividade nociva? Como se nota, sob essa óptica, a
previsão do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, é absolutamente razoável e
consentânea com a vontade do legislador.
Desse modo, permitir o retorno do
trabalhador ao labor especial é algo flagrantemente contrário à ideia que
inspirou a instituição do benefício.
Declarar a
inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 levaria a uma
violação do princípio da isonomia
Declarar a inconstitucionalidade
do dispositivo questionado para permitir a volta ou a continuação na atividade
nociva implica violar o princípio da isonomia e criar odiosa forma de
tratamento desigual entre os cidadãos.
O trabalhador que desempenha atividade
especial possui a vantagem de se aposentar bem mais cedo que os demais e está
dispensado do fator previdenciário.
Esse tratamento diferenciado
somente se justifica pela razão de ser da aposentadoria especial: a necessidade
de proteger a saúde do indivíduo e afastá-lo desse trabalho prejudicial.
Ocorre que, se o beneficiário, depois
de conseguir obter esse benefício, em vez de se afastar da atividade, continuar
nela, teremos então um privilégio odioso.
Dito em outras palavras, a aposentação
é oportunizada em condições mais vantajosas, mas, em contrapartida, espera-se o
afastamento do beneficiário do labor especial.
Não se trata de uma
proibição absoluta de trabalhar
Vale ressaltar outro ponto
importante: a pessoa que se aposenta na modalidade especial não fica impedida
de trabalhar em outras atividades. Caso necessite complementar sua renda, ela
poderá desempenhar outras atividades, desde que não sejam aquelas que causem
danos excessivos à sua saúde e que são tratadas no art. 58 da Lei nº 8.213/91.
Desse modo, o § 8º do art. 57 não
traz uma proibição total ao trabalho após a obtenção da aposentadoria especial.
O aposentado é absolutamente livre para laborar no que desejar, sendo colocados
obstáculos apenas no que tange aos serviços tidos como prejudiciais à saúde
cujo desempenho justamente ensejou sua aposentação antecipada.
Além disso, mesmo em relação ao
labor especial, não há propriamente proibição, mas sim a colocação de uma
escolha ao trabalhador: se ele optar por persistir na atividade, terá seu
benefício suspenso.
II – TERMO
INICIAL DA APOSENTADORIA NA HIPÓTESE EM QUE O SEGURADO SOLICITAR A O BENEFÍCIO E
CONTINUAR A EXERCER O LABOR ESPECIAL
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 06/10/2006, Regina protocolizou
requerimento administrativo no INSS pedindo a concessão de aposentadoria
especial alegando que trabalhou durante 25 anos sujeita a condições especiais.
A requerente juntou uma série de documentos atestando o
trabalho prestado.
Vale ressaltar que, mesmo depois
de solicitar a aposentadoria, Regina continuou exercendo o labor especial, ou
seja, continuou trabalhando exposta aos agentes nocivos.
O INSS indeferiu o pedido.
Regina continuou trabalhando e
ajuizou ação contra o INSS no Juizado Especial Federal pedindo a concessão da
aposentadoria.
Em 08/11/2008, o juiz jugou o
pedido procedente, condenando a autarquia a conceder a aposentadoria especial.
Na sentença, o magistrado afirmou que, na data do requerimento administrativo
(DER), a autora já havia preenchido os requisitos necessários. Logo, o juiz
fixou a data de início do benefício (DIB) na DER, ou seja, em 06/10/2006.
A importância disso está,
principalmente, no pagamento das parcelas atrasadas. Como o magistrado fixou a
DIB em 06/10/2006, a segurada terá direito de receber todas as parcelas mensais
da aposentadoria de forma retroativa a essa data.
Recurso do INSS
O INSS recorreu unicamente contra
a DIB fixada.
No recurso, a autarquia alegou a
seguinte tese: o § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 proíbe que o segurado
receba aposentadoria especial e continue trabalhando na atividade especial;
logo, não se pode dizer que o benefício se iniciou na DER (06/10/2006) já que a
segurada continuou trabalhando até 08/11/2008.
O pedido do INSS foi, portanto,
para que se fixe como momento de início do benefício não a data de entrada do
requerimento, mas sim o dia em que a autora efetivamente se afastou da
atividade especial.
Essa tese do INSS foi
aceita pelo STF?
NÃO.
Nas hipóteses em que o segurado
solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de
início do benefício será a data de entrada do requerimento. Essa data deverá
ser considerada inclusive para os efeitos financeiros (recebimento dos
retroativos).
A situação se
amolda ao art. 57, § 2º c/c art. 49, I, “b”, da Lei nº 8.213/91, que
disciplinam a data de início da aposentadoria especial:
Art. 57 (...)
§ 2º A data de início do benefício será
fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no
art. 49.
Art. 49. A aposentadoria por idade será
devida:
I - ao segurado empregado, inclusive o
doméstico, a partir:
a) da data do desligamento do emprego,
quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou
b) da data do requerimento, quando não
houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na
alínea "a";
II - para os demais segurados, da data
da entrada do requerimento.
Além disso, conforme
bem explica o Min. Dias Toffoli:
“(...) não me
parece que, ocorrendo o reconhecimento do direito à aposentadoria especial ao
trabalhador que não se afastou daquela atividade nociva, a DIB deva ser fixada
na data do afastamento do labor e não na data do requerimento. Isso porque,
julgada procedente a ação, subentende-se que a resistência da autarquia era,
desde o requerimento, injustificada. Dito de outro modo, o postulante
efetivamente fazia jus ao benefício desde o requerimento administrativo. Deverá
ele ser penalizado por uma resistência imotivada do INSS, sobretudo quando
sabidamente os processos administrativo e judicial alongam-se por tempo
demasiado? Não é razoável
exigir o afastamento do trabalho logo quando da postulação, pois entre essa e o
eventual deferimento decorre um tempo durante o qual o indivíduo evidentemente
necessita continuar a obter renda para seu sustento, sendo incerto, ademais,
nesse primeiro momento, inclusive, o deferimento da aposentação.
Quando, ao
final do processo, o segurado tem seu direito à aposentadoria reconhecido e
fica evidenciada a falta de fundamento para a resistência do INSS desde a
entrada do requerimento, o segurado deve ser penalizado com a postergação da
data de início do benefício para o momento em que ele se afastar da atividade?”
Vale ressaltar,
no entanto, que, depois de implementado o benefício, o segurado deverá parar de
desempenhar o labor especial por causa da regra do § 8º do art. 57:
Art. 57 (...)
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao
segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de
atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação
referida no art. 58 desta Lei.
Art. 46. O aposentado por invalidez que
retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente
cancelada, a partir da data do retorno.
Assim, se ele continuar
trabalhando, a aposentadoria especial será cessada.
Logo, em nosso exemplo, depois que a aposentadoria foi concedida para Regina, ela deverá parar de desempenhar o trabalho especial.
A tese fixada pelo STF ficou
assim redigida:
Nas hipóteses em que o segurado solicitar a
aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício
será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os
efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na
judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o
retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.
STF. Plenário. RE 791961, Rel. Dias Toffoli, julgado em 08/06/2020
(Repercussão Geral – Tema 709) (Info 987 – clipping).