Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, advogado, encontra-se há quatro
anos sem pagar a anuidade devida a OAB.
Diante disso, houve uma representação
contra ele no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.
O TED instaurou
processo disciplinar por inadimplência de anuidade e condenou o advogado pela
infração disciplinar do art. 34, XXIII, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):
Art. 34. Constitui infração
disciplinar:
(...)
XXIII - deixar de pagar as
contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente
notificado a fazê-lo;
O TED aplicou,
em desfavor do advogado, a sanção de suspensão, prevista no art. 37, I, da Lei nº
8.906/94:
Art. 37. A suspensão é aplicável nos
casos de:
I - infrações definidas nos incisos
XVII a XXV do art. 34;
(...)
O que significa isso? O que
representa essa sanção de suspensão?
Significa que esse advogado não
poderá exercer a advocacia no período em que estiver suspenso.
Essa suspensão perdurará até que o
advogado pague as anuidades em atraso, inclusive com correção monetária.
É o que
preconizam os §§ 1º e 2º do art. 37 do Estatuto da OAB:
Art. 37 (...)
§ 1º A suspensão acarreta ao infrator a
interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo
de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização
previstos neste capítulo.
§ 2º Nas hipóteses dos incisos XXI e
XXIII do art. 34, a suspensão perdura até que satisfaça integralmente a dívida,
inclusive com correção monetária.
João
ajuizou ação, na Justiça Federal, contra a OAB argumentando que essa suspensão seria
inconstitucional porque violaria o livre exercício profissional (art. 5º, XIII,
da CF/88).
O STF concordou com os
argumentos de João? Essa previsão é inconstitucional?
SIM. A suspensão do exercício
profissional em virtude de inadimplência da anuidade traduz-se em sanção
política, medida que é rechaçada pela jurisprudência do STF.
O que é sanção política?
Os tributos em atraso devem ser
cobrados pelos meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento
tributário, protesto de CDA) legalmente previstos. Existem, portanto, instrumentos
legais para satisfazer os créditos tributários.
Justamente por isso, não se pode
fazer a cobrança de tributos por meios indiretos, impedindo, cerceando ou
dificultando a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor.
Quando isso ocorre, a jurisprudência afirma que foram aplicadas “sanções
políticas”, ou seja, formas “enviesadas de constranger o contribuinte, por vias
oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão
de mercadorias, não liberação de documentos, interdição de estabelecimentos.
A cobrança do tributo por vias
oblíquas (sanções políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:
Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento
como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como
meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o
contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas
e exerça suas atividades profissionais.
Súmula 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de
veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.
Desse modo, a orientação jurisprudencial
do STF e do STJ é a de que não se pode adotar sanções políticas, que se caracterizam
pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o
exercício da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento
de tributos em atraso.
Nas palavras
do Min. Edson Fachin:
“As sanções
políticas consistem em restrições estatais no exercício da atividade tributante
que culminam por inviabilizar injustificadamente o exercício pleno de atividade
econômica ou profissional pelo sujeito passivo de obrigação tributária, logo
representam afronta aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do
devido processo legal substantivo.”
O conceito de sanção
política fala em cobrança de “tributos” por vias oblíquas... mas, no caso concreto,
está sendo discutida a cobrança de anuidades da OAB... a anuidade da OAB tem
natureza jurídica de tributo?
SIM. O STF entende que a anualidade
(anuidade) é considerada tributo, sendo classificada como contribuição profissional
ou corporativa:
O entendimento iterativo do STF é na direção de as anuidades
cobradas pelos conselhos profissionais caracterizarem-se como tributos da
espécie “contribuições de interesse das categorias profissionais”, nos termos
do art. 149 da Constituição da República.
STF. Plenário. ADI 4697, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
06/10/2016.
Ofensa à livre iniciativa e
à liberdade profissional
Os dispositivos do Estatuto da
OAB que punem, com suspensão, a inadimplência do advogado, representam ofensa à
livre iniciativa e à liberdade profissional.
A contribuição anual devida à OAB,
depois de certificada pela diretoria do Conselho, constitui título executivo
extrajudicial (art. 46, da Lei nº 8.906/94). Logo, pode ser cobrada mediante
execução, que tramita na Justiça Federal (STF RE 595.332, Rel. Min. Marco
Aurélio, DJe 23/06/2017).
Desse modo, há outros meios
alternativos para cobrança da dívida civil, sendo certo que a suspensão do exercício
profissional inviabiliza o mínimo existencial do devedor. Isso demonstra que
essa medida estatal afronta o devido processo legal substantivo e, por
consequência, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Tese fixada pelo STF:
É inconstitucional a suspensão realizada por conselho
de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por
inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em
matéria tributária.
STF. Plenário. RE 647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 732).
Repare que o caso enfrentado envolvia
a OAB, mas a tese foi fixada pelo STF de modo propositalmente amplo, abrangendo
todo e qualquer conselho profissional.
Dispositivos do Estatuto da
OAB declarados inconstitucionais
O STF declarou a
inconstitucionalidade do art. 34, XXIII e do art. 37, § 2º, da Lei nº 8.906/94.