Crime
material contra a ordem tributária e consumação
A Lei nº 8.137/90, em seus arts.
1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária.
O art. 1º prevê o delito de
sonegação fiscal, que é um crime tributário MATERIAL (com exceção do inciso V,
que é formal). Confira a redação do tipo:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem
tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer
acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar
declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização
tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota
fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo
à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer,
emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer,
quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de
mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em
desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, e multa.
Quando se consuma o crime
tributário material?
O crime tributário material
somente se consuma quando houver a constituição definitiva do crédito
tributário, nos termos da SV 24-STF:
Súmula vinculante 24-STF: Não se
tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
No mesmo sentido é o entendimento
do STJ, do MPF e do TRF4:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 5: A constituição regular e definitiva do crédito
tributário é suficiente à tipificação das condutas previstas no art. 1º, I a
IV, da Lei n. 8.137/90, conforme a súmula vinculante n. 24/STF.
Enunciado nº 79 da 2ªCCR/MPF
Considerando os efeitos da Súmula
Vinculante nº 24 do STF, em regra, o oferecimento de denúncia por crimes contra
a ordem tributária (Lei 8.137/1990, art. 1º, incisos I a IV), de apropriação
indébita previdenciária (CP, art. 168-A) ou de sonegação de contribuição
previdenciária (CP, art. 337-A) depende do término do procedimento
administrativo e da consequente constituição definitiva do crédito tributário,
indispensável condição de procedibilidade.
Súmula nº 78 do TRF4
A constituição definitiva do crédito
tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem
tributária previsto no art. 1ª da Lei nº 8.137/90.
(Promotor de Justiça Substituto
MPE/PI 2019 CEBRASPE) A empresa DEF Ltda. recebeu auto de infração no valor de
R$ 250 mil no qual, além de ser cobrado o principal do imposto devido e os
juros, também foi aplicada multa agravada, em razão de ter a fiscalização
apurado a ocorrência de omissão proposital de informação, além de prestação
falsa de declaração às autoridades fazendárias, com a finalidade de reduzir o
valor do tributo devido. Da lavratura do auto de infração foi dada imediata
ciência ao Ministério Público, via representação, para eventual proposição de
denúncia na esfera criminal. Caso a empresa venha a recorrer
administrativamente do auto de infração, não estará tipificado o crime contra a
ordem tributária, previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, antes do
lançamento definitivo do tributo. (certo)
(Promotor de Justiça Substituto MP/RR 2017
CESPE) João, prestador de serviços, trabalha como MEI na forma da Lei
Complementar n.º 123/2006 (SIMPLES Nacional). Nessa qualidade, com o propósito
de recolher menos tributo, ele informou à RFB ter recebido, no exercício de
2016, a receita bruta de R$ 50.000, mas a RFB constatou que sua receita bruta
real nesse exercício havia sido de R$ 120.000. Ante a existência de provas
suficientes desses fatos, a conduta de João foi tipificada como dolosa. A
conduta de João poderá ser tipificada como crime contra a ordem tributária
somente após o lançamento definitivo do tributo em exame. (certo)
(Juiz Substituto TJ/SE 2015 FCC) Para que seja
possível ação penal que tenha por objeto crime contra a ordem tributária é
necessário que tenha havido completo exaurimento do procedimento administrativo
que decida pela existência fiscal do crédito tributário. (certo)
(Juiz TJ/SP 2014 VUNESP) Acerca de crime
contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei n.º
8.137/90 (constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas: …), , assinale a opção que contenha afirmação falsa: Não se tipifica
crime material contra a ordem tributária, previsto nestas hipóteses, antes do
lançamento definitivo do tributo. (certo)
Termo inicial da prescrição
penal
Como antes da constituição
definitiva do crédito tributário ainda não existe crime, somente com o
lançamento definitivo é que se inicia a contagem do prazo de prescrição.
Assim, a fluência do prazo
prescricional dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º,
incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, somente tem início após a constituição do
crédito tributário, o que se dá com o encerramento do procedimento
administrativo-fiscal e o lançamento definitivo (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp
1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014).
No caso do inciso V, por se
tratar de crime formal, não se exige a constituição definitiva do crédito
tributário para início da prescrição.
Delitos
para os quais não se exige constituição definitiva do crédito tributário
Importante deixar claro que a SV
24-STF não se aplica para os seguintes delitos:
• Art. 1º, inciso V, da Lei nº
8.137/90.
• Art. 2º, incisos I, III e IV.
Em relação ao inciso II, que trata da apropriação indébita de tributos, há divergência.
• Descaminho (art. 334 do CP).
A
SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição?
De quando é a SV 24-STF?
A súmula foi publicada no DJe de
11/12/2009.
Feitos esses
esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1998, João suprimiu imposto de
renda prestando declaração falsa às autoridades fazendárias.
O processo administrativo-fiscal
ficou se arrastando durante anos e somente em 2010 houve a constituição
definitiva do crédito tributário.
No mesmo ano, o MPF denunciou o
réu pelo crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.
Em 2011, ele foi condenado a 2
anos de reclusão, tendo havido o trânsito em julgado.
A defesa alegou, então, uma
interessante tese:
A SV 24-STF diz que o crime
tributário material só se consuma com o lançamento definitivo do tributo. Em
outras palavras, não existe crime antes da constituição definitiva do crédito
tributário. Logo, indiretamente, a SV afirma que o prazo prescricional só
começa a ser contado no dia da constituição definitiva do crédito tributário já
que é nessa data que o delito se consuma (art. 111, I, do CP).
Perceba, portanto, que sob o
ponto de vista da prescrição, a SV 24-STF é prejudicial para o réu porque mesmo
ele tendo praticado a conduta anos antes, o prazo prescricional nem começou a
correr se ainda não houve constituição definitiva do crédito tributário. Fica
assim mais difícil de o agente escapar da prescrição. O Estado-acusação acaba
“ganhando” mais tempo para oferecer a denúncia antes que o crime prescreva.
Desse modo, a defesa de João
alegou que a SV 24-STF, por ser mais gravosa ao réu, não poderia retroagir para
ser aplicada a fatos anteriores à sua edição, sob pena de isso ser considerado
aplicação retroativa “in malam partem”. Ora, João praticou a sonegação em 1998
e a SV 24-STF somente foi publicada em 2009, de forma que não poderia ser
aplicada para este caso. Como ainda não havia a SV, deveria ser considerado o
início da prescrição em 1998.
A tese da defesa foi
aceita? É proibido aplicar a SV 24-STF para fatos anteriores à sua edição?
NÃO. A tese não foi aceita.
A SV 24-STF pode sim ser aplicada
a fatos anteriores à sua edição.
Não se pode concordar com o
argumento de que a aplicação da SV 24-STF a fatos anteriores à sua edição configura
retroatividade “in malam partem”. Isso porque o aludido enunciado apenas
consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria.
A súmula vinculante não é lei nem
ato normativo, de forma que a SV 24-STF não inovou no ordenamento jurídico. O
enunciado apenas espelhou (demonstrou) o que a jurisprudência já vinha
decidindo.
Como exemplo disso, o Min. Dias
Toffoli citou o HC 85.051/MG, julgado em 2005 (bem antes da SV 24), no qual o
STF já afirmava que a prescrição dos crimes tributários materiais somente se
inicia com o lançamento definitivo:
(...) a consumação do crime tipificado
no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito
fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. (...)
STF. 2ª Turma. HC 85051, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em
07/06/2005.
Assim, a SV pode ser aplicada aos
crimes cometidos antes da sua vigência, tendo em vista que não se está diante
de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial.
Foi o que decidiu o STF:
Não prospera a tese de que a
observância do enunciado da Súmula Vinculante nº 24 importaria interpretação
judicial mais gravosa da lei de regência. A SV 24 é mera consolidação da
jurisprudência do STF, que, mesmo antes da sua edição, já tinha julgados
afirmando que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90
somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a
partir daí, a prescrição.
Assim, a SV 24 pode sim ser aplicada a
fatos anteriores à sua edição.
STF. 1ª Turma. RHC 122774/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
19/5/2015 (Info 786).
O STJ também comunga do mesmo
entendimento:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 6: É possível a aplicação da súmula vinculante n. 24/STF a fatos
ocorridos antes da sua publicação por se tratar de consolidação da
interpretação jurisprudencial e não de caso de retroatividade da lei penal mais
gravosa.
(Defensor Público Substituto DPE/RO
2017 VUNESP) A Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, que dispõe
que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art.
1°, incisos I a IV, da Lei n° 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do
tributo”, não pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. (errado)
Mitigação
da SV 24
Excepcionalmente, a
jurisprudência admite a mitigação da SV 24-STF em duas situações:
• nos casos de embaraço à
fiscalização tributária; ou
• diante de indícios da prática
de outros delitos, de natureza não fiscal:
Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia
constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de
tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula
Vinculante 24 (...)
Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial
dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido
que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as
peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal
antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à
fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de
natureza não fiscal.
STF. 1ª Turma.
ARE 936653 AgR, Rel. Min Roberto Barroso, julgado em 24/05/2016.
A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que
se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver
embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras
infrações de natureza não tributária.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 551.422/PI, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
julgado em 09/06/2020.
++ (Promotor de Justiça MPE/SE
2010 CESPE) Em recente decisão, o STF entendeu que é possível a instauração de
inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do
encerramento do processo administrativo-fiscal, quando isso for imprescindível
para viabilizar a fiscalização. (certo)