Dizer o Direito

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Informativo de Jurisprudência do CNJ


O Conselho Nacional de Justiça desenvolveu mais uma excelente iniciativa e agora publica os seus informativos de jurisprudência.

O informativo traz um resumo dos principais julgamentos do CNJ.

Trata-se de uma excelente fonte de informação para magistrados, servidores do Poder Judiciário e demais operadores do Direito.

Clique na imagem abaixo para conferir a edição 3 do Informativo CNJ.




terça-feira, 27 de outubro de 2020

INFORMATIVO Comentado 989 STF

 


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 989 STF.

Bons estudos.

RETIFICAÇÃO 
Corrigido para constar que as hipóteses de suspeição também são taxativas, segundo o entendimento do STJ.


 

ÍNDICE DO INFORMATIVO 989 DO STF

 

Direito Constitucional

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

As hipóteses de impedimento e suspeição restringem-se aos processos subjetivos; logo, não se aplicam, ordinariamente, ao processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.

 

COMPETÊNCIAS

Os entes federativos podem decretar a requisição administrativa de bens e serviços para enfrentar a Covid-19 sem necessidade de autorização do Ministério da Saúde.

 

ADVOCACIA PÚBLICA

É incompatível com a Constituição Federal o entendimento de que o Governador do Estado deve autorizar a propositura de ação de improbidade pela Procuradoria.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA

STF determina que Justiça Eleitoral de 1ª instância apure crime eleitoral e também crime federal conexos; ao receber os autos, Justiça Eleitoral arquiva a investigação do crime eleitoral e remete os autos à Justiça Federal; isso afronta a decisão do STF.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

COFINS

É constitucional a Lei 10.833/2003 (fruto da conversão da MP 135/2003), na parte que instituiu a cobrança não-cumulatividade da COFINS.





 



 


INFORMATIVO Comentado 989 STF - Versão Resumida


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 989 STF - Versão Resumida.

Bons estudos.



 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A OAB não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal

Assistente de acusação

O titular e, portanto, autor da ação penal pública, é o Ministério Público (art. 129, I, CF/88).

Contudo, a vítima do crime poderá pedir para intervir no processo penal a fim de auxiliar o Ministério Público. A essa figura dá-se o nome de “assistente de acusação”.

O assistente também é chamado de “parte contingente”, “adesiva” ou “adjunta”.

O assistente é considerado a única parte desnecessária e eventual do processo.

Obs.: somente existe assistente da acusação no caso de ação penal pública.

 

Segundo o art. 268 do CPP, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido (pessoalmente ou por meio de seu representante legal, caso seja incapaz).

Caso a vítima tenha morrido, poderá intervir como assistente:

• o cônjuge;

• o companheiro;

• o ascendente;

• o descendente ou

• o irmão do ofendido.

 

Assistente de defesa

Assim como existe o assistente de acusação, diversos doutrinadores sustentam a ideia de que seria possível falarmos em assistência de defesa (ou assistente da defesa).

No caso do assistente de acusação existe previsão expressa no CPP.

Por outro lado, o CPP não fala nada sobre assistente de defesa.

Alguns autores afirmam que o art. 72 da Lei dos Juizados Especiais teria admitido, ainda que de forma tímida, a intervenção do responsável civil pelos danos como assistente de defesa. Assim, se a infração de menor potencial ofensivo foi cometida por determinada pessoa, no entanto, outro indivíduo é que será o responsável pelo pagamento da indenização caso haja condenação, então, neste caso, esse responsável civil poderia intervir no processo como assistente de defesa. Veja a explicação de Renato Brasileiro:

“A lei processual penal pátria não faz referência à figura do assistente da defesa. No entanto, a despeito do silêncio do legislador, considerando que a Lei dos Juizados, ao se referir à audiência preliminar, faz menção ao comparecimento do autor do fato delituoso, da vítima e do responsável civil pelos danos causados, todos acompanhados por advogado (Lei nº 9.099/95, art. 72), há quem entenda que esse responsável civil figura como verdadeiro assistente da defesa. Isso porque, considerando que a reparação do dano nas infrações de menor potencial ofensivo acarreta renúncia ao direito de queixa ou de representação, com a consequente extinção da punibilidade se se tratar de crime de ação penal privada ou pública condicionada à representação, é evidente o interesse do responsável civil em auxiliar o autor do fato na imediata composição civil dos danos, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1362-1363).

 

Guilherme de Souza Nucci menciona que existe previsão legal expressa de que a OAB atue como assistente de defesa, no caso do art. 49, parágrafo único da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia):

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

 

Confira os comentários de Nucci a respeito dessa previsão:

“O dispositivo deve ser adaptado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB atue como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como réu, cuja demanda desperte o interesse de toda a classe dos advogados. Entretanto, é preciso salientar que a Lei 8.906/94 autoriza, expressamente, a assistência, também, do advogado que seja réu ou querelado, pois se refere à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados (nítida hipótese criminal), acusados ou ofendidos (em igual prisma) os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Dessa forma, nos moldes propostos pelo Código de Processo Civil, aplicado por analogia neste caso de lacuna do Processo Penal, a OAB pode atuar como assistente da defesa, quando possui interesse de que a sentença seja favorável ao réu-advogado, nos termos do art. 119 do CPC/2015: ‘pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la’.” (Código de Processo Penal comentado. 19ª ed., 2020, p. 1027)

 

O STJ admite a figura do assistente de defesa?

NÃO. O STJ afirma que não existe a figura do assistente de defesa no processo penal nem mesmo na hipótese do art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94. Nesse sentido:

No sistema do Código de Processo Penal, não há a figura do assistente como parte autônoma, que poderia livremente dirigir sua atuação em amparo a qualquer uma das partes litigantes. A assistência é apenas da acusação, inexistindo assistente da defesa.

STJ. 6ª Turma. RMS 32.235/PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/03/2014.

 

Veja abaixo um caso concreto envolvendo pedido da OAB para intervir como assistente de defesa:

João, advogado, foi denunciado pelo Ministério Público, acusado de estelionato (art. 171, caput, do CP).

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Minas Gerais pediu a sua intervenção no processo penal como assistente da defesa do réu.

Vale ressaltar que, no caso concreto, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu é advogado inscrito em seus quadros. Em outras palavras, a OAB pediu a intervenção pelo simples fato de o acusado ser advogado.

A OAB afirmou que seu pedido encontra fundamento legal no art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

O juiz e o TJ/MG negaram o pleito e a questão chegou até o STJ.

 

O STJ concordou com o pedido de intervenção feita pela OAB?

NÃO.

A previsão contida no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, deve ser interpretada em congruência com as normas processuais penais e o CPP não contempla a figura do assistente de defesa.

A legitimidade prevista no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB somente se verifica em situações que afetem interesses ou prerrogativas da categoria dos advogados, não autorizando a intervenção dos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB, como assistentes da defesa, pela mera condição de advogado do acusado.

A qualidade de advogado ostentada por qualquer das partes, por si só, não legitima a Ordem dos Advogados do Brasil à assistência, devendo prevalecer, no pedido de ingresso em ação penal como assistente da defesa, o disposto no Código de Processo Penal.

No caso concreto, conforme já explicado, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu na ação penal é advogado inscrito em seus quadros. Isso não é motivo idôneo.

Ressalte-se que mesmo na seara civil e administrativa, o STJ tem exigido a demonstração do interesse jurídico na intervenção de terceiros, que somente se identifica, no caso da OAB, quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das “disposições ou fins” do Estatuto da Advocacia, conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da Lei nº 8.906/94.

 

Em suma:

A Ordem dos Advogados do Brasil não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal. Isso porque, no processo penal, a assistência é apenas da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa.

STJ. 5ª Turma. RMS 63.393-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/06/2020 (Info 675).

 

No mesmo sentido:

Carece de legitimidade o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para atuar na assistência, pois essa figura se dá no processo penal apenas ao lado da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa.

STJ. 6ª Turma. REsp 1815460/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 23/06/2020.


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O juiz não pode, de ofício, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva

 

Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto de prisão em flagrante, poderia, de ofício, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. A conclusão era baseada na redação do art. 310, II, do CPP:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

(...)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

 

Nesse sentido:

Jurisprudência em Teses (Ed. 120)

Tese 10) Não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP.

 

Ocorre que a Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio. Veja:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art. 282. (...)

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Art. 282. (...)

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Conclusões:

Antes da Lei nº 13.964/2019, o juiz podia conceder medidas cautelares de ofício?

Com base na redação anterior do art. 282, § 2º do CPP, a posição majoritária era a seguinte:

• Na fase do inquérito policial: NÃO. Aqui era necessário pedido ou requerimento. Exceção: conversão do flagrante em prisão preventiva.

• Na fase judicial: SIM. O § 2º do art. 282 afirmava isso expressamente.

 

Após a Lei nº 13.964/2019, o juiz pode conceder medidas cautelares de ofício?

NÃO. A Lei alterou a redação do § 2º do art. 282 do CPP e acabou com a possibilidade.

 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Conclusão: foi excluída expressamente a possibilidade que existia antes de que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício (sem requerimento).

 

E o art. 310 do CPP, foi alterado pelo Pacote Anticrime?

Apenas o caput, para deixar clara a indispensabilidade da realização da audiência de custódia. Confira:

 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

(...)

 

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

(...)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Conclusão: o caput do art. 310 foi alterado para incluir, no texto do CPP, a obrigatoriedade da audiência de custódia. O inciso II não foi modificado.

 

Depois das alterações promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece a possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em prisão preventiva?

A maioria da doutrina que comentou o Pacote respondeu que não.

Para a doutrina majoritária, esse entendimento estaria superado com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que teria proibido qualquer prisão decretada de ofício pelo magistrado. Veja:

“De acordo com a nova redação do art. 310, II, do CPP, verificada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para tanto, é indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1052).

 

E a jurisprudência?

Também segue no mesmo caminho:

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial.

A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.

STJ. 5ª Turma. HC 590039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020.

STF. 2ª Turma. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06/10/2020.

  


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Regramento da repetição do indébito no Código Civil e no CDC

REGRAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CÓDIGO CIVIL

Imagine a seguinte situação:

João ajuizou ação de cobrança contra Pedro por um suposto débito de R$ 10 mil.

Pedro contestou a demanda provando que já havia pagado a dívida. Além disso, na própria contestação, o réu pediu que o autor fosse condenado a pagar R$ 20 mil a ele em razão de estar cobrando uma dívida já quitada.

 

Sob o ponto de vista do direito material, esse pedido de Pedro encontra amparo na legislação?

SIM. Há previsão expressa no Código Civil:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

 

Obs1: essa penalidade do art. 940 deve ser aplicada independentemente de a pessoa demandada ter provado qualquer tipo de prejuízo. Assim, ainda que Pedro não comprove ter sofrido dano, essa indenização será devida. O art. 940 do CC institui uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de prova do dano (STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.704/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 28/10/2013).

 

Obs2: a penalidade do art. 940 exige que o credor tenha exigido judicialmente a dívida já paga (“demandar” = “exigir em juízo”).

 

Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção, ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação?

O pedido pode ser feito por meio de contestação:

A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção.

STJ. 2ª Seção. REsp 1111270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).

 

Sempre que houver cobrança de dívida já paga, haverá a condenação do autor à penalidade do art. 940 do CC?

Não, nem sempre.

Segundo o STJ, são exigidos dois requisitos para a aplicação do art. 940:

a) a cobrança se dá por meio judicial; e

b) a má-fé do demandante fica comprovada.

Essa exigência da má-fé é antiga e vem desde o CC-1916, onde esta penalidade encontrava-se prevista no art. 1.531. Veja o que o STF já havia decidido naquela época:

Súmula 159-STF: Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (atual art. 940).

 

þ (PGM Manaus 2018 CEBRASPE) De acordo com a jurisprudência do STJ e as disposições do Código Civil, uma vez ajuizada ação de cobrança de dívida já paga, o direito do requerido à restituição em dobro prescindirá da demonstração de má-fé do autor da cobrança. (errado)

 

Se João tivesse desistido da ação de cobrança antes de Pedro apresentar contestação, isso o eximiria do pagamento da penalidade do art. 940 do CC?

SIM. O CC prevê que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide:

Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

 

REGRAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CDC

Previsão legal

O Código de Defesa do Consumidor possui uma regra semelhante ao art. 940 do CC, mas que apresenta peculiaridades. Assim, se o consumidor for cobrado em quantia indevida e efetuar o pagamento, terá direito de receber valor igual ao dobro do que pagou em excesso. Veja:

Art. 42 (...) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

 

Obs: esse valor deve ser acrescido de juros e correção monetária. Nesse sentido:

þ (MPE/SC 2019) O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (certo)

 

Dobro do que pagou em excesso (e não dobro do que foi cobrado em excesso)

ý (MP/TO 2012 CESPE) Segundo o direito consumerista brasileiro, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que lhe tiver sido cobrado em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (errado)

 

Requisitos para aplicar essa penalidade do CDC:

a) Consumidor ter sido cobrado por quantia indevida;

b) Consumidor ter pagado essa quantia indevida (o CDC exige que a pessoa tenha efetivamente pago e não apenas que tenha sido cobrada);

c) Não ocorrência de engano justificável por parte do cobrador.

 

Engano justificável

• Exemplo de engano justificável: cobrança com base em lei ou cláusula contratual mais tarde declarada nula pela Justiça.

• Exemplo de engano injustificável: concessionária de água e esgoto que cobra taxa de esgoto em local onde o serviço não é prestado.

 

Vale ressaltar que o ônus de provar que houve engano justificável é do fornecedor:

þ (Juiz TJPR 2014): Segundo o contido no art. 42, parágrafo único do CDC, o consumidor cobrado por quantia indevida, tem direito a repetição do indébito do valor em dobro ao que pagou em excesso, porém, se o engano para tal cobrança for justificável não cabe a repetição em dobro. A prova de que o engano é justificável cabe ao fornecedor, haja vista que a matéria é de defesa. (certo)

 

Devolução simples

Se tiver havido engano justificável por parte do cobrador, este continuará com a obrigação de devolver as quantias recebidas indevidamente, no entanto, essa devolução será simples (ou seja, não será em dobro).

 

Para incidir a regra do art. 42, parágrafo único, do CDC exige-se má-fé do fornecedor (“cobrador”)? Exige-se a demonstração de que o fornecedor tinha a intenção (vontade) de cobrar um valor indevido do consumidor?

Esse era um ponto polêmico no STJ.  

Prevalece atualmente que NÃO.

Não se exige a demonstração de má-fé, ou seja, da intenção do fornecedor de cobrar um valor indevido. Não é necessário se perquirir qualquer elemento volitivo por parte do fornecedor.

Basta que o fornecedor tenha agido de forma contrária à boa-fé objetiva.

 

O STJ fixou a seguinte tese em embargos de divergência:

A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.

STJ. Corte Especial. EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020.

 

Está superada a Tese 7 do Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 39):

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 39)

Tese 7: A devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor.

 

 

DISCUSSÃO QUANTO À APLICAÇÃO DO REGRAMENTO DO CÓDIGO CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de reparação de danos contra o Banco HSBC. O autor alegou que o Banco lhe cobrou, em juízo, uma dívida que já estava paga. Como a dívida paga era no valor de R$ 50 mil, o autor pedia para que o Banco fosse condenado a pagar R$ 100 mil, ou seja, o dobro do que havia cobrado.

João fundamentou seu pleito no art. 940 do CC:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

 

Contestação

O Banco apresentou contestação alegando o seguinte:

- realmente, ajuizei ação cobrando de João dívida que ele já tinha pagado;

- no entanto, nesta ação proposta, João não chegou a pagar nada porque o magistrado julgou improcedente o pedido;

- diante disso, como o consumidor não pagou essa quantia indevida, não pode ser aplicado o parágrafo único do art. 42 do CDC:

Art. 42 (...) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

 

- além disso, não é possível aplicar o art. 940 do CC porque estamos diante de uma relação de consumo, devendo, portanto, incidir o diploma especial, qual seja, o CDC.

 

A discussão jurídica foi, portanto, a seguinte: é possível aplicar a sanção do art. 940 do Código Civil neste caso, mesmo se tratando de uma relação de consumo?

SIM. Mesmo diante de uma relação de consumo, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do CC.

O art. 940 do CC e o art. 42 do CDC incidem em hipóteses diferentes, tutelando, cada um deles, uma situação específica envolvendo a cobrança de dívidas pelos credores. Veja as principais diferenças:

ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL

ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC

Requisitos:

a) A pessoa (consumidora ou não) foi cobrada, por meio de processo judicial, por dívida já paga;

b) O autor da cobrança agiu de má-fé (súmula 159 STF).

Requisitos:

a) Consumidor foi cobrado por quantia indevida;

b) Consumidor pagou essa quantia indevida;

c) Não houve um engano justificável por parte do autor da cobrança.

A cobrança foi feita na via judicial.

A cobrança foi feita na via extrajudicial.

Exige má-fé do autor da cobrança.

Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 940.

A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.

Não se exige que a pessoa cobrada tenha pagado efetivamente a quantia.

Para incidir o dispositivo basta que a pessoa seja acionada na justiça por dívida já paga.

Não basta a simples cobrança indevida.

Exige-se que o consumidor tenha pagado efetivamente o valor indevido.

 

Desse modo, se o consumidor foi cobrado indevidamente, mas não estão presentes os pressupostos de aplicação do art. 42 do CDC, ainda assim será possível incidir o art. 940 do CC, se os requisitos deste dispositivo estiverem demonstrados.

Como explica o Min. Herman Benjamin:

“(...) A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o munus do juiz a presidi-las. Daí que, em sendo proposta ação visando à cobrança do devido, mesmo que se trata de dívida de consumo, não mais é aplicável o citado dispositivo, mas, sim, não custa repetir, o Código Civil. No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina do Judiciário injustificadamente.

Não é esse o caso do Código de Defesa do Consumidor. Usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, quantia indevida.

O Código de Defesa do Consumidor, preventivo por excelência, enxerga o problema em estágio anterior ao tratado pelo Código Civil. E não poderia ser de modo diverso, pois, se o parágrafo único do art. 42 do CDC tivesse aplicação restrita às mesmas hipóteses fáticas do art. 940 do CC, faltar-lhe-ia utilidade prática, no sentido de aperfeiçoar a proteção do consumidor contra cobranças irregulares, a própria ratio que levou, em última instância, à intervenção do legislador” (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 330).

 

Para os casos envolvendo consumidores, a aplicação do CDC é prioritária. Isso porque se presume que este diploma trata o consumidor de forma mais protetiva.

Vale ressaltar, contudo, se, no caso concreto, for mais favorável ao consumidor aplicar o Código Civil, esta solução deverá ser adotada.

Assim, admite-se a aplicação do CC, no que couber, quando a regra não contrariar o sistema estabelecido pelo CDC, sobretudo quando as normas forem complementares, como neste caso, pois os arts. 42, parágrafo único, do CDC e 940 do CC preveem sanções para condutas distintas dos credores.

 

Em suma:

Em caso de cobrança judicial indevida, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do Código Civil mesmo sendo uma relação de consumo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.589-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

 

 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

É possível receber o benefício por incapacidade, concedido judicialmente, mesmo que o período coincida com àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 04/04/2014, João foi até uma agência do INSS e requereu a sua aposentadoria por invalidez.

O pedido foi indeferido (negado) administrativamente porque o perito do INSS entendeu que o segurado não estaria incapaz.

Diante disso, João ajuizou ação contra a autarquia pedindo a concessão do benefício.

Ocorre que João precisava se sustentar e, assim, mesmo com muitas dores ele se sacrificou e continuou trabalhando como empregado de um supermercado enquanto aguardava o julgamento do processo.

Na Justiça, foi realizada perícia e o médico concluiu de forma diferente do que havia dito o perito do INSS: João possui realmente incapacidade total e permanente.

Em 05/05/2015, o juiz julgou o pedido procedente, condenando o INSS a:

a) implementar a aposentadoria por invalidez em favor do segurado;

b) pagar as prestações retroativas da aposentadoria desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER). Em outras palavras, condenou a autarquia a pagar os meses de aposentadoria por invalidez desde 04/04/2014.

 

Recurso do INSS

O INSS recorreu contra a sentença questionando unicamente o pagamento das prestações retroativas.

A autarquia argumentou o seguinte:

- no período de 04/04/2014 (DER) até 05/05/2015 (concessão judicial da aposentadoria por invalidez), o segurado continuou trabalhando;

- ocorre que a Lei nº 8.213/91 proíbe que o segurado receba benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) de forma concomitante com salário. Os dispositivos invocados da Lei foram os seguintes:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

 

Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.

 

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

 

- desse modo, o INSS argumentou que, com no período 04/04/2014 a 05/05/2015, o segurado ainda estava trabalhando e recebeu salário, ele não tem direito às parcelas de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez relativas a esse interregno. O juiz deveria ter feito esse desconto;

- as parcelas do benefício deveriam ser pagas somente a partir da data em que ele deixou de trabalhar.

 

A tese do INSS foi acolhida pelo STJ?

NÃO.

O segurado que, considerado incapaz em termos previdenciários, tem que trabalhar para manter seu sustento enquanto aguarda a definição sobre a concessão do benefício por incapacidade, não pode ser penalizado com o não recebimento do benefício nesse período.

Vamos entender com calma.

 

Segurado que recebe benefício por incapacidade, em regra, não pode trabalhar; essa premissa está correta

O auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez possuem uma função substitutiva da renda auferida pelo segurado. Em outras palavras, eles existem para substituir a remuneração do trabalhador. Como ele não tem condições de trabalhar, receberá um benefício previdenciário no lugar.

O pressuposto para a concessão do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez é a incapacidade do segurado. Dito de outro modo, esses benefícios só são concedidos porque se está considerando que o segurado não tem condições de trabalhar. No auxílio-doença essa incapacidade é temporária. Na aposentadoria por invalidez, é uma incapacidade permanente.

Ora, se o segurado está incapacitado e, por isso, a Previdência concede a ele o benefício, não é correto que ele volte a trabalhar depois de já estar recebendo o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez. Se fizer isso, ou seja, se voltar a trabalhar, isso significa que está apto e, portanto, o benefício é automaticamente cancelado, conforme determina o art. 46 e o art. 60, §§ 6º e 7º da Lei nº 8.213/91:

Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.

 

Art. 60 (...)

§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade.

§ 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas.

 

Situação é diferente se o segurado requereu administrativamente o benefício e lhe foi negado: ele é obrigado a trabalhar enquanto aguarda o desfecho na via judicial

No caso de João, a situação é diferente da proibição legal:

• João requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial;

• A lei trata da situação em que o benefício é concedido, o segurado já está recebendo um benefício que substitui sua antiga fonte de renda e, mesmo assim, ele resolve voltar a trabalhar.

 

No caso de João houve uma falha na função substitutiva da renda, considerando que o benefício por incapacidade foi negado.

O segurado estava incapacidade e, mesmo assim, por falha administrativa do INSS, não lhe foi garantido o sustento. Logo, não é exigível que o segurado fique sem qualquer fonte de renda enquanto aguarda o resultado do processo judicial.

Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurando teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas. Isso é chamado pela doutrina e jurisprudência de “sobre-esforço”.

 

Vedação ao enriquecimento sem causa

A tese defendida pelo INSS ofende o princípio da vedação do enriquecimento sem causa.

Isso porque, por culpa da autarquia (indeferimento equivocado do benefício), o segurado foi privado do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. O INSS, mesmo assim, deseja economizar esse período em que já deveria estar pagando o benefício.

É indevido o desconto, em benefícios por incapacidade, de período no qual houve exercício de atividade remunerada, ou recolhimento de contribuições, no curso de demanda judicial contra o indeferimento administrativo, sob pena de prestigiar o enriquecimento da autarquia, que deu causa à lide.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 9/5/2019.

 

Segurado está de boa-fé

O segurado que trabalha enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está atuando de boa-fé. Enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.

O STJ fixou a seguinte tese sobre o tema:

No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.788.700-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/06/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1013) (Info 675).

 

Esse era o entendimento que já prevalecia tanto no STJ como na TNU:

Súmula 72-TNU: É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou.

 

Por favor, peço novamente para que não confunda:

a) o segurado está recebendo benefício por incapacidade regularmente e passa a exercer atividade remunerada incompatível com sua incapacidade: o benefício é automaticamente cancelado. Segurado não tem direito.

b) o segurado requereu o benefício e foi negado. Ele ingressa com pedido judicial. Enquanto aguarda o desfecho do processo ele continua ou retorna ao trabalho: caso a sentença judicial seja favorável, ele terá direito ao pagamento retroativo do benefício mesmo que seja concomitante com o período trabalhado. Segurado não violou a lei, não podendo ser penalizado com o não recebimento do benefício nesse período.

Última dica: fique atento com a expressão “sobre-esforço”.


 

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