Dizer o Direito

sábado, 13 de junho de 2020

Uma medida provisória pode ser devolvida pelo Congresso Nacional ao Presidente da República?



O que é medida provisória?
Medida provisória é um ato normativo editado pelo Presidente da República, em situações de relevância e urgência, e que tem força de lei, ou seja, é como se fosse uma lei ordinária, com a diferença de que ainda será votada pelo Congresso Nacional, podendo ser aprovada (quando, então, é convertida em lei) ou rejeitada (situação em que deixará de existir).
As regras sobre as medidas provisórias estão previstas no art. 62 da CF/88.

Como funciona
O Presidente da República, sozinho, edita a MP e, desde o momento em que ela é publicada no Diário Oficial, já passa a produzir efeitos como se fosse lei.
Esta MP é, então, enviada ao Congresso Nacional.
Ali chegando, ela é submetida inicialmente à uma comissão mista de Deputados e Senadores, que irão examiná-la e sobre ela emitir um parecer (art. 62, § 9º).
Depois, a MP será votada primeiro pelo plenário da Câmara dos Deputados (art. 62, § 8º) e, se for aprovada, seguirá para votação no plenário do Senado Federal.
Caso seja aprovada no plenário das duas Casas, esta MP é convertida em lei.

Se o Congresso Nacional entender que a medida provisória é inconstitucional, o que ele deverá fazer?
A medida provisória deverá ser votada e rejeitada.

Existe a possibilidade de o Congresso Nacional DEVOLVER a medida provisória ao Presidente da República sem que ela seja sequer votada alegando que é inconstitucional?
Essa possibilidade não está prevista no texto da Constituição Federal, mas já aconteceu em algumas hipóteses.
Foi construída a tese de que, em se tratando de medida provisória flagrantemente inconstitucional, é possível que o Presidente do Congresso Nacional simplesmente devolva a MP ao Presidente da República. A autorização para isso estaria no art. 48, XI, do Regimento Interno do Senado:
Art. 48. Ao Presidente compete:
(...)
XI - impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este
Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania;

Assim, essa medida provisória nem chega a ser analisada pela comissão mista de Deputados e Senadores nem votada pelo plenário. É como se ela fosse liminarmente rejeitada.

Caso da MP 66/2020
No último dia 12 de junho, o Presidente do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, devolveu ao Presidente da República uma medida provisória que havia sido editada dois dias antes.
Trata-se da Medida Provisória nº 979/2020, que autorizava que o Ministro da Educação designasse, temporariamente, reitores para as universidades federais e institutos federais caso os mandatos dos atuais se encerrasse e não fosse possível a realização de eleições com a comunidade acadêmica em razão da pandemia da covid-19.
O mandato desses reitores pro tempore iria durar até o tempo necessário para que fosse feita a escolha dos novos dirigentes pela comunidade acadêmica.
Assim, esses reitores escolhidos pelos Ministros teriam uma espécie de “mandato-tampão”.
Vale ressaltar que a lei atualmente prevê que a comunidade acadêmica (docentes, servidores e alunos) vota nos candidatos ao cargo de reitor, sendo elaborada uma lista tríplice que é encaminhada ao Presidente da República para a escolha de um nome (Lei nº 5.540/68).
O Presidente do Congresso entendeu que essa MP é inconstitucional por violar a autonomia administrativa das universidades cabendo à comunidade acadêmica escolher seus dirigentes.
A MP, ao permitir que o Ministro da Educação escolhesse os reitores, mesmo que para um mandato-tampão, afrontou o art. 206, VI e o art. 207, da CF/88:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Diante disso, o Presidente do Congresso devolveu esta MP ao Presidente da República. Confira:

O PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL:

CONSIDERANDO as prerrogativas previstas no art. 48, inciso XI, do Regimento Interno do Senado Federal, que o atribui ao Presidente o dever deimpugnar as proposições contrárias à Constituição, às leis ou ao Regimento;

CONSIDERANDO o disposto no art. 206, inciso VI, e no art. 207 do texto originário da Constituição da República Federativa do Brasil, que garantegestão democrática do ensino públicoeautonomia administrativaàs universidades;

FAZ SABER que foi encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a Mensagem n° 40 (CN), de 12 de junho de 2020, quedevolve a Medida Provisória n° 979, de 2020,que "Dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020", e declara o encerramento de sua tramitação no Congresso Nacional.

Congresso Nacional, 12 de junho de 2020

Senador DAVI ALCOLUMBRE
Presidente da Mesa do Congresso Nacional

MP 979/2020 foi revogada
Vale ressaltar que, no mesmo dia 12 de junho, o Presidente da República editou a MP 981/2020 revogando a MP 979/2020.

Foi a primeira vez que isso ocorreu?
NÃO. Segundo informa o site da Câmara dos Deputados (Agência Câmara de Notícias) a devolução de medidas provisórias pelo Presidente do Congresso já ocorreu em outras ocasiões:
• MP 33/89 (editada pelo Presidente José Sarney): exonerava, a partir de 1º de março de 1989, os servidores da administração federal admitidos sem concurso público e que não tinham adquirido estabilidade. A MP foi devolvida pelo presidente do Senado em exercício, Senador José Ignacio Ferreira, que a considerou “flagrantemente inconstitucional” com o argumento de que a demissão de servidores não estáveis, por se tratar de mero ato administrativo, não requeria a manifestação do Poder Legislativo.
• MP 446/2008 (editada pelo Presidente Lula): alterava as regras para concessão e renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social. Foi devolvida pelo Senador Garibaldi Alves sob o argumento de que não estavam presentes os requisitos de urgência e relevância.
• MP 669/2015 (editada pela Presidente Dilma Rousseff): definia regras sobre a desoneração da folha de pagamento das empresas. O Presidente do Congresso Renan Calheiros argumentou à época que “aumentar impostos por medida provisória” e "sem a mínima discussão com o Congresso Nacional, é apequenar o Parlamento, é diminuir e desrespeitar suas prerrogativas institucionais e o próprio Estado Democrático de Direito”.

Vale ressaltar que essa devolução da medida provisória é tida como um ato político, com alta carga simbólica e, nas vezes em que ocorreu, não enfrentou resistência do chefe do Poder Executivo. Em razão disso, o STF nunca foi chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade desse procedimento.





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