Dizer o Direito

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Na exposição pornográfica não consentida, o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais



Imagine a seguinte situação hipotética:
Paulo e Letícia eram namorados.
Paulo tirou de Maria fotografias em que ela aparece de biquini, em poses sensuais, mas sem aparecer seu rosto.
Após o fim do relacionamento, Paulo, como forma de vingança, publicou tais imagens em um perfil criado no Facebook.
Letícia denunciou as publicações por meio dos canais disponibilizados pelo Facebook, no entanto, a plataforma não aceitou retirar as fotografias alegando que não são fotografias pornográficas (considerando que não há nudez), além do fato de não estar sendo exposto de forma evidente.

O que decidiu o STJ?
O STJ não concordou com os argumentos do Facebook e condenou a empresa a pagar indenização por danos morais em favor da autora.
A “exposição pornográfica não consentida”, da qual a “pornografia de vingança” (revenge porn) é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis.
Não há como descaracterizar um material pornográfico apenas pela ausência de nudez total. Neste caso concreto, a autora encontra-se sumariamente vestida, em posições com forte apelo sexual, tipicamente feita a um parceiro por quem ela nutria confiança.
O fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.

Na exposição pornográfica não consentida, o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.735.712-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/05/2020 (Info 672).

Marco Civil da Internet não se aplicou no presente caso
O caso acima explicado não foi analisado segundo a ótica do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) considerando que este diploma não se encontrava em vigor na época dos fatos.
Penso, contudo, que a solução seria a mesma por força do que prevê o art. 21 do Marco Civil:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

Aspecto criminal
Vale ressaltar que a conduta do ex-namorado poderia configurar, inclusive, o crime previsto no art. 218-C, § 1º do Código Penal, desde que praticada após a Lei nº 13.718/2018, que incluiu essa figura típica:
Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
(...)

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