Imagine a seguinte situação
hipotética:
Francisco e Regina eram casados e
decidiram se divorciar.
Eles não tiveram filhos.
No acordo de divórcio, celebrado
em 2008, ficou combinado que Francisco pagaria 15% de seus vencimentos líquidos
a Regina, a título de pensão alimentícia. Não ficou estabelecido termo final
para o pagamento.
Na época, Francisco tinha 49 anos
e Regina, 47.
Em 2016, Francisco ajuizou ação
de exoneração pedindo para deixar de pagar a pensão alimentícia. Argumentou
que:
• Regina possui boa escolaridade (ensino
superior completo) e tinha plenas condições de conferir novo rumo à vida
pós-casamento, especialmente no que tange à sua (re)inserção no mercado de
trabalho e obtenção de fonte de renda;
• a requerida não ostenta
qualquer necessidade especial que justifique a manutenção do encargo alimentar
ajustado há 8 anos com o ex-marido.
Na contestação, Regina afirmou,
em síntese, que não houve alteração do binômio necessidade/possibilidade, ou
seja, a situação de necessidade da alimentanda é a mesma da época e as
possibilidades do alimentante também são iguais. Logo, não há motivo para
alteração ou exoneração.
Haverá a exoneração do
dever de pagar a pensão alimentícia?
SIM.
Os alimentos devidos entre
ex-cônjuges possuem, em regra, caráter excepcional e transitório.
Assim, essa obrigação de
alimentar somente pode ser mantida indefinidamente se estiverem presentes
particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação. É o caso, por
exemplo, da incapacidade laborativa da alimentada, a impossibilidade de
(re)inserção no mercado de trabalho ou a impossibilidade de adquirir autonomia
financeira.
Nesse
sentido, veja a lição de Rolf Madaleno:
(...) em
regra, todos os alimentos entre os cônjuges e conviventes são transitórios,
especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges
e gêneros sexuais, reservada para casos pontuais de real necessidade de
alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições
financeiras e tampouco de oportunidades de trabalho, talvez devido a sua idade,
ou por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a alimentos quando
os filhos ainda são pequenos e dependem da atenção materna.
A obrigação
alimentar entre cônjuge é recíproca e está vinculada à efetiva penúria, não
mais se presumindo a necessidade da mulher aos alimentos (...) (Direito de
Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1.024)
Alimentos entre ex-cônjuges
devem ser fixados com termo certo
Desse modo, os alimentos devidos
entre ex-cônjuges devem ser fixados com termo certo, de acordo com as
circunstâncias fáticas, assegurando-se, ao(a) alimentado(a), tempo hábil para
sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe
possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do
relacionamento.
Mas e se não forem fixados
com termo certo, como no caso do exemplo acima de Francisco e Regina?
Se os alimentos devidos a
ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração (total ou
parcial) pode ser deferido mesmo que não tenha havido variação no binômio
necessidade/possibilidade, desde que fique demonstrado que a pensão já foi paga
por tempo suficiente para que o(a) alimentado(a) revertesse a condição
desfavorável que detinha no momento da fixação desses alimentos (STJ. 3ª Turma.
REsp 1205408/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/06/2011).
Em outras palavras, mesmo tendo
se mantido o binômio necessidade/possibilidade, será possível a exoneração
(extinção) da obrigação alimentar caso já tenha se passado um período
suficiente para que o(a) alimentado(a) possa retomar sua vida por conta
própria.
Veja essa interessante ementa:
(...) 2. O fim do casamento deve estimular a independência de
vidas e não o ócio, pois não constitui garantia material perpétua.
3. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é regra
excepcional que desafia interpretação restritiva, ressalvadas as
peculiariedades do caso concreto, tais como a impossibilidade do beneficiário
em laborar
ou eventual acometimento de doença invalidante.
4. A obrigação que perdura por quase duas décadas retrata tempo
suficiente e razoável para que a alimentanda possa se restabelecer e seguir a
vida sem o apoio financeiro do ex-cônjuge.
5. No caso dos autos, não restou demonstrada a plena
incapacidade da recorrida para trabalhar, impondo-se a exoneração da obrigação
alimentar tendo em vista que há inúmeras atividades laborais compatíveis com a
situação de saúde explicitada em atestados médicos, que não impedem todo e
qualquer labor.
6. O ordenamento pátrio prevê o dever de solidariedade alimentar
decorrente do parentesco (arts. 1.694 e 1.695 do Código Civil), remanescendo à
alimentanda a possibilidade de formular novo pedido de alimentos direcionado a
seus familiares se de fato ficar demonstrado não possuir condições de prover,
parcial ou totalmente, a própria subsistência. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1608413/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 02/05/2017.
(...) a pensão entre os ex-cônjuges não está limitada somente à
prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade (explicando melhor:
pode a pensão ser extinta mesmo se não tiver havido alteração), devendo ser
consideradas outras circunstâncias, como a capacidade potencial para o trabalho
e o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração.
5. Não se evidenciando hipótese que justifique a perenidade da
prestação alimentícia a excetuar a regra da temporalidade do pensionamento
entre ex-cônjuges, deve ser mantido o acórdão que acolheu o pedido de
exoneração formulado pelo alimentante, porque sua ex-mulher, além de ter
recebido pensão por lapso de tempo razoável (três anos) para que buscasse o
próprio sustento, possui plena capacidade laborativa e possível inclusão no
mercado de trabalho em virtude da graduação de nível superior e da pouca idade,
somado ao fato de que não há notícia de que tenha saúde fragilizada que a
impossibilite de desempenhar atividade remunerada. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1661127/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado
em 10/12/2019.
Em suma:
O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é
transitório, devendo ser assegurado alimentos apenas durante certo tempo, até
que o ex-cônjuge consiga prover o seu sustento com meios próprios.
Assim, ao se analisar se o ex-cônjuge ainda deve
continuar recebendo os alimentos, deve-se examinar não apenas o binômio
necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, tais
como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo decorrido entre o seu
início e a data do pedido de desoneração.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 10/03/2020 (Info 669).
DOD Plus – informações complementares
O que são os
alimentos transitórios?
Alimentos transitórios são
aqueles fixados por um prazo determinado, após o qual cessa a obrigação de
alimentar mesmo que ainda exista necessidade do alimentando e possibilidade do
alimentante.
Assim, os
alimentos transitórios não obedecem à regra do rebus sic
stantibus, sendo estabelecidos em razão de uma causa temporária e
específica. Terminado o prazo fixado, cessa a obrigação de alimentar, mesmo que
a situação das partes envolvidas permaneça a mesma.
A Min. Nancy Andrighi, precursora
a tratar do tema no STJ, explicou em que consiste o instituto:
“alimentos transitórios —
de cunho resolúvel — são obrigações prestadas, notadamente entre ex-cônjuges ou
ex-companheiros, em que o credor, em regra pessoa com idade apta para o
trabalho, necessita dos alimentos apenas até que se projete determinada
condição ou ao final de certo tempo, circunstância em que a obrigação
extinguir-se-á automaticamente" (REsp 1.388.955/RS, DJe 29/11/2013).
Em outras palavras, “a obrigação
de prestar alimentos transitórios — a tempo certo — é cabível, em
regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação
profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho,
necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira,
momento em que se emancipará da tutela do alimentante — outrora provedor do lar
—, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente”
(REsp 1.025.769/MG, DJe 01/09/2010).
Os alimentos fixados para o
ex-cônjuge devem ser transitórios?
• Regra geral: SIM. Em regra, a
pensão alimentícia devida a ex-cônjuge deve ser fixada por tempo determinado.
• Exceção: será cabível a pensão
por prazo indeterminado somente quando o alimentado (ex-cônjuge credor) se
encontrar em circunstâncias excepcionais, como de incapacidade laboral
permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado
de trabalho.
STJ. 3ª Turma. REsp 1496948-SP,
Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 3/3/2015 (Info 557).
Alimentos transitórios
podem ser executados segundo o rito do art. 528 do CPC/2015 (prisão civil)
Ainda que o valor fixado a título
de alimentos transitórios supere o indispensável à garantia de uma vida digna
ao alimentando, é adequada a utilização do rito previsto no art. 733 do CPC /
art. 528 do CPC 2015 (cujo teor prevê possibilidade de prisão do devedor de
alimentos) para a execução de decisão que estabeleça a obrigação em valor
elevado, tendo em vista a conduta do alimentante que, após a separação
judicial, protela a partilha dos bens que administra, privando o alimentando da
posse da parte que lhe cabe no patrimônio do casal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1362113-MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/2/2014 (Info 536).
++ (OAB IX 2012 FGV) Henrique e
Natália, casados sob o regime de comunhão parcial de bens, decidiram se
divorciar após 10 anos de união conjugal. Do relacionamento nasceram Gabriela e
Bruno, hoje, com 8 e 6 anos, respectivamente. Enquanto esteve casada, Natália,
apesar de ter curso superior completo, ser pessoa jovem e capaz para o
trabalho, não exerceu atividade profissional para se dedicar integralmente aos
cuidados da casa e dos filhos. Considerando a hipótese acima e as regras
atinentes à prestação de alimentos, assinale a afirmativa correta.
A) Uma vez homologado
judicialmente o valor da prestação alimentícia devida por Henrique em favor de
seus filhos Gabriela e Bruno, no percentual de um salário mínimo para cada um,
ocorrendo a constituição de nova família por parte de Henrique, automaticamente
será minorado o valor dos alimentos devido aos filhos do primeiro casamento.
B) Henrique poderá opor a
impenhorabillidade de sua única casa, por ser bem de família, na hipótese de
ser acionado judicialmente para pagar débito alimentar atual aos seus filhos
Gabriela e Bruno.
C) Natália poderá pleitear
alimentos transitórios e por prazo razoável, se demonstrar sua dificuldade em
ingressar no mercado de trabalho em razão do longo período que permaneceu
afastada do desempenho de suas atividades profissionais para se dedicar
integralmente aos cuidados do lar.
D) Caso Natália descubra, após
dois meses de separação de fato, que espera um filho de Henrique, serão devidos
alimentos gravídicos até o nascimento da criança, pois após este fato a
obrigação alimentar somente será exigida em ação judicial própria.