Dizer o Direito

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Lei estadual pode fixar cota nas universidades públicas para alunos que estudaram nas escolas públicas apenas daquele Estado específico?



Sistema de cotas
Algumas universidades públicas em nosso país adotam sistemas de cotas.
Por meio deste sistema, alguns alunos, por ostentarem características peculiares ligadas à cor, etnia, classe social ou por serem oriundos de escolas públicas têm direito a um percentual de vagas que não é submetido à concorrência ampla.
O STF afirmou que, em regra, esse sistema de cotas é constitucional. Nesse sentido:
O sistema de cotas em universidades, com base em critério étnico-racial, é CONSTITUCIONAL.
É também constitucional fixar cotas para alunos que sejam egressos de escolas públicas.
STF. Plenário. RE 597285/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 9/5/2012.

Veja abaixo uma situação um pouco diferente.

Cotas para alunos de escolas públicas de determinado Estado/DF
O Distrito Federal editou a Lei distrital nº 3361/2004 afirmando que 40% das vagas das universidades públicos deveriam ser reservadas para alunos que estudaram em escolas públicas do próprio Distrito Federal (excluindo, portanto, alunos de escolas públicas de outros Estados da Federação). Veja:
Art. 1º As universidades e faculdades públicas do Distrito Federal ficam obrigadas a reservar, em seus processos seletivos, no mínimo, 40% (quarenta por cento) das vagas por curso e por turno, para os alunos que comprovem ter cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em escolas públicas do Distrito Federal.

Essa lei do DF é constitucional?
NÃO. A parte final deste art. 1º, ao limitar a cota apenas aos alunos que estudaram no Distrito Federal, viola o art. 3º, IV e o art. 19, III, da CF/88.

O art. 3º, IV, da CF/88 proíbe o preconceito decorrente do critério de origem. Veja:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Além disso, o art. 19, III não permite que sejam feitas discriminações entre os brasileiros:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Em suma:
É inconstitucional a lei distrital que preveja que 40% das vagas das universidades e faculdades públicas do Distrito Federal serão reservadas para alunos que estudaram em escolas públicas do Distrito Federal.
Essa lei, ao restringir a cota apenas aos alunos que estudaram no Distrito Federal, viola o art. 3º, IV e o art. 19, III, da CF/88, tendo em vista que faz uma restrição injustificável entre brasileiros.
Vale ressaltar que a inconstitucionalidade não está no fato de ter sido estipulada a cota em favor de alunos de escolas públicas, mas sim em razão de a lei ter restringindo as vagas para alunos do Distrito Federal, em detrimento dos estudantes de outros Estados da Federação.
STF. Plenário. ADI 4868, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 27/03/2020.

Modulação dos efeitos
Como esta Lei estava em vigor desde 2004, o STF decidiu modular os efeitos da decisão (art. 27 da Lei nº 9.869/99), para não causar uma situação de insegurança jurídica para aqueles que forem oriundos do sistema de seleção de cotas da Lei Distrital nº 3.361/2004.

Assim, o STF julgou procedente o pedido contido na ADI para declarar inconstitucional a expressão “do Distrito Federal”, constante do art. 1º da Lei Distrital 3.361/2004, e aplicou o art. 27 da Lei nº 9.868/99, a fim de consignar que o presente juízo de inconstitucionalidade somente surtirá efeitos para os processos seletivos que forem posteriores ao trânsito em julgado da decisão.



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