Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada ontem (07/08) a Lei
nº 14.034/2020, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil
brasileira em razão da pandemia da Covid-19.
Podemos dividir a lei em duas partes:
1) Na primeira, realmente a Lei nº
14.034/2020 prevê medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise economia
decorrente da pandemia da Covid-19 na aviação civil brasileira. São regras com efeitos
temporários, tendo como objetivo dar um “fôlego” econômico às companhias aéreas.
2) Na segunda parte, contudo, a
Lei nº 14.034/2020 aproveita a oportunidade para promover alterações na legislação
que rege a aviação civil brasileira. Essas mudanças não são temporárias e não possuem
relação direta com a pandemia da Covid-19.
Neste segundo post, irei analisar
as alterações promovidas no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA).
Código Brasileiro de
Aeronáutica
A Lei nº 7.565/86 é o Código
Brasileiro de Aeronáutica (CBA).
O CBA trata, em seus arts. 246 e
seguintes, sobre a responsabilidade civil contratual decorrente de danos
causados pelo transportador aéreo.
Necessidade de demonstração
do prejuízo e da sua extensão para caracterização do dano moral
O transporte aéreo pode ser de pessoas
ou coisas.
Em um caso ou no outro, é
possível que, em virtude de uma falha na execução do contrato, a transportadora
(companhia aérea) cause danos.
Esses danos, que podem ser patrimoniais
ou extrapatrimoniais, precisam ser indenizados.
A Lei nº
14.034/2020 acrescenta o art. 251-A ao CBA prevendo que, em caso de falha no serviço
de transporte aéreo, só haverá indenização por danos morais se a pessoa lesada
comprovar a ocorrência do prejuízo e a sua extensão:
Art. 251-A. A indenização
por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de
transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e
de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.
Com isso, o legislador tem por
objetivo evitar o chamado dano moral in re ipsa no transporte aéreo.
Vale ressaltar que o entendimento
atual do STJ é no sentido de que, na hipótese de atraso de voo, não se admite a
configuração do dano moral in re ipsa:
(...) 5. Na específica hipótese de
atraso de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral
possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto,
aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros
fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real
ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do
passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.
6. Sem dúvida, as circunstâncias que
envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a
consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar
particularidades a serem observadas: i) a averiguação acerca do tempo que se
levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a
companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii)
se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da
companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se
foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso
for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por
perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.
7. Na hipótese, não foi invocado
nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do
recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral
indenizável.
8. Quanto ao pleito de majoração do
valor a título de danos morais, arbitrado em virtude do extravio de bagagem,
tem-se que a alteração do valor fixado a título de compensação dos danos morais
somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia
estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada, o que não
ocorreu na espécie, tendo em vista que foi fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil
reais).
9. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa extensão, não provido.
(REsp 1584465/MG, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018)
Desse modo, o novo art. 251-A do
CBA encontra-se, de certa forma, em harmonia com o entendimento do STJ.
Alteração nas excludentes
de responsabilidade por dano a passageiro
O art. 256 do CBA dispõe sobre a
responsabilidade do transportador aéreo por dano causado a passageiro.
O caput, que não foi alterado,
prevê o seguinte:
Art. 256. O transportador responde
pelo dano decorrente:
I - de morte ou lesão de passageiro,
causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte
aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque;
II - de atraso do transporte aéreo
contratado.
O § 1º do art.
256 prevê causas excludentes do dever de indenizar. Esse dispositivo foi objeto
de alterações promovidas pela Lei nº 14.034/2020:
ANTES
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DEPOIS (ATUALMENTE)
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Art. 256 (...)
§ 1º O transportador não será
responsável:
a) no caso do item I, se a
morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou
se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva;
b) no caso do item II, se
ocorrer motivo de força maior ou comprovada determinação da autoridade
aeronáutica, que será responsabilizada.
|
Art. 256 (...)
§ 1º O transportador não será
responsável:
I - no caso do inciso I do
caput deste artigo, se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado
de saúde do passageiro, ou se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva;
II - no caso do inciso II do
caput deste artigo, se comprovar que, por motivo de caso fortuito ou de força
maior, foi impossível adotar medidas necessárias, suficientes e adequadas
para evitar o dano.
|
Definição de caso fortuito ou
força maior
O CBA não
definia caso fortuito ou força maior. A Lei nº 14.034/2020, resolvendo a
questão, acrescentou um parágrafo ao art. 256 trazendo esse conceito:
Art. 256 (...)
§ 3º Constitui caso fortuito ou força maior, para fins do inciso II
do § 1º deste artigo, a ocorrência de 1 (um) ou mais dos seguintes eventos,
desde que supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis:
I - restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições
meteorológicas adversas impostas por órgão do sistema de controle do espaço
aéreo;
II - restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de
indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária;
III - restrições ao voo, ao pouso ou à decolagem decorrentes de
determinações da autoridade de aviação civil ou de qualquer outra autoridade ou
órgão da Administração Pública, que será responsabilizada;
IV - decretação de pandemia ou publicação de atos de Governo que
dela decorram, com vistas a impedir ou a restringir o transporte aéreo ou as
atividades aeroportuárias.
A principal novidade está no
inciso I do § 3º do art. 256 do CBA. Isso porque agora está expressamente previsto
que, se o avião não conseguir pousar em virtude de condições meteorológicas adversas
(ex: aeroporto “fechado” pelo mau tempo), a companhia aérea não é obrigada, em
princípio, a indenizar os passageiros mesmo que isso gere danos.
Assistência material
Vale ressaltar que, mesmo com
essa causa excludente de responsabilidade, a companhia aérea é obrigada a
prestar assistência material aos passageiros, fornecendo, por exemplo, hospedagem
e alimentação enquanto se aguarda um novo voo.
Além disso, a
companhia também é obrigada a oferecer o reembolso do valor pago, a reacomodação
ou a prestação do serviço por outra modalidade. Veja:
Art. 256 (...)
§ 4º A previsão constante do inciso II do § 1º deste artigo não
desobriga o transportador de oferecer assistência material ao passageiro, bem
como de oferecer as alternativas de reembolso do valor pago pela passagem e por
eventuais serviços acessórios ao contrato de transporte, de reacomodação ou de
reexecução do serviço por outra modalidade de transporte, inclusive nas
hipóteses de atraso e de interrupção do voo por período superior a 4 (quatro)
horas de que tratam os arts. 230 e 231 desta Lei.
Alteração nas excludentes
de responsabilidade por dano a passageiro
O art. 264 do CBA prevê hipóteses
de exclusão da responsabilidade no caso de danos à carga.
A Lei nº
14.034/2020 alterou o inciso I para deixar claro que o caso fortuito ou força
maior é uma das hipóteses de excludente de responsabilidade:
ANTES
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DEPOIS (ATUALMENTE)
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Art. 264. O transportador não
será responsável se comprovar:
I - que o atraso na entrega da
carga foi causado por determinação expressa de autoridade aeronáutica do vôo,
ou por fato necessário, cujos efeitos não era possível prever, evitar ou
impedir;
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Art. 264. O transportador não
será responsável se comprovar:
I - que o atraso na entrega da
carga foi causado pela ocorrência de 1 (um) ou mais dos eventos previstos no
§ 3º do art. 256 desta Lei;
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Relembre o que diz o § 3º do art.
256:
Art. 256 (...)
§ 3º Constitui caso fortuito ou
força maior, para fins do inciso II do § 1º deste artigo, a ocorrência de 1
(um) ou mais dos seguintes eventos, desde que supervenientes, imprevisíveis e
inevitáveis:
I - restrições ao pouso ou à
decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas impostas por órgão
do sistema de controle do espaço aéreo;
II - restrições ao pouso ou à
decolagem decorrentes de indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária;
III - restrições ao voo, ao pouso
ou à decolagem decorrentes de determinações da autoridade de aviação civil ou
de qualquer outra autoridade ou órgão da Administração Pública, que será
responsabilizada;
IV - decretação de pandemia ou
publicação de atos de Governo que dela decorram, com vistas a impedir ou a restringir
o transporte aéreo ou as atividades aeroportuárias.