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segunda-feira, 6 de julho de 2020

É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas



Condenação proferida pelo Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas, constatando ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, poderá aplicar aos responsáveis as sanções previstas na lei (art. 71, VIII, da CF/88).
Assim, o Tribunal de Contas poderá aplicar multas e também determinar que o gestor faça o ressarcimento de valores ao erário (imputação de débito).
Esta decisão da Corte de Contas materializa-se por meio de um acórdão.

Caso o condenado não cumpra espontaneamente o acórdão do Tribunal de Contas e deixe de pagar os valores devidos, esta decisão poderá ser executada?
SIM. As decisões do Tribunal de Contas que determinem a imputação de débito (ressarcimento ao erário) ou apliquem multa terão eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do § 3º do art. 71 da CF/88. Logo, podem ser executadas por meio de uma ação de execução de título extrajudicial.
Vale ressaltar que a decisão do Tribunal de Contas deverá declarar, de forma precisa, o agente responsável e o valor da condenação, a fim de que goze dos atributos da certeza e liquidez.

A decisão do Tribunal de Contas precisa ser inscrita em dívida ativa?
NÃO. A finalidade de se inscrever o débito na dívida ativa é gerar uma certidão de dívida ativa (CDA), que é um título executivo indispensável para o ajuizamento da execução. Ocorre que o acórdão do Tribunal de Contas já é um título executivo extrajudicial por força do art. 71, § 3º, da CF/88 c/c o art. 784, XII, do CPC/2015:
Art. 71 (...)
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

Art. 784.  São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Desse modo, não há necessidade de esse débito ser inscrito em dívida ativa.

O próprio Tribunal de Contas poderá propor a execução de seu acórdão?
NÃO. O art. 71, § 3º, da CF/88 não outorgou ao TCU legitimidade para executar suas decisões das quais resulte imputação de débito ou multa. A competência para tal é do titular do crédito constituído a partir da decisão, ou seja, o ente público prejudicado (STF. 2ª Turma. AI 826676 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 08/02/2011).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João, presidente de uma associação de folclore, deixou de prestar contas de recursos que ele havia recebido do Ministério da Cultura, por meio de convênio, para serem aplicados em projeto cultural.
Em razão disso, o Tribunal de Contas da União, no julgamento de Tomada de Contas Especial, condenou João a restituir aos cofres públicos os valores recebidos por meio do convênio.
O condenado foi instado a cumprir a obrigação, mas não pagou os valores.
A União ajuizou, então, execução de título executivo extrajudicial cobrando a quantia.
Como já havia se passado mais que 5 anos, o Juiz Federal extinguiu a execução em razão da prescrição.
A União recorreu sustentando a tese de que a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas seria imprescritível. O fundamento para isso seria a parte final do § 5º do art. 37 da CF/88:
Art. 37 (...)
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A tese da União foi acolhida pelo STF?
NÃO. O STF decidiu que:
É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
STF. Plenário. RE 636886, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 899) (Info 983 – clipping).

Regra é a prescrição
A regra no Direito brasileiro é a prescrição, ou seja, em regra, as pretensões são prescritíveis.
Isso se justifica em razão dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal.
O princípio do devido processo legal, em seu sentido material, garante efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado.

STF reconheceu, de forma excepcional, a imprescritibilidade em caso de atos doloso de improbidade
O STF concluiu que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92):
São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Repercussão Geral – Tema 897) (Info 910).

Em relação aos demais atos ilícitos, inclusive os atos de improbidade praticados com culpa, aplica-se o Tema 666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública:
É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
Dito de outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei.
STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (Repercussão Geral – Tema 666).

Razões excepcionais que levaram o STF a decidir no Tema 897 não se aplicam para ressarcimento decorrente de decisões do Tribunal de Contas
As razões que levaram o STF a estabelecer excepcional hipótese de imprescritibilidade, no tema 897, não
estão presentes em relação as decisões do Tribunal de Contas que resultem imputação de débito ou multa.

O Tribunal de Contas pode determinar o ressarcimento sem prescrição afirmando que o responsável pelo débito praticou um ato doloso de improbidade administrativa?
NÃO. No processo de tomada de contas, o Tribunal de Contas não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa. O que ele faz é o julgamento técnico das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento.
Assim, o Tribunal de Contas, ao exercer suas atribuições:
a) não analisa a existência ou não de ato doloso de improbidade administrativa;
b) não profere decisão judicial, declarando a existência de ato ilícito doloso, não havendo contraditório e ampla defesa plenos, pois não é possível, por exemplo, que o imputado defenda-se afirmando a ausência de elemento subjetivo.

Em que pese a importância das competências constitucionais dos Tribunais de Contas e a terminologia utilizada pela Constituição Federal, quando o art. 71, II, da CF/88 fala em “julgar”, não se trata de atividade jurisdicional. O termo julgar é utilizado no sentido de examinar e analisar as contas.

A partir da decisão do Tribunal de Contas pode-se propor ação de improbidade
Vale ressaltar que, com base nas decisões do Tribunal de Contas, além da execução do acórdão, é possível que o ente prejudicado ou o Ministério Público proponham ação de improbidade administrativa para, garantido o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, eventualmente, condenar-se o imputado, inclusive a ressarcimento ao erário.

§ 5º do art. 37 não se aplica ao caso
Não há previsão constitucional expressa de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
Sendo a existência de prazo prescricional a regra, e as hipóteses de imprescritibilidade a exceção, estando todas expressas na Constituição Federal, não é possível a ampliação do significado da norma contida no §5º do art. 37 para abarcar nova hipótese de imprescritibilidade não prevista expressamente na norma.
A análise do texto positivo permite confirmar que o §5º apenas garantiu a necessidade de uma lei em sentido formal para definir os prazos prescricionais para os atos descritos no dispositivo, afastando expressamente desta norma a ação de reparação ao erário, regida pela regra geral processual.

Assim, não é possível inferir da norma presente no §5º do art. 37 da CF/88 que as ações de reparação ao erário fundadas em decisão de Tribunal de Contas são imprescritíveis.



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