Condenação proferida pelo
Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas, constatando
ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, poderá aplicar aos
responsáveis as sanções previstas na lei (art. 71, VIII, da CF/88).
Assim, o Tribunal de Contas
poderá aplicar multas e também determinar que o gestor faça o ressarcimento de
valores ao erário (imputação de débito).
Esta decisão da Corte de Contas
materializa-se por meio de um acórdão.
Caso o condenado não cumpra
espontaneamente o acórdão do Tribunal de Contas e deixe de pagar os valores
devidos, esta decisão poderá ser executada?
SIM. As decisões do Tribunal de Contas
que determinem a imputação de débito (ressarcimento ao erário) ou apliquem
multa terão eficácia de título executivo extrajudicial,
nos termos do § 3º do art. 71 da CF/88. Logo, podem ser executadas por meio de
uma ação de execução de título extrajudicial.
Vale ressaltar que
a decisão do Tribunal de Contas deverá declarar, de forma precisa, o agente
responsável e o valor da condenação, a fim de que goze dos atributos da certeza
e liquidez.
A decisão do Tribunal de Contas precisa
ser inscrita em dívida ativa?
NÃO. A
finalidade de se inscrever o débito na dívida ativa é gerar uma certidão de
dívida ativa (CDA), que é um título executivo indispensável para o ajuizamento
da execução. Ocorre que o acórdão do Tribunal de Contas já é um título
executivo extrajudicial por força do art. 71, § 3º, da CF/88 c/c o art. 784,
XII, do CPC/2015:
Art. 71 (...)
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou
multa terão eficácia de título executivo.
Art. 784. São títulos
executivos extrajudiciais:
(...)
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a
lei atribuir força executiva.
Desse modo, não há necessidade de esse
débito ser inscrito em dívida ativa.
O próprio Tribunal de Contas poderá
propor a execução de seu acórdão?
NÃO. O art. 71, § 3º, da CF/88 não
outorgou ao TCU legitimidade para executar suas decisões das quais resulte
imputação de débito ou multa. A competência para tal é do titular do crédito
constituído a partir da decisão, ou seja, o ente público prejudicado (STF. 2ª Turma.
AI 826676 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 08/02/2011).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João, presidente de uma associação
de folclore, deixou de prestar contas de recursos que ele havia recebido do
Ministério da Cultura, por meio de convênio, para serem aplicados em projeto
cultural.
Em razão disso, o Tribunal de
Contas da União, no julgamento de Tomada de Contas Especial, condenou João a
restituir aos cofres públicos os valores recebidos por meio do convênio.
O condenado foi instado a cumprir
a obrigação, mas não pagou os valores.
A União ajuizou, então, execução
de título executivo extrajudicial cobrando a quantia.
Como já havia se passado mais que
5 anos, o Juiz Federal extinguiu a execução em razão da prescrição.
A União recorreu sustentando a tese de que a
pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas
seria imprescritível. O fundamento para isso seria a parte final do § 5º do
art. 37 da CF/88:
Art. 37 (...)
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.
A tese da União foi
acolhida pelo STF?
NÃO. O STF
decidiu que:
É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário
fundada em decisão de Tribunal de Contas.
STF. Plenário. RE 636886, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em
20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 899) (Info 983 – clipping).
Regra é a prescrição
A regra no Direito brasileiro é a
prescrição, ou seja, em regra, as pretensões são prescritíveis.
Isso se justifica em razão dos princípios
da segurança jurídica e do devido processo legal.
O princípio do devido processo
legal, em seu sentido material, garante efetiva e real proteção contra o
exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do
Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a
impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado.
STF reconheceu, de forma
excepcional, a imprescritibilidade em caso de atos doloso de improbidade
O STF concluiu que somente são
imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato
de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92):
São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas
na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de
Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Repercussão
Geral – Tema 897) (Info 910).
Em relação aos demais atos
ilícitos, inclusive os atos de improbidade praticados com culpa, aplica-se o Tema
666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública:
É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública
decorrente de ilícito civil.
Dito de outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário
decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a
ação no prazo prescricional previsto em lei.
STF. Plenário. RE 669069/MG,
Rel. Min Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (Repercussão Geral – Tema 666).
Razões excepcionais que
levaram o STF a decidir no Tema 897 não se aplicam para ressarcimento
decorrente de decisões do Tribunal de Contas
As razões que levaram o STF a estabelecer
excepcional hipótese de imprescritibilidade, no tema 897, não
estão presentes em relação as
decisões do Tribunal de Contas que resultem imputação de débito ou multa.
O Tribunal de Contas pode
determinar o ressarcimento sem prescrição afirmando que o responsável pelo débito
praticou um ato doloso de improbidade administrativa?
NÃO. No processo de tomada de
contas, o Tribunal de Contas não julga pessoas, não perquirindo a existência de
dolo decorrente de ato de improbidade administrativa. O que ele faz é o julgamento
técnico das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e
apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo
o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o
respectivo ressarcimento.
Assim, o Tribunal de Contas, ao
exercer suas atribuições:
a) não analisa a existência ou
não de ato doloso de improbidade administrativa;
b) não profere decisão judicial,
declarando a existência de ato ilícito doloso, não havendo contraditório e
ampla defesa plenos, pois não é possível, por exemplo, que o imputado defenda-se
afirmando a ausência de elemento subjetivo.
Em que pese a importância das
competências constitucionais dos Tribunais de Contas e a terminologia utilizada
pela Constituição Federal, quando o art. 71, II, da CF/88 fala em “julgar”, não
se trata de atividade jurisdicional. O termo julgar é utilizado no sentido de
examinar e analisar as contas.
A partir da decisão do
Tribunal de Contas pode-se propor ação de improbidade
Vale ressaltar que, com base nas
decisões do Tribunal de Contas, além da execução do acórdão, é possível que o
ente prejudicado ou o Ministério Público proponham ação de improbidade
administrativa para, garantido o devido processo legal, ampla defesa e
contraditório, eventualmente, condenar-se o imputado, inclusive a ressarcimento
ao erário.
§ 5º do art. 37 não se
aplica ao caso
Não há previsão constitucional
expressa de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada
em decisão de Tribunal de Contas.
Sendo a existência de prazo
prescricional a regra, e as hipóteses de imprescritibilidade a exceção, estando
todas expressas na Constituição Federal, não é possível a ampliação do
significado da norma contida no §5º do art. 37 para abarcar nova hipótese de imprescritibilidade
não prevista expressamente na norma.
A análise do texto positivo
permite confirmar que o §5º apenas garantiu a necessidade de uma lei em sentido
formal para definir os prazos prescricionais para os atos descritos no
dispositivo, afastando expressamente desta norma a ação de reparação ao erário,
regida pela regra geral processual.
Assim, não é possível inferir da
norma presente no §5º do art. 37 da CF/88 que as ações de reparação ao erário fundadas
em decisão de Tribunal de Contas são imprescritíveis.