Dizer o Direito

sexta-feira, 31 de julho de 2020

INFORMATIVO Comentado 669 STJ - Versão Resumida


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 669 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.





Não cabe reclamação para o controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo



O que é a reclamação?
Reclamação é uma...
- ação
- proposta pela parte interessada ou pelo MP
- com o objetivo de cassar uma decisão judicial ou um ato administrativo que tenha violado:
a) a competência de um tribunal (Tribunal de 2º grau ou Tribunal Superior);
b) a autoridade de uma decisão do tribunal (Tribunal de 2º grau ou Tribunal Superior);
d) súmula vinculante;
e) decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
f) acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Natureza jurídica
Prevalece que a reclamação possui natureza jurídica de ação:
“A reclamação constitucional é ação vocacionada para a tutela específica da competência e autoridade das decisões proferidas por este Supremo Tribunal Federal...” (STF. 1ª Turma. Rcl 38889 AgR, Rel. Rosa Weber, julgado em 15/04/2020).

Hipóteses de cabimento
As hipóteses de cabimento da reclamação (mesmo que se refiram a processos criminais) estão previstas no art. 988 do CPC/2015:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;
(...)
§ 4º As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

O inciso II do § 5º do art. 988 do CPC é uma quinta hipótese de cabimento de reclamação?
Veja a redação do dispositivo:
Art. 988 (...)
§  5º É inadmissível a reclamação:
(...)
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.


Para o STF: SIM.
O inciso II do § 5º do art. 988 prevê uma outra hipótese de cabimento de reclamação. Desse modo:
Cabe reclamação contra decisão que tenha descumprido tese fixada pelo STF em recurso extraordinário julgado sob o regime de repercussão geral, sendo imprescindível, no entanto, que a parte tenha previamente esgotado todos os recursos cabíveis nas instâncias ordinárias.
STF. 1ª Turma. Rcl 40548 ED, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 08/06/2020.
STF. 2ª Turma. Rcl 37853 AgR, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/03/2020.

Importante fazer um esclarecimento quanto à expressão “instâncias ordinárias”. O STF, com receio da imensa quantidade de reclamações que poderia ser obrigado a julgar, conferiu interpretação bem restritiva à expressão “instâncias ordinárias”.
A hipótese de cabimento prevista no art. 988, § 5º, II, do CPC deve ser interpretada restritivamente, sob pena de o STF assumir, pela via da reclamação, a competência de pelo menos três tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral) para o julgamento de recursos contra decisões de tribunais de 2º grau de jurisdição.
Assim, segundo entendeu o STF, quando o CPC exige que se esgotem as instâncias ordinárias, significa que a parte só poderá apresentar reclamação ao STF depois de ter apresentado todos os recursos cabíveis não apenas nos Tribunais de 2º grau, mas também nos Tribunais Superiores (STJ, TST e TSE). Se ainda tiver algum recurso pendente no STJ, por exemplo, não caberá reclamação ao STF.
Nesse sentido:
O cabimento da reclamação constitucional está sujeito ao esgotamento das instâncias ordinárias e especial (art. 988, § 5º, II, do CPC).
STF. 2ª Turma. Rcl 28789 AgR, Rel. Dias Toffoli, julgado em 29/05/2020.

O esgotamento da instância ordinária, previsto no art. 988, § 5º, II, do CPC, exige a impossibilidade de reforma da decisão reclamada por nenhum tribunal, inclusive por tribunal superior.
STF. 2ª Turma. Rcl 37492 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 22/05/2020.

++ (Juiz TJ/CE CEBRASPE 2018) Cabe para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (errado)

Para o STJ: NÃO.
O STJ afirmou que:
Não cabe reclamação para o controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo.
STJ. Corte Especial. Rcl 36.476-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2020 (Info 669).

Segundo decidiu o STJ, não há coerência e lógica em se afirmar que o inciso II do § 5º do art. 988 do CPC veicule nova hipótese de cabimento da reclamação. Foram apontadas três razões para essa conclusão.

1) Aspecto topológico:

2) Aspecto político-jurídico:
O § 5º do art. 988 foi introduzido no CPC pela Lei nº 13.256/2016 com o objetivo justamente de proibir reclamações dirigidas ao STJ e STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas.
Essa parte final do § 5º é fruto de má técnica legislativa.

3) Aspecto lógico-sistemático:
Se for admitida reclamação nesses casos, o STJ, além de definir a tese jurídica, terá também que fazer o controle da sua aplicação individualizada em cada caso concreto. Isso gerará sério risco de comprometimento da celeridade e qualidade da prestação jurisdicional.
Assim, uma vez uniformizado o direito (uma vez fixada a tese pelo STJ), é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto.


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Lei nº 14.030/2020: flexibilizou os prazos para a realização das assembleias gerais diante da pandemia do covid-19



A Lei nº 14.030/2020 alterou a Lei das S.A., o Código Civil e a Leis das cooperativas para flexibilizar os prazos de realização das assembleias gerais diante da pandemia do covid-19.
Vale ressaltar que a Lei é fruto da conversão da MP 931/2020, aprovada pelo Congresso Nacional.

SOCIEDADES ANÔNIMAS (LEI 6.404/76)

Assembleia-geral
A assembleia-geral é a reunião dos acionistas de uma sociedade anônima, convocada com o objetivo de deliberar sobre as matérias de interesse da companhia.
Existem duas espécies de assembleia-geral:
a) assembleia-geral ordinária (AGO): convocada para deliberar sobre os assuntos previstos no art. 132 da Lei nº 6.404/76 (Lei das SA).
b) assembleia-geral extraordinária (AGE): convocada para discutir outros temas.

Assembleia-geral ordinária
Todo ano a sociedade anônima é obrigada, por lei, a fazer uma assembleia-geral ordinária para:
I - tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II - deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III - eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV - aprovar a correção da expressão monetária do capital social.

Essa assembleia-geral deve ser feita nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social. Isso está previsto no art. 132 da Lei nº 6.404/76.

O exercício social é o mesmo que ano civil?
A Lei não exige que seja. No entanto, a imensa maioria dos estatutos das sociedades anônimas preveem que o exercício social tem duração de 1 ano e coincide com o ano civil.
Veja um exemplo de estatuto social nesse sentido:
CAPÍTULO XX - DO EXERCÍCIO SOCIAL
Art. XX - O exercício social terá a duração de 1 (um) ano, encerrando-se em 31 de dezembro de cada ano civil, ocasião em que será realizado um balanço patrimonial, com demonstrativo dos lucros e perdas, do resultado do exercício e das origens e aplicações dos recursos.

Assim, se o estatuto da sociedade anônima prever que o exercício social coincide com o ano civil, isso significa que ele terminará em 31 de dezembro e que, portanto, essa companhia terá que realizar a sua assembleia-geral ordinária até o final do mês de abril do ano seguinte.
É o que prevê o art. 132 da Lei das S.A.:
Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:
(...)

Repito, no entanto, que pode ser que a companhia tenha estipulado que seu exercício social termina em 31 de janeiro. Neste caso, a AGO deverá ser realizada até 31 de maio e assim por diante.

Adiamento do prazo-limite para a realização da AGO
A maioria das companhias teria que realizar sua AGO em abril ou nos meses seguintes.
Ocorre que, nesse período, estávamos vivendo, infelizmente, uma situação de pandemia decorrente do Covid-19.
Diante disso, foi editada a MP 931/2020 (convertida na Lei nº 14.030/2020) adiando o prazo de realização dessa assembleia-geral ordinária.
Veja o que disse o art. 1º da Lei:
Art. 1º  A sociedade anônima cujo exercício social tenha sido encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 132 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, no prazo de 7 (sete) meses, contado do término do seu exercício social.
§ 1º Disposições contratuais que exijam a realização da assembleia geral ordinária em prazo inferior ao estabelecido no caput deste artigo serão consideradas sem efeito no exercício de 2020.
§ 2º Os prazos de gestão ou de atuação dos administradores, dos membros do conselho fiscal e de comitês estatutários ficam prorrogados até a realização da assembleia geral ordinária nos termos do caput deste artigo ou até a ocorrência da reunião do conselho de administração, conforme o caso.
§ 3º Ressalvada a hipótese de previsão diversa no estatuto social, caberá ao conselho de administração deliberar, ad referendum, sobre assuntos urgentes de competência da assembleia geral, os quais serão objeto de deliberação na primeira reunião subsequente da assembleia geral.
§ 4º O disposto neste artigo aplica-se às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às subsidiárias das referidas empresas e sociedades.

Possibilidade de a assembleia geral ser realizada de forma digital
Veja a pequena alteração promovida na redação do § 2º do art. 124 da Lei das S.A.:
LEI Nº 6.404/76
Antes
Depois
Art. 124 (...)
§ 2º Salvo motivo de força maior, a assembléia-geral realizar-se-á no edifício onde a companhia tiver a sede; quando houver de efetuar-se em outro, os anúncios indicarão, com clareza, o lugar da reunião, que em nenhum caso poderá realizar-se fora da localidade da sede.
Art. 124 (...)
§ 2º A assembleia geral deverá ser realizada, preferencialmente, no edifício onde a companhia tiver sede ou, por motivo de força maior, em outro lugar, desde que seja no mesmo Município da sede e seja indicado com clareza nos anúncios.

A grande novidade foi a inclusão do §2º-A prevendo a possibilidade de realização de assembleia digital:
§ 2º-A. Sem prejuízo do disposto no § 2º deste artigo, as companhias, abertas e fechadas, poderão realizar assembleia digital, nos termos do regulamento da Comissão de Valores Mobiliários e do órgão competente do Poder Executivo federal, respectivamente.

Possibilidade de o acionista votar à distância na assembleia geral
O art. 121 da Lei da S.A., desde 2011, previa a possibilidade de o acionista da sociedade anônima aberta votar a distância na assembleia geral:
“Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.” (Incluído pela Lei nº 12.431/2011).

Foi incluída essa mesma possibilidade para as companhias fechadas:
Art. 121 (...)
Parágrafo único. Nas companhias, abertas e fechadas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos do regulamento da Comissão de Valores Mobiliários e do órgão competente do Poder Executivo federal, respectivamente.

Dividendos
Dividendo é o valor recebido pelo acionista como participação pelos lucros que a companhia obteve.
Quanto maior o número de ações que o acionista possui, maior será o valor dos dividendos que irá receber.
Uma das finalidades da AGO é deliberar sobre a distribuição dos dividendos.
Conforme explica Sérgio Campinho, o pagamento dos dividendos, em princípio, é anual. Contudo, o art. 204 da Lei das S.A. permite o pagamento de dividendos em períodos menores, o que se denomina “dividendos intermediários” (p. 634)
Como a realização da AGO poderá ser adiada, a MP afirma que o conselho de administração ou a sua diretoria da companhia poderão decidir sobre a distribuição de dividendos intermediários. Confira o art. 2º da Lei:
Art. 2º Até que seja realizada a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 1º desta Lei, o conselho de administração, se houver, ou a diretoria poderá, independentemente de reforma do estatuto social, declarar dividendos, nos termos do art. 204 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Assim, normalmente, os órgãos de administração só podem declarar dividendos intermediários se o estatuto da companhia autorizar (art. 204, § 2º da Lei das S.A.). No entanto, o art. 2º da Lei autorizou que, até a realização da AGO, seja possível que os órgãos de administração declarem dividendos mesmo sem previsão no estatuto social.

Autorização genérica para que a CVM prorrogue os prazos previstos em lei para as companhias abertas
Art. 3º Excepcionalmente, durante o exercício de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poderá prorrogar os prazos estabelecidos na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para as companhias abertas.
Parágrafo único. Competirá à CVM definir a data de apresentação das demonstrações financeiras das companhias abertas.


SOCIEDADES LIMITADAS (CÓDIGO CIVIL)

As sociedades limitadas são regidas pelo Código Civil (arts. 1.052 e seguintes).
O art. 1.078 traz uma regra muito parecida com a da assembleia-geral ordinária das sociedades anônimas. Esse dispositivo prevê que uma vez por ano a sociedade limitada deverá realizar uma assembleia dos sócios para deliberar sobre determinados assuntos:
Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:
I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
II - designar administradores, quando for o caso;
III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

Adiamento do prazo-limite para a realização dessa assembleia de sócios
Assim como fez com a AGO das sociedades anônimas, a Lei nº 14.030/2020 ampliou o prazo-limite para a realização dessa assembleia de sócios da sociedade limitada:
Art. 4º  A sociedade limitada cujo exercício social tenha sido encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia de sócios a que se refere o art. 1.078 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no prazo de 7 (sete) meses, contado do término do seu exercício social.
§ 1º Disposições contratuais que exijam a realização da assembleia de sócios em prazo inferior ao estabelecido no caput deste artigo serão consideradas sem efeito no exercício de 2020.
§ 2º Os mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal previstos para se encerrarem antes da realização da assembleia de sócios nos termos do caput deste artigo ficam prorrogados até a sua realização.

Possibilidade de o sócio votar à distância
Foi incluído o seguinte artigo ao Código Civil:
Art. 1.080-A. O sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou em assembleia, nos termos do regulamento do órgão competente do Poder Executivo federal.
Parágrafo único. A reunião ou a assembleia poderá ser realizada de forma digital, respeitados os direitos legalmente previstos de participação e de manifestação dos sócios e os demais requisitos regulamentares.

SOCIEDADES COOPERATIVAS (LEI 5.764/71) E COOPERATIVAS DE CRÉDITO (LC 130/2009)

Adiamento do prazo-limite para a realização da AGO
As sociedades cooperativas são regidas pela Lei nº 5.764/71.
O art. 44 dessa Lei prevê que as cooperativas possuem o dever de realizar uma assembleia-geral ordinária em até 3 meses após o término do exercício social:
Art. 44. A Assembleia Geral Ordinária, que se realizará anualmente nos 3 (três) primeiros meses após o término do exercício social, deliberará sobre os seguintes assuntos que deverão constar da ordem do dia:
(...)

As cooperativas de crédito são regidas pela LC 130/2009, que prevê a realização da assembleia geral ordinária no prazo de até 4 meses após enceramento do exercício social:
Art. 17. A assembleia geral ordinária das cooperativas de crédito realizar-se-á anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses do exercício social.

A Lei nº 14.030/2020 também prevê o adiamento do prazo de realização da AGO das cooperativas de crédito:
Art. 5º A sociedade cooperativa e a entidade de representação do cooperativismo poderão, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 44 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, ou o art. 17 da Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009, no prazo de 9 (nove) meses, contado do término do seu exercício social.
Parágrafo único. Os mandatos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização e dos outros órgãos estatutários previstos para se encerrarem antes da realização da assembleia geral ordinária nos termos do caput deste artigo ficam prorrogados até a sua realização.

Possibilidade de o associado votar à distância
É incluído o seguinte artigo à Lei nº 5.764/71:
Art. 43-A. O associado poderá participar e votar a distância em reunião ou em assembleia, que poderão ser realizadas em meio digital, nos termos do regulamento do órgão competente do Poder Executivo federal.
Parágrafo único. A assembleia geral poderá ser realizada de forma digital, respeitados os direitos legalmente previstos de participação e de manifestação dos associados e os demais requisitos regulamentares.

ADIAMENTO DO INÍCIO DO PRAZO DE 30 DIAS PARA ARQUIVAMENTO DOS ATOS NAS JUNTAS COMERCIAIS

A Lei nº 8.934/94 prevê que deverão ser arquivados na junta comercial:
• os documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;
• os atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei das S.A.
• os atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil;
• as declarações de microempresa;
• os atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis.

Segundo o art. 36 da Lei nº 8.934/94, esses documentos deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 dias contados de sua assinatura.

Ocorre que as juntas comerciais não estão funcionando normalmente nesse período de pandemia do covid-19.
Diante disso, o art. 6º da Lei prevê que esse prazo de 30 dias somente começará a ser contado quando a junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços.

Além disso, enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das juntas comerciais decorrentes exclusivamente da pandemia da covid-19, a exigência de arquivamento prévio de ato para a realização de emissões de valores mobiliários e para outros negócios jurídicos fica suspensa a partir de 1º de março de 2020 e o arquivamento deverá ser feito na junta comercial respectiva no prazo de trinta dias, contado da data em que a junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços.

OBSERVÂNCIA DAS RESTRIÇÕES
Art. 7º As associações, as fundações e as demais sociedades não abrangidas pelo disposto nos arts. 1º, 4º e 5º desta Lei deverão observar as restrições à realização de reuniões e de assembleias presenciais até 31 de dezembro de 2020, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.
Parágrafo único. Aplicam-se às pessoas jurídicas de direito privado mencionadas no caput deste artigo:
I – a extensão, em até 7 (sete) meses, dos prazos para realização de assembleia geral e de duração do mandato de dirigentes, no que couber;
II – o disposto no art. 5º da Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020.

Vigência
A MP 931/2020 entrou em vigor na data de sua publicação (30/03/2020).
A Lei nº 14.030/2020, por sua vez, entrou em vigor no dia 29/07/2020.




A continuidade do pagamento de pensão alimentícia entre ex-cônjuges deve ser analisada exclusivamente segundo o binômio necessidade/possibilidade?



Imagine a seguinte situação hipotética:
Francisco e Regina eram casados e decidiram se divorciar.
Eles não tiveram filhos.
No acordo de divórcio, celebrado em 2008, ficou combinado que Francisco pagaria 15% de seus vencimentos líquidos a Regina, a título de pensão alimentícia. Não ficou estabelecido termo final para o pagamento.
Na época, Francisco tinha 49 anos e Regina, 47.
Em 2016, Francisco ajuizou ação de exoneração pedindo para deixar de pagar a pensão alimentícia. Argumentou que:
• Regina possui boa escolaridade (ensino superior completo) e tinha plenas condições de conferir novo rumo à vida pós-casamento, especialmente no que tange à sua (re)inserção no mercado de trabalho e obtenção de fonte de renda;
• a requerida não ostenta qualquer necessidade especial que justifique a manutenção do encargo alimentar ajustado há 8 anos com o ex-marido.
Na contestação, Regina afirmou, em síntese, que não houve alteração do binômio necessidade/possibilidade, ou seja, a situação de necessidade da alimentanda é a mesma da época e as possibilidades do alimentante também são iguais. Logo, não há motivo para alteração ou exoneração.

Haverá a exoneração do dever de pagar a pensão alimentícia?
SIM.
Os alimentos devidos entre ex-cônjuges possuem, em regra, caráter excepcional e transitório.
Assim, essa obrigação de alimentar somente pode ser mantida indefinidamente se estiverem presentes particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação. É o caso, por exemplo, da incapacidade laborativa da alimentada, a impossibilidade de (re)inserção no mercado de trabalho ou a impossibilidade de adquirir autonomia financeira.

Nesse sentido, veja a lição de Rolf Madaleno:
(...) em regra, todos os alimentos entre os cônjuges e conviventes são transitórios, especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges e gêneros sexuais, reservada para casos pontuais de real necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco de oportunidades de trabalho, talvez devido a sua idade, ou por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a alimentos quando os filhos ainda são pequenos e dependem da atenção materna.
A obrigação alimentar entre cônjuge é recíproca e está vinculada à efetiva penúria, não mais se presumindo a necessidade da mulher aos alimentos (...) (Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1.024)

Alimentos entre ex-cônjuges devem ser fixados com termo certo
Desse modo, os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ser fixados com termo certo, de acordo com as circunstâncias fáticas, assegurando-se, ao(a) alimentado(a), tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento.

Mas e se não forem fixados com termo certo, como no caso do exemplo acima de Francisco e Regina?
Se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração (total ou parcial) pode ser deferido mesmo que não tenha havido variação no binômio necessidade/possibilidade, desde que fique demonstrado que a pensão já foi paga por tempo suficiente para que o(a) alimentado(a) revertesse a condição desfavorável que detinha no momento da fixação desses alimentos (STJ. 3ª Turma. REsp 1205408/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/06/2011).
Em outras palavras, mesmo tendo se mantido o binômio necessidade/possibilidade, será possível a exoneração (extinção) da obrigação alimentar caso já tenha se passado um período suficiente para que o(a) alimentado(a) possa retomar sua vida por conta própria.

Veja essa interessante ementa:
(...) 2. O fim do casamento deve estimular a independência de vidas e não o ócio, pois não constitui garantia material perpétua.
3. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é regra excepcional que desafia interpretação restritiva, ressalvadas as peculiariedades do caso concreto, tais como a impossibilidade do beneficiário em laborar
ou eventual acometimento de doença invalidante.
4. A obrigação que perdura por quase duas décadas retrata tempo suficiente e razoável para que a alimentanda possa se restabelecer e seguir a vida sem o apoio financeiro do ex-cônjuge.
5. No caso dos autos, não restou demonstrada a plena incapacidade da recorrida para trabalhar, impondo-se a exoneração da obrigação alimentar tendo em vista que há inúmeras atividades laborais compatíveis com a situação de saúde explicitada em atestados médicos, que não impedem todo e qualquer labor.
6. O ordenamento pátrio prevê o dever de solidariedade alimentar decorrente do parentesco (arts. 1.694 e 1.695 do Código Civil), remanescendo à alimentanda a possibilidade de formular novo pedido de alimentos direcionado a seus familiares se de fato ficar demonstrado não possuir condições de prover, parcial ou totalmente, a própria subsistência. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1608413/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/05/2017.

(...) a pensão entre os ex-cônjuges não está limitada somente à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade (explicando melhor: pode a pensão ser extinta mesmo se não tiver havido alteração), devendo ser consideradas outras circunstâncias, como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração.
5. Não se evidenciando hipótese que justifique a perenidade da prestação alimentícia a excetuar a regra da temporalidade do pensionamento entre ex-cônjuges, deve ser mantido o acórdão que acolheu o pedido de exoneração formulado pelo alimentante, porque sua ex-mulher, além de ter recebido pensão por lapso de tempo razoável (três anos) para que buscasse o próprio sustento, possui plena capacidade laborativa e possível inclusão no mercado de trabalho em virtude da graduação de nível superior e da pouca idade, somado ao fato de que não há notícia de que tenha saúde fragilizada que a impossibilite de desempenhar atividade remunerada. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1661127/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/12/2019.

Em suma:
O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é transitório, devendo ser assegurado alimentos apenas durante certo tempo, até que o ex-cônjuge consiga prover o seu sustento com meios próprios.
Assim, ao se analisar se o ex-cônjuge ainda deve continuar recebendo os alimentos, deve-se examinar não apenas o binômio necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/03/2020 (Info 669).

DOD Plus – informações complementares
O que são os alimentos transitórios?
Alimentos transitórios são aqueles fixados por um prazo determinado, após o qual cessa a obrigação de alimentar mesmo que ainda exista necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.
Assim, os alimentos transitórios não obedecem à regra do rebus sic stantibus, sendo estabelecidos em razão de uma causa temporária e específica. Terminado o prazo fixado, cessa a obrigação de alimentar, mesmo que a situação das partes envolvidas permaneça a mesma.
A Min. Nancy Andrighi, precursora a tratar do tema no STJ, explicou em que consiste o instituto:
“alimentos transitórios — de cunho resolúvel — são obrigações prestadas, notadamente entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, em que o credor, em regra pessoa com idade apta para o trabalho, necessita dos alimentos apenas até que se projete determinada condição ou ao final de certo tempo, circunstância em que a obrigação extinguir-se-á automaticamente" (REsp 1.388.955/RS, DJe 29/11/2013).

Em outras palavras, “a obrigação de prestar alimentos transitórios — a tempo certo — é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante — outrora provedor do lar —, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente” (REsp 1.025.769/MG, DJe 01/09/2010).

Os alimentos fixados para o ex-cônjuge devem ser transitórios?
• Regra geral: SIM. Em regra, a pensão alimentícia devida a ex-cônjuge deve ser fixada por tempo determinado.
• Exceção: será cabível a pensão por prazo indeterminado somente quando o alimentado (ex-cônjuge credor) se encontrar em circunstâncias excepcionais, como de incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho.
STJ. 3ª Turma. REsp 1496948-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 3/3/2015 (Info 557).


Alimentos transitórios podem ser executados segundo o rito do art. 528 do CPC/2015 (prisão civil)
Ainda que o valor fixado a título de alimentos transitórios supere o indispensável à garantia de uma vida digna ao alimentando, é adequada a utilização do rito previsto no art. 733 do CPC / art. 528 do CPC 2015 (cujo teor prevê possibilidade de prisão do devedor de alimentos) para a execução de decisão que estabeleça a obrigação em valor elevado, tendo em vista a conduta do alimentante que, após a separação judicial, protela a partilha dos bens que administra, privando o alimentando da posse da parte que lhe cabe no patrimônio do casal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1362113-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/2/2014 (Info 536).

++ (OAB IX 2012 FGV) Henrique e Natália, casados sob o regime de comunhão parcial de bens, decidiram se divorciar após 10 anos de união conjugal. Do relacionamento nasceram Gabriela e Bruno, hoje, com 8 e 6 anos, respectivamente. Enquanto esteve casada, Natália, apesar de ter curso superior completo, ser pessoa jovem e capaz para o trabalho, não exerceu atividade profissional para se dedicar integralmente aos cuidados da casa e dos filhos. Considerando a hipótese acima e as regras atinentes à prestação de alimentos, assinale a afirmativa correta.
A) Uma vez homologado judicialmente o valor da prestação alimentícia devida por Henrique em favor de seus filhos Gabriela e Bruno, no percentual de um salário mínimo para cada um, ocorrendo a constituição de nova família por parte de Henrique, automaticamente será minorado o valor dos alimentos devido aos filhos do primeiro casamento.
B) Henrique poderá opor a impenhorabillidade de sua única casa, por ser bem de família, na hipótese de ser acionado judicialmente para pagar débito alimentar atual aos seus filhos Gabriela e Bruno.
C) Natália poderá pleitear alimentos transitórios e por prazo razoável, se demonstrar sua dificuldade em ingressar no mercado de trabalho em razão do longo período que permaneceu afastada do desempenho de suas atividades profissionais para se dedicar integralmente aos cuidados do lar.
D) Caso Natália descubra, após dois meses de separação de fato, que espera um filho de Henrique, serão devidos alimentos gravídicos até o nascimento da criança, pois após este fato a obrigação alimentar somente será exigida em ação judicial própria.


Gabarito: Letra C


terça-feira, 28 de julho de 2020

Alguns aspectos relevantes sobre a Súmula Vinculante 24



Crime material contra a ordem tributária e consumação
A Lei nº 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária.
O art. 1º prevê o delito de sonegação fiscal, que é um crime tributário MATERIAL (com exceção do inciso V, que é formal). Confira a redação do tipo:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Quando se consuma o crime tributário material?
O crime tributário material somente se consuma quando houver a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV 24-STF:
Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

No mesmo sentido é o entendimento do STJ, do MPF e do TRF4:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 5: A constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente à tipificação das condutas previstas no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90, conforme a súmula vinculante n. 24/STF.

Enunciado nº 79 da 2ªCCR/MPF
Considerando os efeitos da Súmula Vinculante nº 24 do STF, em regra, o oferecimento de denúncia por crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990, art. 1º, incisos I a IV), de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A) ou de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A) depende do término do procedimento administrativo e da consequente constituição definitiva do crédito tributário, indispensável condição de procedibilidade.

Súmula nº 78 do TRF4
A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1ª da Lei nº 8.137/90.

(Promotor de Justiça Substituto MPE/PI 2019 CEBRASPE) A empresa DEF Ltda. recebeu auto de infração no valor de R$ 250 mil no qual, além de ser cobrado o principal do imposto devido e os juros, também foi aplicada multa agravada, em razão de ter a fiscalização apurado a ocorrência de omissão proposital de informação, além de prestação falsa de declaração às autoridades fazendá­rias, com a finalidade de reduzir o valor do tributo devido. Da lavratura do auto de infração foi dada imediata ciência ao Ministério Público, via representação, para eventual proposição de denúncia na esfera criminal. Caso a empresa venha a recorrer administrativamente do auto de infração, não estará tipificado o crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. (certo)

 (Promotor de Justiça Substituto MP/RR 2017 CESPE) João, prestador de serviços, trabalha como MEI na forma da Lei Complementar n.º 123/2006 (SIMPLES Nacional). Nessa qualidade, com o propósito de recolher menos tributo, ele informou à RFB ter recebido, no exercício de 2016, a receita bruta de R$ 50.000, mas a RFB constatou que sua receita bruta real nesse exercício havia sido de R$ 120.000. Ante a existência de provas suficientes desses fatos, a conduta de João foi tipificada como dolosa. A conduta de João poderá ser tipificada como crime contra a ordem tributária somente após o lançamento definitivo do tributo em exame. (certo)

 (Juiz Substituto TJ/SE 2015 FCC) Para que seja possível ação penal que tenha por objeto crime contra a ordem tributária é necessário que tenha havido completo exaurimento do procedimento administrativo que decida pela existência fiscal do crédito tributário. (certo)

 (Juiz TJ/SP 2014 VUNESP) Acerca de crime contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/90 (constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: …), , assinale a opção que contenha afirmação falsa: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto nestas hipóteses, antes do lançamento definitivo do tributo. (certo)

Termo inicial da prescrição penal
Como antes da constituição definitiva do crédito tributário ainda não existe crime, somente com o lançamento definitivo é que se inicia a contagem do prazo de prescrição.
Assim, a fluência do prazo prescricional dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, somente tem início após a constituição do crédito tributário, o que se dá com o encerramento do procedimento administrativo-fiscal e o lançamento definitivo (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014).
No caso do inciso V, por se tratar de crime formal, não se exige a constituição definitiva do crédito tributário para início da prescrição.

Delitos para os quais não se exige constituição definitiva do crédito tributário
Importante deixar claro que a SV 24-STF não se aplica para os seguintes delitos:
• Art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/90.
• Art. 2º, incisos I, III e IV. Em relação ao inciso II, que trata da apropriação indébita de tributos, há divergência.
• Descaminho (art. 334 do CP).

A SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição?

De quando é a SV 24-STF?
A súmula foi publicada no DJe de 11/12/2009.

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1998, João suprimiu imposto de renda prestando declaração falsa às autoridades fazendárias.
O processo administrativo-fiscal ficou se arrastando durante anos e somente em 2010 houve a constituição definitiva do crédito tributário.
No mesmo ano, o MPF denunciou o réu pelo crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.
Em 2011, ele foi condenado a 2 anos de reclusão, tendo havido o trânsito em julgado.

A defesa alegou, então, uma interessante tese:
A SV 24-STF diz que o crime tributário material só se consuma com o lançamento definitivo do tributo. Em outras palavras, não existe crime antes da constituição definitiva do crédito tributário. Logo, indiretamente, a SV afirma que o prazo prescricional só começa a ser contado no dia da constituição definitiva do crédito tributário já que é nessa data que o delito se consuma (art. 111, I, do CP).
Perceba, portanto, que sob o ponto de vista da prescrição, a SV 24-STF é prejudicial para o réu porque mesmo ele tendo praticado a conduta anos antes, o prazo prescricional nem começou a correr se ainda não houve constituição definitiva do crédito tributário. Fica assim mais difícil de o agente escapar da prescrição. O Estado-acusação acaba “ganhando” mais tempo para oferecer a denúncia antes que o crime prescreva.
Desse modo, a defesa de João alegou que a SV 24-STF, por ser mais gravosa ao réu, não poderia retroagir para ser aplicada a fatos anteriores à sua edição, sob pena de isso ser considerado aplicação retroativa “in malam partem”. Ora, João praticou a sonegação em 1998 e a SV 24-STF somente foi publicada em 2009, de forma que não poderia ser aplicada para este caso. Como ainda não havia a SV, deveria ser considerado o início da prescrição em 1998.

A tese da defesa foi aceita? É proibido aplicar a SV 24-STF para fatos anteriores à sua edição?
NÃO. A tese não foi aceita.
A SV 24-STF pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.
Não se pode concordar com o argumento de que a aplicação da SV 24-STF a fatos anteriores à sua edição configura retroatividade “in malam partem”. Isso porque o aludido enunciado apenas consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria.
A súmula vinculante não é lei nem ato normativo, de forma que a SV 24-STF não inovou no ordenamento jurídico. O enunciado apenas espelhou (demonstrou) o que a jurisprudência já vinha decidindo.
Como exemplo disso, o Min. Dias Toffoli citou o HC 85.051/MG, julgado em 2005 (bem antes da SV 24), no qual o STF já afirmava que a prescrição dos crimes tributários materiais somente se inicia com o lançamento definitivo:
(...) a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. (...)
STF. 2ª Turma. HC 85051, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/06/2005.

Assim, a SV pode ser aplicada aos crimes cometidos antes da sua vigência, tendo em vista que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial.
Foi o que decidiu o STF:
Não prospera a tese de que a observância do enunciado da Súmula Vinculante nº 24 importaria interpretação judicial mais gravosa da lei de regência. A SV 24 é mera consolidação da jurisprudência do STF, que, mesmo antes da sua edição, já tinha julgados afirmando que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição.
Assim, a SV 24 pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.
STF. 1ª Turma. RHC 122774/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/5/2015 (Info 786).

O STJ também comunga do mesmo entendimento:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 6: É possível a aplicação da súmula vinculante n. 24/STF a fatos ocorridos antes da sua publicação por se tratar de consolidação da interpretação jurisprudencial e não de caso de retroatividade da lei penal mais gravosa.

 (Defensor Público Substituto DPE/RO 2017 VUNESP) A Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1°, incisos I a IV, da Lei n° 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”, não pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. (errado)

Mitigação da SV 24
Excepcionalmente, a jurisprudência admite a mitigação da SV 24-STF em duas situações:
• nos casos de embaraço à fiscalização tributária; ou
• diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal:

Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24 (...)
Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal.
STF. 1ª Turma. ARE 936653 AgR, Rel. Min Roberto Barroso, julgado em 24/05/2016.

A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 551.422/PI, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/06/2020.

++ (Promotor de Justiça MPE/SE 2010 CESPE) Em recente decisão, o STF entendeu que é possível a instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do processo administrativo-fiscal, quando isso for imprescindível para viabilizar a fiscalização. (certo)



segunda-feira, 27 de julho de 2020

Nova edição do Vade Mecum de Jurisprudência


Olá, amigos do Dizer o Direito,

Com muita alegria informo o lançamento da nova edição do Vade Mecum de Jurisprudência.

O livro traz a compilação dos informativos resumidos divulgados no site, com linguagem direta e acessível, a fim de facilitar o aprendizado e servir como ferramenta de consulta rápida e segura.

Estão dispostos os informativos referentes aos anos de 2015 a 2020 (1º semestre),  considerando que o conteúdo desse período é o que tem maior probabilidade de ser cobrado nas provas de concurso.

Importante esclarecer que, antes de ser feita a compilação, os julgados foram novamente analisados e, aqueles superados, foram excluídos do livro. A obra abrange os resumos dos julgados, com a síntese das decisões.

Além daqueles divulgados em informativos, constam no livro alguns outros julgados interessantes à compreensão da matéria a fim de deixar a compilação mais completa.

A partir desta edição, há uma grande novidade. A obra passa a contar com os enunciados divulgados no Jurisprudência em Teses do STJ, publicação periódica feita pela Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que apresenta um conjunto de teses que reflete o entendimento do Tribunal em diversas matérias.

Trata-se de obra imprescindível não apenas para os que estudam para concursos públicos, como também para os profissionais que precisam estar constantemente atualizados.

Clique AQUI para ler uma amostra do livro.

Clique AQUI para ser direcionado ao site de compra da editora.






sexta-feira, 24 de julho de 2020

Lei 14.026/2020: novo marco regulatório do saneamento básico



A Lei nº 14.026/2020 é o novo marco regulatório do saneamento básico.

Trata-se de lei com diversos aspectos técnicos de grande importância prática, mas baixa relevância para concursos públicos.

Preparei um resumo dos pontos que podem ser eventualmente explorados em provas de concurso. Veja abaixo:

Alterações na Lei nº 11.445/2007
A Lei nº 11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico.
A Lei nº 14.026/2020 promoveu diversas alterações na Lei nº 11.445/2007.
Irei destacar abaixo aquelas que são mais relevantes para fins de concurso público.

Concessão dos serviços de saneamento básico
A prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do art. 175 da Constituição Federal, vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.

Conteúdo mínimos dos contratos
Os contratos relativos à prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão conter, expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais previstas no art. 23 da Lei nº 8.987/95, além das seguintes disposições:
I - metas de expansão dos serviços, de redução de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, do reúso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas de chuva, em conformidade com os serviços a serem prestados;
II - possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como as provenientes de projetos associados, incluindo, entre outras, a alienação e o uso de efluentes sanitários para a produção de água de reúso, com possibilidade de as receitas serem compartilhadas entre o contratante e o contratado, caso aplicável;
III - metodologia de cálculo de eventual indenização relativa aos bens reversíveis não amortizados por ocasião da extinção do contrato; e
IV - repartição de riscos entre as partes, incluindo os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.

Os contratos que envolvem a prestação dos serviços públicos de saneamento básico poderão prever mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes do contrato ou a ele relacionadas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307/96.

Possibilidade de subdelegação
Na hipótese de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por meio de contrato, o prestador de serviços poderá, além de realizar licitação e contratação de parceria público-privada (Lei nº 11.079/2004, e desde que haja previsão contratual ou autorização expressa do titular dos serviços, subdelegar o objeto contratado, observado, para a referida subdelegação, o limite de 25% do valor do contrato.
A subdelegação fica condicionada à comprovação técnica, por parte do prestador de serviços, do benefício em termos de eficiência e qualidade dos serviços públicos de saneamento básico.
Os contratos de subdelegação serão precedidos de procedimento licitatório.
Para a observância do princípio da modicidade tarifária aos usuários e aos consumidores, ficam vedadas subconcessões ou subdelegações que impliquem sobreposição de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário final.

Metas de universalização
Os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento, até 31/12/2033, de:
• 99% da população com água potável; e de
• 90% da população com coleta e tratamento de esgotos.

Assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.

Regulação
Os serviços públicos de saneamento básico serão regulados pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que possui natureza jurídica de autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional e integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh).
A ANA possui:
• autonomia administrativa, orçamentária e financeira; e
• independência decisória.

A função de regulação, desempenhada pela ANA, deverá atender aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões.

Delegação da regulação
A regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico poderá ser delegada pelos titulares a qualquer entidade reguladora, e o ato de delegação explicitará a forma de atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas.
O titular poderá optar por aderir a uma agência reguladora em outro Estado da Federação nos casos em que:
I - não exista no Estado do titular agência reguladora constituída que tenha aderido às normas de referência da ANA;
II - seja dada prioridade, entre as agências reguladoras qualificadas, àquela mais próxima à localidade do titular; e
III - haja anuência da agência reguladora escolhida, que poderá cobrar uma taxa de regulação diferenciada, de acordo com a distância de seu Estado.

Selecionada a agência reguladora mediante contrato de prestação de serviços, ela não poderá ser alterada até o encerramento contratual, salvo se deixar de adotar as normas de referência da ANA ou se estabelecido de acordo com o prestador de serviços.

Remuneração
Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços.
Além disso, quando necessário, poderão ser instituídas outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções.
É vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário, nos seguintes serviços:
I - de abastecimento de água e esgotamento sanitário, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou para ambos, conjuntamente;
II - de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, conforme o regime de prestação do serviço ou das suas atividades; e
III - de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, na forma de tributos, inclusive taxas, ou tarifas e outros preços públicos, em conformidade com o regime de prestação do serviço ou das suas atividades.

Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários que não tenham capacidade de pagamento suficiente para cobrir o custo integral dos serviços.

Novos condomínios deverão adotar medição individualizada do consumo
As novas edificações condominiais adotarão padrões de sustentabilidade ambiental que incluam, entre outros procedimentos, a medição individualizada do consumo hídrico por unidade imobiliária, nos termos da Lei nº 13.312/2016.
Os prédios, edifícios e condomínios que foram construídos sem a individualização da medição até a entrada em vigor da Lei nº 13.312/2016, ou em que a individualização for inviável, pela onerosidade ou por razão técnica, poderão instrumentalizar contratos especiais com os prestadores de serviços, nos quais serão estabelecidos as responsabilidades, os critérios de rateio e a forma de cobrança.

Edificações urbanas pagarão taxas, tarifas e outros preços públicos, mesmo que não utilizem a rede
As edificações permanentes urbanas serão conectadas às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeitas ao pagamento de taxas, tarifas e outros preços públicos decorrentes da disponibilização e da manutenção da infraestrutura e do uso desses serviços.
Quando disponibilizada rede pública de esgotamento sanitário, o usuário estará sujeito aos pagamentos, sendo-lhe assegurada a cobrança de um valor mínimo de utilização dos serviços, ainda que a sua edificação não esteja conectada à rede pública.

Vigência
A Lei n. 14.026/2020 entrou em vigor na data de sua publicação (16/07/2020).




Dizer o Direito!