Dizer o Direito

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Não é necessária a realização de PAD para aplicação de falta grave, desde que haja audiência de justificação realizada com a participação da defesa e do MP



Disciplina
O condenado que está cumprindo pena, bem como o preso provisório, possuem o dever de obedecer determinadas normas disciplinares. A LEP trata sobre o tema nos arts. 44 a 60.

Faltas disciplinares
Caso o indivíduo descumpra alguma das normas de disciplina impostas, dizemos que ele praticou uma falta disciplinar. As faltas disciplinares classificam-se em: leves, médias e graves.

Onde estão previstas as faltas disciplinares?
• Faltas leves e médias: são definidas pela legislação local (estadual), que deverá prever ainda as punições aplicáveis.
• Faltas graves: estão previstas nos arts. 50 a 52 da LEP. Vale lembrar que a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente, conforme determina o art. 24, I, da CF/88.

Sanções disciplinares
Se ficar realmente comprovado que o reeducando praticou uma falta, ele receberá uma sanção disciplinar. Como vimos, no caso de faltas leves e médias, as sanções disciplinares devem ser definidas pela lei estadual. Na hipótese de faltas graves, a própria LEP é quem as prevê.

Para que seja aplicada a sanção disciplinar, é imprescindível a prévia realização de processo administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa?
O STJ entendia que sim. O Tribunal editou até um enunciado sobre o tema:
Súmula 533-STJ: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.
Aprovada em 10/06/2015, DJe 15/06/2015.

Tese levantada pelo MP
Ocorre que o Ministério Público não se conformou com essa posição e recorreu ao STF alegando que, se o apenado é ouvido em audiência judicial na qual ele tem a possibilidade de se defender (“justificar”) da alegação de que cometeu falta grave, essa audiência já supre a necessidade de processo administrativo disciplinar. Isso porque não haveria, neste caso, prejuízo.

O STF concordou com o argumento do MP?
SIM.
O STF tem entendido que a oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre a eventual ausência ou a insuficiência de defesa técnica no PAD.
Se a audiência de justificação foi realizada, conseguiu-se alcançar, por outro meio, a finalidade essencial que era pretendida no procedimento administrativo disciplinar. Logo, não há que se falar em inobservância dos preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF/88).
O procedimento judicial conta com mais e maiores garantias que o procedimento administrativo. Esta é a razão pela qual a decisão administrativa sempre pode ser revista judicialmente, prevalecendo, sempre, a decisão judicial sobre a administrativa. É o chamado “sistema de jurisdição una”.

E essa audiência de justificação é realizada com frequência? Qual é a base legal para isso?
SIM. A prática de falta grave acarreta a regressão de regime (salvo se ele já estiver no regime fechado). Para o apenado regredir, a LEP exige a realização da audiência de justificação, nos termos do art. 118, § 2º:
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
(...)
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

Mas o art. 59 da LEP fala que deve ser realizado procedimento administrativo disciplinar...
Veja o estabelece o art. 59:
Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.

O art. 59 da LEP, ao exigir a instauração de um processo administrativo disciplinar, pretendeu impedir que houvesse a imposição arbitrária de sanções pela autoridade administrativa, sem que fosse assegurado o contraditório e a ampla defesa. No entanto, esse dispositivo não impede que a apuração da falta grave ocorra em juízo, com a observância dessas garantias. Assim, a realização da audiência de justificação supre a exigência do art. 59.

Na audiência de justificação, o apenado só irá dar sua versão dos fatos ou ele poderá produzir outras provas?
Poderá produzir provas.
Na audiência de justificação, não há impedimento de que o apenado junte documentos e arrole testemunhas, exercendo assim de forma plena o seu direito à ampla defesa e ao contraditório.
Logo, é redundante fazer o processo administrativo disciplinar e depois a audiência de justificação.
Em uma estrutura congestionada como o da execução penal, qualquer atividade redundante ou puramente formal significa desvio de recursos humanos ou da atividade principal do Juízo, inclusive e notadamente, a de assegurar os benefícios legais para que ninguém permaneça no cárcere em prazo superior à condenação.
De modo que a apuração de falta grave em procedimento judicial, com as garantias a ele inerentes, perante o juízo da Execução Penal, não só é compatível com os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF) como torna desnecessário o prévio procedimento administrativo, o que atende, por igual, ao princípio da eficiência (art. 37 da CF/88).

Tese
O STF fixou a seguinte tese a respeito do tema:

E o STJ?
O STJ passou a se curvar ao entendimento do STF. Nesse sentido:
(...) 4. Comprovado que se assegurou ao paciente o regular exercício do direito de defesa, na sede da audiência de justificação realizada no caso concreto, inexiste qualquer nulidade a ser sanada, nem constrangimento ilegal a ser reparado. (...)
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 581.854/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/08/2020.

Isso significa que está superada – apesar de não formalmente cancelada – a Súmula 533 do STJ.
Também risque dos seus materiais a Tese 4 do Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 7), que tem a mesma redação da Súmula 533 do STJ.




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