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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Norma estadual pode conferir autonomia para a PGE?



PGE e previsão na Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 tratou sobre a Procuradoria Geral do Estado (ou do DF) em seu art. 132:
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Constituição Estadual ou lei estadual poderá conferir autonomia para a PGE? Imagine que norma estadual preveja que “são princípios institucionais da Procuradoria-Geral do Estado a unidade, a indivisibilidade, a autonomia funcional, administrativa e financeira”. Essa previsão é válida?
NÃO. Essa previsão é inconstitucional porque viola o modelo definido pela Constituição Federal:
As Procuradorias de Estado, por integrarem os respectivos Poderes Executivos, não gozam de autonomia funcional, administrativa ou financeira, uma vez que a administração direta é una e não comporta a criação de distinções entre órgãos em hipóteses não contempladas explícita ou implicitamente pela Constituição Federal.
STF. Plenário. ADI 5029, Rel. Luiz Fux, julgado em 15/04/2020.

Como a norma estadual não pode conceder autonomia financeira para a PGE, o STF julgou inconstitucional as seguintes previsões da Lei complementar nº 111/2002, do Estado do Mato Grosso:
Art. 1º (…)
Parágrafo único. São princípios institucionais da ProcuradoriaGeral do Estado a unidade, a indivisibilidade, a autonomia funcional, administrativa e financeira.

Art. 2º À Procuradoria-Geral do Estado compete:
(…)
VI - elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e receber, aprazadamente, os correspondentes duodécimos ou quotas orçamentárias mensais;

“Emprestar à advocacia pública a autonomia típica do Ministério Público implica, pois, o desvirtuamento da configuração jurídica fixada pelo texto constitucional para as Procuradorias estaduais, em patente desrespeito à Carta da República” (STF. Plenário. ADI 470, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 1/7/2002).
Norma estadual pode estabelecer que os Procuradores do Estado gozam de independência funcional?
NÃO.
A Procuradoria-Geral do Estado é o órgão constitucional e permanente ao qual se confiou o exercício da advocacia (representação judicial e consultoria jurídica) do Estado-membro (CF/88, art. 132).
A parcialidade é inerente às suas funções, sendo, por isso, inadequado cogitar-se independência funcional, nos moldes da Magistratura, do Ministério Público ou da Defensoria Pública (art. 95, II; art. 128, § 5º, I, b; e art. 134, § 1º, da CF/88).
STF. Plenário. ADI 1246, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/04/2019.

Norma estadual, ao tratar sobre as prerrogativas dos Procuradores do Estado, poderá prever que eles gozam de inamovibilidade?
NÃO.
A garantia da inamovibilidade conferida pela Constituição Federal aos magistrados, aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública (artigos 93, VIII; 95, II; 128, § 5º, b; e 134, parágrafo único) não pode ser estendida aos procuradores de estado.
Os princípios institucionais e as prerrogativas funcionais do Ministério Público e da Defensoria Pública não podem ser estendidos às Procuradorias de Estado, porquanto as atribuições dos procuradores de estado – sujeitos que estão à hierarquia administrativa – não guardam pertinência com as funções conferidas aos membros daquelas outras instituições.
STF. Plenário. ADI 5029, Rel. Luiz Fux, julgado em 15/04/2020.

Mas se um Procurador do Estado foi removido por um ato arbitrário...?
Será perfeitamente possível discutir a invalidade judicial desse ato de remoção. O que o STF afirmou foi apenas que não é permitido que norma estadual preveja uma regra abstrata e geral de inamovibilidade para os Procuradores do Estado. Casos pontuais de remoção arbitrária poderão ser normalmente questionados:
A garantia da inamovibilidade é instrumental à independência funcional, sendo, dessa forma, insuscetível de extensão a uma carreira cujas funções podem envolver relativa parcialidade e afinidade de ideias, dentro da instituição e em relação à Chefia do Poder Executivo, sem prejuízo da invalidação de atos de remoção arbitrários ou caprichosos.
STF. Plenário. ADI 1246, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/4/2019.

Um dos argumentos que se invoca para se defender a validade dessas normas estaduais é o de que os Estados-membros possuem autonomia para se auto-organizarem (art. 25 da CF/88). Esse argumento é acolhido pelo STF?
NÃO.
A autonomia conferida aos Estados-membros pelo art. 25, caput, da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória.
STF. Plenário. ADI 5029, Rel. Luiz Fux, julgado em 15/04/2020.

Isso significa que, mesmo havendo a possibilidade de os Estados-membros se auto-organizarem, eles não podem afrontar os modelos estabelecidos pela Constituição Federal.

Veja precedente mais antigo no mesmo sentido:

A Constituição do Estado do Mato Grosso, ao condicionar a destituição do Procurador-Geral do Estado à autorização da Assembleia Legislativa, ofende o disposto no art. 84, XXV e art. 131, § 1º da CF/88. Compete ao Chefe do Executivo dispor sobre as matérias exclusivas de sua iniciativa, não podendo tal prerrogativa ser estendida ao Procurador-Geral do Estado.
A Constituição Estadual não pode impedir que o Chefe do Poder Executivo interfira na atuação dos Procurados do Estado, seus subordinados hierárquicos.
É inconstitucional norma que atribui à Procuradoria-Geral do Estado autonomia funcional e administrativa, dado o princípio da hierarquia que informa a atuação dos servidores da Administração Pública.
O cargo de Procurador Geral do Estado é de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, que pode escolher o Procurador Geral entre membros da carreira ou não.
A garantia da inamovibilidade é conferida pela Constituição Federal apenas aos Magistrados, aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública, não podendo ser estendida aos Procuradores do Estado.
A autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória.
STF. Plenário. ADI 291, Rel. Joaquim Barbosa, julgado em 07/04/2010.



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