O que é
medida provisória?
Medida
provisória é um ato normativo editado pelo Presidente da República, em
situações de relevância e urgência, e que tem força de lei, ou seja, é como se
fosse uma lei ordinária, com a diferença de que ainda será votada pelo
Congresso Nacional, podendo ser aprovada (quando, então, é convertida em lei)
ou rejeitada (situação em que deixará de existir).
As regras
sobre as medidas provisórias estão previstas no art. 62 da CF/88.
Como
funciona
O Presidente da
República, sozinho, edita a MP e, desde o momento em que ela é publicada no
Diário Oficial, já passa a produzir efeitos como se fosse lei.
Esta MP é,
então, enviada ao Congresso Nacional.
Ali chegando,
ela é submetida inicialmente à uma comissão mista de Deputados e Senadores, que
irão examiná-la e sobre ela emitir um parecer (art. 62, § 9º).
Depois, a MP
será votada primeiro pelo plenário da Câmara dos Deputados (art. 62, § 8º) e,
se for aprovada, seguirá para votação no plenário do Senado Federal.
Caso seja
aprovada no plenário das duas Casas, esta MP é convertida em lei.
Se o Congresso
Nacional entender que a medida provisória é inconstitucional, o que ele deverá fazer?
A medida provisória deverá ser
votada e rejeitada.
Existe a possibilidade de o
Congresso Nacional DEVOLVER a medida provisória ao Presidente da República sem
que ela seja sequer votada alegando que é inconstitucional?
Essa possibilidade não está
prevista no texto da Constituição Federal, mas já aconteceu em algumas
hipóteses.
Foi construída a tese de que, em
se tratando de medida provisória flagrantemente inconstitucional, é possível que
o Presidente do Congresso Nacional simplesmente devolva a MP ao Presidente da
República. A autorização para isso estaria no art. 48, XI, do Regimento Interno
do Senado:
Art. 48. Ao Presidente compete:
(...)
XI - impugnar as proposições que lhe
pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este
Regimento, ressalvado ao autor recurso
para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania;
Assim, essa medida provisória nem
chega a ser analisada pela comissão mista de Deputados e Senadores nem votada
pelo plenário. É como se ela fosse liminarmente rejeitada.
Caso da MP 66/2020
No último dia 12 de junho, o Presidente
do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, devolveu ao Presidente da República
uma medida provisória que havia sido editada dois dias antes.
Trata-se da Medida Provisória nº 979/2020,
que autorizava que o Ministro da Educação designasse, temporariamente, reitores
para as universidades federais e institutos federais caso os mandatos dos
atuais se encerrasse e não fosse possível a realização de eleições com a
comunidade acadêmica em razão da pandemia da covid-19.
O mandato desses reitores pro
tempore iria durar até o tempo necessário para que fosse feita a escolha
dos novos dirigentes pela comunidade acadêmica.
Assim, esses reitores escolhidos
pelos Ministros teriam uma espécie de “mandato-tampão”.
Vale ressaltar que a lei
atualmente prevê que a comunidade acadêmica (docentes, servidores e alunos) vota
nos candidatos ao cargo de reitor, sendo elaborada uma lista tríplice que é
encaminhada ao Presidente da República para a escolha de um nome (Lei nº
5.540/68).
O Presidente do Congresso
entendeu que essa MP é inconstitucional por violar a autonomia administrativa
das universidades cabendo à comunidade acadêmica escolher seus dirigentes.
A MP, ao permitir que o Ministro
da Educação escolhesse os reitores, mesmo que para um mandato-tampão, afrontou
o art. 206, VI e o art. 207, da CF/88:
Art. 206. O ensino será ministrado com
base nos seguintes princípios:
(...)
VI - gestão democrática do ensino
público, na forma da lei;
Art. 207. As universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.
Diante disso, o Presidente do
Congresso devolveu esta MP ao Presidente da República. Confira:
O PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO
NACIONAL:
CONSIDERANDO as prerrogativas
previstas no art. 48, inciso XI, do Regimento Interno do Senado Federal, que o
atribui ao Presidente o dever deimpugnar as proposições contrárias à
Constituição, às leis ou ao Regimento;
CONSIDERANDO o disposto no art. 206,
inciso VI, e no art. 207 do texto originário da Constituição da República
Federativa do Brasil, que garantegestão democrática do ensino públicoeautonomia
administrativaàs universidades;
FAZ SABER que foi encaminhada ao
Excelentíssimo Senhor Presidente da República a Mensagem n° 40 (CN), de 12 de
junho de 2020, quedevolve a Medida Provisória n° 979, de 2020,que "Dispõe
sobre a designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de
ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente da pandemia da covid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020", e declara o encerramento de sua tramitação no
Congresso Nacional.
Congresso Nacional, 12 de junho de
2020
Senador DAVI ALCOLUMBRE
Presidente da Mesa do Congresso
Nacional
MP 979/2020 foi revogada
Vale ressaltar que, no mesmo dia
12 de junho, o Presidente da República editou a MP 981/2020 revogando a MP
979/2020.
Foi a primeira vez que isso
ocorreu?
NÃO. Segundo informa o site da Câmara
dos Deputados (Agência Câmara de Notícias) a devolução de medidas provisórias
pelo Presidente do Congresso já ocorreu em outras ocasiões:
• MP 33/89 (editada pelo
Presidente José Sarney): exonerava, a partir de 1º de março de 1989, os servidores
da administração federal admitidos sem concurso público e que não tinham
adquirido estabilidade. A MP foi devolvida pelo presidente do Senado em
exercício, Senador José Ignacio Ferreira, que a considerou “flagrantemente
inconstitucional” com o argumento de que a demissão de servidores não estáveis,
por se tratar de mero ato administrativo, não requeria a manifestação do Poder
Legislativo.
• MP 446/2008 (editada pelo
Presidente Lula): alterava as regras para concessão e renovação do Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social. Foi devolvida pelo Senador
Garibaldi Alves sob o argumento de que não estavam presentes os requisitos de
urgência e relevância.
• MP 669/2015 (editada pela Presidente
Dilma Rousseff): definia regras sobre a desoneração da folha de pagamento das
empresas. O Presidente do Congresso Renan Calheiros argumentou à época que
“aumentar impostos por medida provisória” e "sem a mínima discussão com o
Congresso Nacional, é apequenar o Parlamento, é diminuir e desrespeitar suas
prerrogativas institucionais e o próprio Estado Democrático de Direito”.
Vale ressaltar que essa devolução
da medida provisória é tida como um ato político, com alta carga simbólica e,
nas vezes em que ocorreu, não enfrentou resistência do chefe do Poder
Executivo. Em razão disso, o STF nunca foi chamado a se manifestar sobre a
constitucionalidade desse procedimento.