Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Lei nº
13.989/2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada
pelo coronavírus (SARS-CoV-2).
O que é telemedicina?
Telemedicina é o “exercício da
medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção
de doenças e lesões e promoção de saúde” (art. 3º da Lei).
Para o Conselho Federal de
Medicina, telemedicina é “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audio-visual e
de dados, com o objetivo
de assistência, educação e pesquisa em Saúde.” (art. 1º da Resolução CFM
nº 1.643/2002).
É o caso, por exemplo, do
atendimento de pacientes por meio de telefones, tablets ou computadores.
Telemedicina fica
autorizada durante a crise causada pelo coronavírus
O art. 1º da Lei nº 13.989/2020 “autoriza
o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus
(SARS-CoV-2)”.
A redação da Lei poderia ser mais
cuidadosa. Isso porque “enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus
(SARS-CoV-2)” é uma expressão vaga e indeterminada. A palavra “crise” é ampla e
envolve múltiplos fatores.
Diante disso, a melhor
interpretação a ser feita é a de que a telemedicina está autorizada enquanto
perdurar a situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
(ESPIN), declarada por meio da Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, do
Ministério da Saúde.
Art. 2º da Lei
O art. 2º da Lei nº 13.989/2020 repete
o art. 1º, apenas invertendo a ordem da frase e acrescentando a expressão “em
caráter emergencial”. Veja:
Art. 1º Esta Lei autoriza o uso da
telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).
Art. 2º Durante a crise ocasionada
pelo coronavírus (SARS-CoV-2), fica autorizado, em caráter emergencial, o uso
da telemedicina.
Paciente deverá ser
informado de que a telemedicina possui algumas limitações
Art. 4º O médico deverá informar ao paciente
todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a
impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta.
Padrões normativos e éticos
A prestação de serviço de
telemedicina seguirá os padrões normativos e éticos usuais do atendimento
presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço
prestado (art. 5º).
Esses padrões terão que ser
definidos pelo Conselho Federal de Medicina.
O médico está autorizado,
pela Lei, a prescrever receitas médicas por meio digital?
O parágrafo único do art. 2º da
Lei nº 13.989/2020 previa expressamente essa possibilidade. Veja a sua redação:
Art. 2º (...)
Parágrafo único. Durante o período a
que se refere o caput, serão válidas as receitas médicas apresentadas em
suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do
profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio
físico.
Ocorre que esse dispositivo foi
vetado pelo Presidente da República, que apresentou as seguintes razões:
“A propositura legislativa, ao
dispor que serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital,
desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que
realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico, ofende
o interesse público e gera risco sanitário à população, por equiparar a
validade e autenticidade de um mero documento digitalizado, e de fácil
adulteração, ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados
ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), como meio hábil para
a prescrição de receitas de controle
especial e nas prescrições de antimicrobianos, o que poderia gerar o colapso no
sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, abrindo espaço
para uma disparada no consumo de opioides e outras drogas do gênero, em
descompasso com as normas técnicas de segurança e controle da Agência de
Vigilância Sanitária – Anvisa.”
Deve-se ressaltar, no entanto,
que, mesmo com o veto, o médico está sim autorizado a emitir receitas e atestados
médicos à distância, em meio eletrônico, nos termos do art. 6º da Portaria nº
467/2020, do Ministério da Saúde:
Art. 5º Os médicos poderão, no âmbito
do atendimento por Telemedicina, emitir atestados ou receitas médicas em meio
eletrônico.
Art. 6º A emissão de receitas e atestados
médicos à distância será válida em meio eletrônico, mediante:
I - uso de assinatura eletrônica, por
meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil;
II - o uso de dados associados à
assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser
detectável; ou
III - atendimento dos seguintes
requisitos:
a) identificação do médico;
b) associação ou anexo de dados em
formato eletrônico pelo médico; e
c) ser admitida pelas partes como
válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
§ 1º O atestado médico de que trata o
caput deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
I - identificação do médico, incluindo
nome e CRM;
II - identificação e dados do
paciente;
III - registro de data e hora; e
IV - duração do atestado.
§ 2º A prescrição da receita médica de
que trata o caput observará os requisitos previstos em atos da Agência de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
(...)
Poder público somente irá
custear atividades de telemedicina se forem prestadas pelo SUS
O art. 5º afirma ainda que não
cabe ao poder público custear ou pagar pela prestação de serviço de
telemedicina quando não for exclusivamente serviço prestado ao Sistema Único de
Saúde (SUS).
CFM já havia autorizado a
atividade
Vale ressaltar que a Lei nº
13.989/2020 não chega a ser uma efetiva novidade.
Isso porque o Conselho Federal de
Medicina, em 2002, editou a Resolução nº 1.643, definindo e disciplinando a
prestação de serviços através da Telemedicina.
Além disso, em março deste ano
(2020), o Conselho Federal de Medicina reconheceu que, durante a pandemia do
coronavírus, em razão das medidas de isolamento social, os médicos estavam
autorizados a realizar outras atividades de telemedicina, além daquelas já
previstas na Resolução nº 1.643/2020.
Em março deste ano, o CFM autorizou:
• Teleorientação: para que
profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento
de pacientes em isolamento;
• Telemonitoramento: ato
realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à
distância de parâmetros de saúde e/ou doença.
• Teleinterconsulta: exclusivamente
para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou
terapêutico.
Desse modo, a Lei nº 13.989/2020
somente corrobora essa orientação do CFM.
Depois que passada a situação
de calamidade do coronavírus (SARS-CoV-2), será possível continuar a
telemedicina?
A Lei nº 13.989/2020 trazia a
seguinte previsão:
Art. 6º Competirá ao Conselho Federal
de Medicina a regulamentação da telemedicina após o período consignado no art.
2º desta Lei.
Desse modo, o que a Lei pretendia
fazer:
• durante a crise atual do
coronavírus: a telemedicina já está autorizada pela Lei nº 13.989/2020;
• passada a crise do coronavírus:
a Lei afirmava que o CFM iria regulamentar como a telemedicina ocorreria.
Ocorre que esse art. 6º foi
vetado.
O Presidente da República
apresentou as seguintes razões:
“A regulação das atividades
médicas por meio de telemedicina após o fim da atual pandemia é matéria que
deve ser regulada, ao menos em termos gerais, em lei, como se extrai do art.
5º, incisos II e XIII, da Constituição.”
Desse modo,
segundo a posição defendida pelo Presidente da República, somente lei pode
autorizar a telemedicina. De acordo com esse entendimento, se o Conselho
Federal de Medicina fosse autorizado a regular a telemedicina, isso violaria os
incisos II e XIII do art. 5º da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)
XIII - é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
lei estabelecer;
Não me parece juridicamente correto
o veto.
O art. 6º autorizava a
telemedicina após a crise atual e apenas dizia que o Conselho Federal de
Medicina (que é uma autarquia federal) deveria regulamentar o tema.
Não havia, portanto, violação ao
princípio da legalidade, mas, simplesmente, uma comum e legítima hipótese de delegação
legislativa.
O art. 8º, §
1º da Lei nº 8.906/94 é um exemplo:
Art. 8º Para inscrição como advogado é
necessário:
(...)
IV - aprovação em Exame de Ordem;
(...)
§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado
em provimento do Conselho Federal da OAB.
Vale ressaltar que não se está
afirmando aqui que é correta a autorização da telemedicina mesmo após o fim da
pandemia. Isso é uma discussão médica em relação a qual não tenho conhecimento
para opinar. O que se está sustentando é que, juridicamente, não há
inconstitucionalidade na autorização conferida pela lei para que a telemedicina
seja realizada, delegando-se ao CFM a regulamentação da matéria.
Vigência
A Lei nº 13.989/2020 entrou em
vigor na data de sua publicação (16/04/2020).