Dizer o Direito

terça-feira, 5 de maio de 2020

É possível afastar a intempestividade do recurso quando isso decorreu do fato de o site do Tribunal ter disponibilizado informação equivocada, que induziu a parte em erro



Informações processuais divulgadas pela internet
É cada dia mais comum que os operadores do Direito, em especial os advogados, acompanhem a tramitação dos processos de seu interesse por meio dos sites dos Tribunais na Internet.
Essa prática, no entanto, poderá se mostrar arriscada se o profissional não realiza também o acompanhamento do processo pela Imprensa Oficial.
Existem duas grandes celeumas envolvendo a questão. Veja:

As informações processuais fornecidas pelos sites dos Tribunais ostentam caráter oficial?
NÃO. Conforme entendimento prevalecente no STJ, os dados processuais disponibilizados via internet não possuem caráter oficial, mas meramente informativo.

O que acontece se houver alguma OMISSÃO, ATRASO ou ERRO na divulgação da tramitação processual no site do Tribunal e, com isso, a parte perder o prazo para a prática do ato? A parte que perdeu o prazo poderá alegar que houve uma “justa causa” para isso e pedir a sua devolução, nos termos do art. 223 do CPC?
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

Na maioria dos julgados do STJ, é feita a seguinte diferenciação:
Em caso de OMISSÃO ou ATRASO na divulgação da informação no site:
NÃO há justa causa
Em caso de ERRO (EQUÍVOCO) na divulgação da informação no site:
PODE configurar justa causa
O atraso ou omissão na divulgação sobre a tramitação de processo no site NÃO representa “justa causa” para fins de permitir a devolução do prazo processual que a parte perdeu.
Segundo o STJ, a parte deveria ter adotado as medidas necessárias ao acompanhamento do processo pelos outros meios disponíveis.






Ex: no site do Tribunal não foi divulgada a data em que o mandado de intimação cumprido foi juntado aos autos.

Se o site do Tribunal divulgar uma informação processual errada (com equívoco), neste caso, o STJ entende que a parte foi induzida a erro. Logo, isso representa “justa causa” para o ato processual não ter sido praticado tempestivamente. Deverá, portanto, ser determinado o reinício do prazo para a parte prejudicada.
A confiabilidade das informações prestadas por meio eletrônico é essencial à preservação da boa-fé objetiva, que deve orientar a relação entre o poder público e os cidadãos.

Ex: o site do Tribunal divulgou que o mandado de intimação cumprido foi juntado no dia 22/03/2011, quando, na verdade, essa juntada ocorreu em 17/03/2011.

Nesse sentido:
(...) 2. A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.
3. Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC (CPC 1973) determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte.
4. A Terceira Turma do STJ vem adotando essa orientação, com base não apenas no art. 183 do CPC, mas também na própria Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), por conta das "Informações processuais veiculadas na página eletrônica dos tribunais que, após o advento da Lei n.º 11.419/06, são consideradas oficiais" (trecho do voto condutor do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 960.280/RS, DJe 14.6.2011).
(...)
8. Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam “meramente informativos” e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante (art. 183, caput, do CPC), induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal. (...)
STJ. Corte Especial. REsp 1324432/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2012.

Imagine a seguinte situação hipotética:
O TJ/MS negou provimento a uma apelação que havia sido interposta por João.
Na movimentação processual existente no site do TJ/MS, constou a informação de que o vencimento do prazo recursal para a interposição de recurso ao STJ e STF contra o acórdão do TJ se daria no dia 10/12/2018.
Assim, no dia 10/12/2018, João apresentou recurso especial contra o acórdão do TJ.
Ocorre que essa informação estava errada. O termo final do prazo era dia 09/12/2018. Isso significa que João interpôs o recurso especial intempestivamente.
Vale ressaltar, contudo, que a parte foi induzida em erro pela informação constante no sítio oficial do TJ.

Diante dessa peculiaridade, é possível considerar que o recurso foi tempestivo?
SIM.
Se houve um erro na informação do andamento processual divulgada no sítio eletrônico do Tribunal e, em razão disso, a parte perdeu o prazo do recurso, essa circunstância pode ser utilizada como justa causa para prorrogação do prazo, aplicando-se a regra prevista no art. 223 do CPC/2015 (art. 183 do CPC/1973):
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

Essa conclusão atende aos princípios da boa-fé e da confiança.
A disponibilização do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do processo.
A jurisprudência, coerentemente, deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.
Assim, se o sítio oficial do Tribunal publicou uma informação incorreta, pode-se concluir que o descumprimento do prazo foi um evento alheio à vontade da parte, tendo decorrido diretamente do erro cometido pelo Judiciário.
No caso concreto, a informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal induziu em erro a parte, não sendo razoável que seja prejudicada por fato alheio à sua vontade.
Logo, deve ser admitido, de forma excepcional, a informação constante do andamento processual disponibilizado pelo Tribunal de origem para aferição da tempestividade do recurso, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança.

A tempestividade recursal pode ser aferida, excepcionalmente, por meio de informação constante em andamento processual disponibilizado no sítio eletrônico, quando informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal de origem induz a parte em erro.
STJ. Corte Especial. EAREsp 688.615-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/03/2020 (Info 666).





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