segunda-feira, 27 de abril de 2020
A readmissão na carreira da Magistratura não encontra amparo na Lei Orgânica da Magistratura Nacional nem na Constituição Federal de 1988
segunda-feira, 27 de abril de 2020
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Valéria era Juíza de Direito no
Estado do Mato Grosso.
Em 2010, ela foi aprovada em um
concurso para cartório e pediu exoneração do cargo de magistrada, o que foi
deferido.
Em 2018, contudo, ela decidiu
retornar à magistratura e formulou requerimento pedindo a sua readmissão no
cargo de Juíza.
O pedido foi
baseado nos arts. 184 a 186 do Código de Organização Judiciária do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso:
Art. 184. A readmissão é o ato pelo
qual o Magistrado exonerado reingressa aos quadros da Magistratura, assegurada
a contagem de tempo de serviço anterior, apenas para efeito de promoção,
gratificação adicional e aposentadoria.
Art. 185. A readmissão, no grau inicial
da carreira, somente será concedida quando não houver candidatos aprovados em
concurso, em condições de nomeação, não podendo o interessado ter mais de 45
anos de idade nem mais de 25 anos de serviço público.
Art. 186. A readmissão será precedida
de inspeção médica e o ato respectivo baixado pelo Governador do Estado, mediante
proposta do Tribunal de Justiça.
O Plenário do Tribunal de
Justiça, em sessão administrativa convocada para apreciar o requerimento da
interessada, declarou a inconstitucionalidade dos arts. 184 a 186 do Código de
Organização Judiciária do Tribunal de Justiça, acima transcritos.
O TJ/MT afirmou que o STF possui
precedente no qual declarou a inconstitucionalidade de lei do Estado do Ceará
que permitia a readmissão de magistrado exonerado: STF. Plenário. ADI 2983,
Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 23/02/2005.
Logo, o TJ/MT aplicou o mesmo
raciocínio para o caso em questão.
A decisão do TJ/MT foi
considerada correta pelo STJ?
SIM.
Após
a promulgação da Constituição Federal de 1988, o servidor exonerado não possui
o direito de reingresso no cargo. Isso porque o atual ordenamento
constitucional impõe a prévia aprovação em concurso público como condição para
o provimento em cargo efetivo da Administração Pública. Nesse sentido:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no
sentido de que inexiste direito adquirido a regime jurídico. Sendo assim, após
a promulgação da Constituição Federal de 1988, não remanesce ao servidor
exonerado o direito de reingresso no cargo, tendo em vista que o atual
ordenamento constitucional impõe a prévia aprovação em concurso público como
condição para o provimento em cargo efetivo da Administração Pública.
STF. 1ª Turma. RE 597738 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado
em 28/10/2014.
O CNJ também já expediu
orientação normativa vinculante afirmando que não são possíveis formas de
provimentos dos cargos relacionados à carreira da Magistratura que não estejam
explicitamente previstas na Constituição Federal, nem na LOMAN. Veja:
CONSULTA SOBRE A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA REVERSÃO
PREVISTO NA LEI Nº 8.112/90 AOS MAGISTRADOS.
1. O instituto da
reversão, previsto na Lei nº 8.112/90, pode ser aplicado aos servidores em duas
hipóteses: i) quando não mais subsistirem os requisitos que ensejaram a
aposentadoria por invalidez; ii) no caso de aposentadoria voluntária, quando
presentes o interesse da Administração e o preenchimento dos requisitos legais.
2. A chamada “reversão de ofício” - retorno do magistrado às
atividades por não mais subsistirem os motivos que ensejaram a aposentadoria
por invalidez - é aplicável à Carreira da Magistratura não em razão da Lei nº
8.112/90, mas em razão de previsão expressa do texto constitucional.
3. O artigo 93 da
Constituição da República estabelece o rol de questões reservadas à lei
complementar, incluindo o provimento inicial e derivado na carreira da
Magistratura, não fazendo qualquer menção ao instituto da reversão. Desse modo,
somente lei complementar federal, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,
poderia disciplinar a matéria.
4. Tampouco a Lei Orgânica da Magistratura Nacional trata do
instituto da reversão facultativa como forma de provimento na Carreira da
Magistratura. A ausência de previsão legal deve ser interpretada como silêncio
eloquente, e não como lacuna.
5. Desse modo, ante a ausência de autorização expressa na
Constituição da República e na LOMAN, resulta afastada a possibilidade de
aplicação subsidiária aos magistrados do instituto da reversão facultativa,
previsto na Lei nº 8.112/90.
6. Consulta conhecida e
respondida nos termos da fundamentação.
(CNJ - CONS - Consulta -
0004482-93.2015.2.00.0000 - Rel. Aloysio Corrêa da Veiga - 33ª Sessão - j.
20/04/2018).
Em suma:
A readmissão na carreira da Magistratura não encontra
amparo na Lei Orgânica da Magistratura Nacional nem na Constituição Federal de
1988.
STJ. 2ª Turma. RMS 61.880-MT,
Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 03/03/2020 (Info 666).
Mas o Tribunal de Justiça
poderia ter negado o pedido da interessada alegando que a norma estadual é
inconstitucional? É possível isso?
SIM. Não há óbice para que o
Tribunal de Justiça, ainda que no exercício da função administrativa, lance mão
da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal para fundamentar sua
decisão de negar o pedido de readmissão da interessada. Ao fazer isso, a
Administração deu cumprimento à Constituição Federal, à Lei Orgânica da
Magistratura Nacional, bem como à orientação normativa expedida pelo Conselho
Nacional de Justiça.