quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Erro grosseiro de sistema não obriga empresas a emitir passagens compradas a preço muito baixo
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:
João e sua namorada verificaram
no site da empresa de turismo Decolar.com que duas passagens aéreas, ida e
volta, de Brasília para Amsterdã (Holanda) estavam custando cerca de R$ 1 mil.
Imediatamente, o casal tentou
efetuar a compra, fazendo uma reserva no site.
Dois dias depois, contudo, eles
receberam um e-mail da empresa explicando que houve um erro no sistema, que
mostrou o preço errado. Em razão disso, estava cancelada a reserva.
Vale ressaltar que não houve
necessidade de estorno no cartão de crédito, pois a cobrança não foi feita no
momento da reserva.
Os
consumidores ajuizaram ação pedindo a emissão dos bilhetes no valor que havia
sido ofertado, por força do art. 30 do CDC:
Art. 30. Toda informação ou
publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o
contrato que vier a ser celebrado.
A questão chegou até o STJ.
O Tribunal acolheu o pedido dos autores?
NÃO.
O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços
e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a falha na prestação do
serviço e o princípio da vinculação da oferta.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.794.991-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 05/05/2020 (Info 671).
O Código de Defesa do Consumidor
não é somente um conjunto de artigos que protege o consumidor a qualquer custo.
Antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações
entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e
do equilíbrio contratual.
No caso, os consumidores
promoveram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional a preço muito
aquém do praticado por outras empresas aéreas, não tendo sequer havido a
emissão dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem formalizar a compra.
Agrega-se o fato de que os valores sequer foram debitados do cartão de crédito
e, em curto período, os consumidores receberam e-mail informando a não
conclusão da operação.
Nesse contexto, é inadmissível
que, diante de inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços,
possa se reconhecer a falha da prestação dos serviços das empresas, que
prontamente impediram o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito
utilizado, informando, ainda, com antecedência necessária ao voo, o
cancelamento da operação. Por conseguinte, não há que se falar em violação do
princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).
DOD Plus
Princípio da vinculação
contratual da oferta
O caso acima explicado envolve o
chamado “princípio da vinculação contratual da oferta”.
Segundo esse princípio, a oferta
possui caráter vinculante e, como tal, cria vínculo entre o fornecedor e o
consumidor, surgindo uma obrigação pré-venda, no qual deve o fornecedor se
comprometer a cumprir o que foi ofertado (STJ. 2ª Turma. REsp 1370708/RN, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28/04/2015).
Confira como essa regra geral é
cobrada nas provas:
++ (Promotor
MP/RR 2017 CEBRASPE) O princípio da vinculação da oferta faz surgir uma
obrigação pré-contratual do fornecedor do produto ou serviço. (certo)
++ (Procurador ALERJ 2017) Foi
veiculada publicidade de determinado fabricante de automóveis afirmando que, na
compra de certo modelo, o comprador ganharia uma viagem para Nova Iorque, com
acompanhante, incluindo passagem aérea, estadia em Hotel quatro estrelas e
traslado.
Ferdinaldo,
motivado pela propaganda, foi até a concessionária e, após negociar o preço e
as condições de pagamento, adquiriu o veículo. Nada foi mencionado a respeito
da viagem. Alguns dias depois Ferdinaldo retornou à concessionária para agendar
sua viagem em companhia de sua esposa, quando foi informado de que não teria
direito ao benefício por não ter sido pactuado no momento da compra do carro.
Sobre o caso, é correto afirmar
que Ferdinaldo:
A) tem direito à viagem, já que a
publicidade obriga o fornecedor e integra o contrato, independentemente de ter
constado dos seus termos;
B) não tem direito à viagem, já
que não houve inclusão expressa da mesma no momento do contrato, devendo
prevalecer o princípio da relatividade dos contratos;
C) não tem direito à viagem, já
que não houve inclusão expressa da mesma no momento do contrato, devendo
prevalecer o princípio da obrigatoriedade dos contratos;
D) tem direito à viagem, desde
que pague pelo seu custo, funcionando a fabricante tão somente como agente de
turismo;
E) não tem direito à viagem, já
que absolutamente ilícita e proibida a venda casada.
Gabarito: Letra A
Exceção: erro grosseiro
Alguns
doutrinadores apontam que a oferta não terá caráter vinculante se ela contiver
um erro grosseiro. Nesse sentido é a lição de Leonardo Garcia:
“Em respeito
ao princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual as partes (fornecedor e
consumidor) deverão agir com base na lealdade e confiança, tem-se admitido o
chamado ‘erro grosseiro’ como forma de não responsabilizar o fornecedor.
O erro
grosseiro é aquele erro latente, que facilmente o consumidor tem condições de
verificar o equívoco, por fugir ao padrão normal do que usualmente acontece.” (Direito
do Consumidor. 14ª ed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 241).
Foi justamente o caso acima
julgado pelo STJ.
Veja como o tema será exigido em
suas futuras provas:
++ O erro sistêmico grosseiro no
carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a
falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta. (certo)