Dizer o Direito

segunda-feira, 2 de março de 2020

Não há, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação' ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91



DESAPOSENTAÇÃO E JULGAMENTO DO STF DE 2016

Conceito
A desaposentação consiste no ato do segurado de renunciar à aposentadoria que recebe a fim de que possa requerer uma nova aposentadoria, desta vez mais vantajosa, no mesmo regime previdenciário ou em outro.

Hipóteses mais comuns
O pedido de desaposentação ocorre normalmente nos casos em que a pessoa se aposenta, mas continua trabalhando e, portanto, contribuindo. Assim, este tempo de contribuição após a primeira aposentadoria, se computado, geraria um provento maior, o que justificaria a renúncia ao benefício que a pessoa estava recebendo para que pudesse formular novo pedido de aposentação.
Outra hipótese seria no caso de um aposentado pelo regime geral (INSS) que preste um concurso e, depois de anos trabalhando no cargo público concursado, requeira a renúncia do benefício no regime geral para requerer uma nova aposentadoria no regime próprio dos servidores públicos, utilizando o tempo de contribuição anterior.

Mas, se a pessoa aposentada voltar a trabalhar, deve pagar contribuição previdenciária?
SIM. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade remunerada é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito ao pagamento de contribuição previdenciária, para fins de custeio da Seguridade Social (§ 3º do art. 11 da Lei nº 8.213/91).

O INSS aceita o pedido de desaposentação?
NÃO. Para o INSS, a desaposentação não possui previsão legal. Ao contrário, segundo a autarquia previdenciária, a desaposentação é proibida pelo § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/91 e pelo art. 181-B do Regulamento da Previdência Social:

Lei nº 8.213/91:
Art. 18 (...) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Decreto nº 3.048/99:
Art. 181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

Assim, quando o segurado formulava requerimento administrativo de desaposentação, este era negado pelo INSS.

“Ação de desaposentação”
Como o INSS nunca admitiu administrativamente, os segurados passaram a ajuizar ações judiciais postulando a desaposentação.

Como a jurisprudência se posicionou a respeito do tema?
No dia 27/10/2016, o Plenário do STF analisou o tema e decidiu que, segundo a legislação atualmente em vigor, não é possível a desaposentação. Entenda abaixo as razões.

Art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91
A desaposentação é expressamente proibida pelo art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91, cuja redação novamente se transcreve:
Art. 18 (...)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Desse modo, o § 2º do art. 18 afirma que se o aposentado voltar a contribuir, mesmo assim não terá direito a nenhuma prestação da Previdência Social (ex: nova aposentadoria ou melhora da aposentadoria que já recebe). Esta regra só comporta duas exceções: salário-família e reabilitação profissional. Tirando essas duas situações, o aposentado que volta a trabalhar não possui direito a nenhuma outra vantagem pelo fato de estar novamente pagando contribuições para a Previdência Social.

Ausência de previsão constitucional
A Constituição, apesar de não vedar expressamente o direito à “desaposentação”, também não a prevê. Logo, cabe ao legislador ordinário estabelecer ou não essa possibilidade e, no caso, o art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91 proíbe.

Alegação de que o art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91 seria inconstitucional
Os aposentados que queriam a desaposentação alegavam que esse dispositivo seria inconstitucional. Isso porque se o aposentado voltou a trabalhar e está pagando todos os meses contribuição previdenciária, seria justo que esse valor recolhido para a Previdência fosse utilizado em seu favor para melhorar a sua aposentadoria. Assim, se ele estava recebendo aposentadoria de R$ 3 mil e, mesmo depois de aposentado, trabalhou e contribuiu por mais 10 anos, seria justo que essas contribuições fossem utilizadas para se fazer um novo cálculo da aposentadoria e o valor de R$ 3 mil fosse aumentado.
O STF, contudo, não concordou com a tese e afirmou que a regra prevista no art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91 não viola a Constituição Federal.

Por que não é inconstitucional?
Porque o sistema previdenciário brasileiro possui uma característica muito importante. Ele é SOLIDÁRIO (art. 3º, I, da CF/88).

Em que consiste o princípio da solidariedade?
O Prof. Wladimir Novaes Martinez explica em que consiste o princípio da solidariedade:
“161. Princípio da solidariedade social — Na previdência social, a solidariedade é essencial, e, exatamente por sua posição nuclear, esse preceito sustentáculo distinguiu-se dos básicos e técnicos, sobrepairando como diretriz elevada. Ausente, será impossível organizar a proteção social.
a) significado: Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado para outros.
Significa a cotização de certas pessoas, com capacidade contributiva, em favor dos despossuídos. Socialmente considerada, é ajuda marcadamente anônima, traduzindo mútuo auxílio, mesmo obrigatório, dos indivíduos.” (MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 5ª ed., 2013, p. 117).

Desse modo, o valor que o indivíduo paga a título de contribuição previdenciária não é empregado apenas para os seus benefícios, sendo também utilizado para custear os benefícios de outras pessoas que ele nem conhece. Ex: um jovem de 18 anos começa a trabalhar em seu primeiro emprego; com uma semana de trabalho, ele sofre acidente e fica total e permanentemente incapacitado para atividades laborais; como segurado obrigatório do INSS, ele terá direito de receber aposentadoria por invalidez mesmo não tendo pagado nem mesmo sequer uma contribuição previdenciária. O valor que irá custear esse benefício a ele é oriundo das contribuições previdenciárias pagas por todos os demais segurados.

Princípio da solidariedade e contribuição dos aposentados
Assim, os aposentados que voltam a trabalhar pagam contribuição previdenciária não porque esses recursos serão utilizados em seu favor, mas sim para ajudar na concessão de benefícios previdenciários que serão concedidos a outras pessoas que eles nem conhecem. Essa "ajuda" ocorre em nome do princípio da solidariedade. É o que explica Frederico Amado:
“Essa norma principiológica fundamenta a criação de um fundo único de previdência social, socializando-se os riscos, com contribuições compulsórias, mesmo daquele que já se aposentou, mas persiste trabalhando, embora este egoisticamente normalmente faça queixas da previdência por continuar pagando as contribuições.” (AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 37).

Nesse sentido, votou o Min. Teori Zavascki: “essas contribuições efetuadas pelos aposentados destinam-se ao custeio atual do sistema de seguridade, e não ao incremento de um benefício para o segurado ou seus dependentes”.
Desse modo, para o STF, não é inconstitucional o aposentado pagar contribuições para a Previdência Social e não usufruir uma melhora por causa disso. Não é inconstitucional porque tal contribuição está amparada pelo princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CF/88).

O argumento de que a desaposentação é uma "renúncia" à aposentadoria não foi acolhido
Um dos argumentos dos aposentados para defenderem a desaposentação é o de que ela seria permitida porque consistiria na renúncia da aposentadoria (que é um direito patrimonial disponível) e, após renunciar, a pessoa pediria novamente uma nova aposentadoria, agora somando os novos períodos de contribuição.
O STF, contudo, não acolheu esta alegação.
Segundo argumentou o Min. Teori Zavascki, não se trata de uma simples “renúncia”, mas sim uma verdadeira "substituição" de uma aposentadoria menor por uma maior, ou seja, uma progressão de escala. Essa "troca" de benefício não tem amparo na lei. Logo, não existe "dever" da Previdência de fazer essa substituição.
O RGPS tem natureza estatutária ou institucional, e não contratual. Isso significa dizer que a previdência administrada pelo INSS deve sempre ser baseada na lei, sem qualquer espaço para a aquisição de direitos subjetivos sem previsão legal. Somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias.

Desaposentação prejudica os objetivos do fator previdenciário
Se a “desaposentação” fosse permitida, ela tornaria imprevisíveis e flexíveis os parâmetros utilizados a título de “expectativa de sobrevida” — elemento do fator previdenciário —, mesmo porque passaria esse elemento a ser manipulado pelo beneficiário da maneira que melhor o atendesse.
O objetivo de estimular a aposentadoria tardia, estabelecido na lei que instituiu o citado fator, cairia por terra, visto que a “desaposentação” ampliaria o problema das aposentadorias precoces.

A desaposentação possui vedação constitucional? A CF/88 proíbe a desaposentação?
NÃO. Não existe uma proibição na Constituição Federal para a desaposentação. Quem veda a desaposentação é o art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/91. Isso significa dizer que o Congresso Nacional pode editar uma lei alterando esse dispositivo e prevendo a desaposentação. Essa mudança seria válida.
Dessa forma, a conclusão do STF foi a de que, atualmente, a lei veda a desaposentação, não havendo nenhum problema caso a lei seja alterada.

Tese firmada pelo STF
Como a questão foi decidida pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, foi fixada uma tese que vale para todos os processos envolvendo o tema. Confira a tese aprovada na época, ou seja, em 2016:
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à “desaposentação”, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991.
STF. Plenário. RE 381367/RS, RE 661256/SC e RE 827833/SC, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgados em 26 e 27/10/2016 (repercussão geral) (Info 845).

Diante da decisão do STF, o STJ também passou a decidir que a legislação não admite a desaposentação:
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à desaposentação, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.334.488-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/03/2019 (recurso repetitivo) (Info 649).


ALEGAÇÃO DE QUE A “REAPOSENTAÇÃO” NÃO TERIA SIDO APRECIADA PELO STF EM 2016 E SERIA VÁLIDA

Desaposentação x reaposentação
Depois da decisão do STF de 2016 começaram a ser propostas ações na Justiça Federal alegando que o Supremo havia decidido apenas sobre a desaposentação, mas não sobre a reaposentação.
A diferença entre os dois institutos seria a seguinte:
DESAPOSENTAÇÃO
(soma os períodos)
REAPOSENTAÇÃO
(despreza o período anterior)
O segurado, mesmo depois de se aposentar, continua trabalhando e pagando contribuições previdenciárias. Depois de algum tempo nessa situação, ele renuncia à aposentadoria que recebe e pede para somar o tempo que contribuiu antes e depois da aposentadoria com o objetivo de requerer uma nova aposentadoria, desta vez mais vantajosa.
O segurado, mesmo depois de se aposentar, continua trabalhando e pagando contribuições previdenciárias. Depois de algum tempo nessa situação, ele renuncia à aposentadoria que recebe e pede para que seja concedida uma nova aposentadoria utilizando unicamente o tempo de contribuição posterior à primeira aposentadoria.
O segurado quer aproveitar o tempo anterior e o tempo posterior à primeira aposentadoria.
O segurado quer aproveitar unicamente o tempo posterior à primeira aposentadoria. Ele não quer nada do tempo anterior.
Ex: João, depois de 30 anos de contribuição, aposentou-se no RGPS. Contudo, ele continuou trabalhando e, portanto, pagando contribuições previdenciárias. Essa situação durou mais 5 anos. Foi aí que João, já cansado, resolveu parar de trabalhar. Ele requereu, então, a desaposentação, ou seja, pediu para renunciar a aposentadoria que está recebendo e que seja concedida a ele uma nova aposentadoria, desta vez com 35 anos de tempo de contribuição (30 anos laborados antes da primeira aposentadoria + 5 anos depois).
Este tempo de contribuição após a primeira aposentadoria, se computado, gera um provento maior, o que justifica a renúncia ao benefício que a pessoa está recebendo para que possa formular novo pedido de aposentação.
Ex: Pedro aposentou-se no RGPS. Contudo, como se aposentou cedo, ele continuou trabalhando, agora em atividades especiais, e ganhando bem mais do que recebia na profissão anterior da aposentadoria. Após 15 anos, ele completou os requisitos para a aposentadoria especial. Diante disso, pediu para renunciar à aposentadoria que está recebendo para que a ele seja concedido um novo benefício, qual seja, a aposentadoria especial, que será mais alta.
Repare que Pedro não quer aproveitar para nada o período anterior à primeira aposentadoria.


Embargos de declaração
Diante disso, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP) opôs embargos de declaração no RE 661256 pedindo que o STF:
1) diferenciasse os institutos da desaposentação e reaposentação e afirmasse expressamente que a lei só não permite a desaposentação.
2) modulasse os efeitos da decisão proferida em 2016.

O STF concordou com os pedidos da embargante?
Com o pedido 1, NÃO.
Com o pedido 2, SIM.

O julgamento do STF de 2016 abrangeu tanto a desaposentação como a reaposentação
A maioria dos ministros entendeu que o STF já rejeitou a hipótese de reaposentação no primeiro julgamento ocorrido em 2016.
Como é constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 e como este dispositivo veda expressamente qualquer nova prestação da Previdência Social em decorrência do exercício dessa nova atividade após a aposentadoria, conclui-se que tanto a desaposentação como a reaposentação são proibidos pela legislação atual.
No entanto, para evitar dúvidas, o STF resolveu alterar a tese anterior para deixar isso mais claro:
Tese original
Tese modificada
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à “desaposentação”, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991.
STF. Plenário. RE 381367/RS, RE 661256/SC e RE 827833/SC, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgados em 26 e 27/10/2016 (repercussão geral) (Info 845).
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação' ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.
STF. Plenário. RE 381367 ED/RS e RE 827833 ED/SC, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/2/2020 (repercussão geral) (Info 965).

Modulação dos efeitos
Por outro lado, o Plenário deu parcial provimento aos embargos declaratórios para:
• dizer que são irrepetíveis os valores alimentares recebidos de boa-fé por segurados beneficiados com desaposentação ou reaposentação, até a proclamação do resultado.
• garantir o direito daqueles que usufruem de “desaposentação” ou de “reaposentação” em decorrência de decisão transitada em julgado, até a proclamação do resultado do julgamento dos embargos de declaração (06/02/2020).
Essa modulação foi importante e se fez necessária porque houve casos de segurados que tiveram o direito à “desaposentação” e à “reaposentação” reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado. Nessas hipóteses, a decisão do STF, mesmo proferida em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, deve preservar o que foi firmado em caráter definitivo pelo Poder Judiciário, em respeito aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
STF. Plenário. RE 381367 ED/RS e RE 827833 ED/SC, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/2/2020 (repercussão geral) (Info 965).




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