Dizer o Direito

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Aplica-se o arrependimento posterior para o agente que fez o ressarcimento da dívida principal antes do recebimento da denúncia, mas somente pagou depois os juros e a correção monetária



Arrependimento posterior
O arrependimento posterior é previsto no art. 16 do Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de 1/3 a 2/3.

Trata-se de um benefício ou prêmio para estimular o agente a restituir a coisa ou reparar os danos causados com sua conduta.

Requisitos:
1) O crime deve ter sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa
Se o agente praticou violência contra a coisa: pode receber o benefício. Ex: crime de dano (art. 163 do CP).
Se o agente praticou, culposamente, violência contra a pessoa: pode receber o benefício. Ex: lesão corporal culposa no trânsito (art. 303 do CTB).
O art. 16 vale para todos os crimes com que ele seja compatível, sem distinção, inclusive contra a Administração Pública. Assim, é errado pensar que o arrependimento posterior se aplica apenas para os crimes contra o patrimônio.

2) O agente, voluntariamente, deve ter reparado o dano ou restituído a coisa
A reparação do dano ou restituição deve ser total ou pode ser parcial?
• Posição da doutrina e do STJ: a reparação precisa ser integral (total).
O benefício do arrependimento posterior exige a reparação integral do dano, por ato voluntário, até o recebimento da denúncia.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1399240/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 05/02/2019.

• Precedente da 1ª Turma do STF: a incidência do arrependimento posterior, contido no art. 16 do CP, prescinde da reparação total do dano. Em outras palavras, entendeu-se que a reparação poderia ser parcial (HC 98658/PR, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 9/11/2010).

Além de integral, a reparação precisa ser:
• voluntária;
• pessoal.

3) Essa reparação ou restituição deve ter acontecido antes do recebimento da denúncia ou queixa
Se for feita após o recebimento, o agente terá direito apenas à atenuante genérica prevista no art. 65, III, “b” do CP:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III - ter o agente:
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

Redução
A redução da pena, no caso de arrependimento posterior, varia de 1/3 a 2/3.

Comunicabilidade no concurso de pessoas
O benefício do arrependimento posterior comunica-se aos coautores e partícipes que não tenham participado da restituição da coisa ou da reparação do dano.
Assim, uma vez reparado o dano integralmente por um dos autores do delito, a causa de diminuição de pena do arrependimento posterior, prevista no art. 16 do CP, estende-se aos demais coautores.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.187.976-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 7/11/2013 (Info 531).

Imagine agora a seguinte situação adaptada:
Em setembro de 2012, João subtraiu para si um total de R$ 33.000,00 que pertenciam a Pedro.
Algum tempo depois, o furto foi descoberto e instaurou-se um inquérito policial.
Em fevereiro de 2013, João e Pedro celebraram um acordo extrajudicial por meio do qual o sujeito ativo do crime comprometeu-se a devolver à vítima o valor atualizado da quantia subtraída.
Aplicando juros e correção monetária, o valor atualizado foi calculado em R$ 48.751,11.
Como não tinha dinheiro suficiente para quitar a dívida à vista, João comprometeu-se a pagar imediatamente R$ 33.000,00 (valor do débito principal) e parcelar o restante até dezembro de 2013.
Assim, em março de 2013, João pagou os R$ 33.000,00.
Em maio de 2013, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática de furto.
Em junho de 2013, antes que João terminasse de pagar o restante da dívida, o juiz recebeu a denúncia.
Em dezembro de 2013, o réu terminou de quitar a dívida, pagando os juros e correção monetária.
Em março de 2014, o juiz proferiu sentença condenatória contra João e não concedeu ao réu o benefício do arrependimento posterior alegando que não houve a reparação integral do dano antes do recebimento da denúncia.

Para o STF, o réu tem direito ao benefício do arrependimento posterior?
SIM.

É possível o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior) para o caso em que o agente fez o ressarcimento da dívida principal (efetuou a reparação da parte principal do dano) antes do recebimento da denúncia, mas somente pagou os valores referentes aos juros e correção monetária durante a tramitação da ação penal.
Nas exatas palavras do STF: “É suficiente que ocorra arrependimento, uma vez reparada parte principal do dano, até o recebimento da inicial acusatória, sendo inviável potencializar a amplitude da restituição.”
STF. 1ª Turma. HC 165312, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/04/2020 (Info 973).


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