Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Companhia de Águas e Esgotos do
Rio Grande do Norte – CAERN, sociedade de economia mista estadual, realizou concurso
público para técnico de mecânica.
Vale ressaltar que o regime jurídico
dos empregados desta entidade da Administração Indireta é celetista.
João foi aprovado e,
inicialmente, ficou em 9º lugar. Ocorre que houve uma retificação do edital e,
em razão dessa mudança, João passou para a 15ª posição.
Inconformado, João deseja ajuizar
ação ordinária contra a CAERN alegando a nulidade desta retificação e que ele
volte para o 9º lugar na classificação final.
Surgiu, no entanto, uma
dúvida: a competência para julgar esta ação será da Justiça do Trabalho (art.
114, I, da CF/88) ou da Justiça comum?
Justiça comum
(estadual ou federal).
STF. Plenário. RE 960429/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4
e 5/3/2020 (repercussão geral – Tema 992) (Info 968).
Regime híbrido
As empresas
públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis ao regime jurídico das
empresas privadas, ou seja, devem seguir o regime celetista em seus contratos
de trabalho. É o que prevê o art. 173, § 1º, da Constituição Federal:
Art. 173. Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto
jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
Vale ressaltar, no entanto, que a
formação do contrato de trabalho de empregados públicos possui algumas
singularidades, de forma que não podem ser equiparados em todos os
aspectos a um trabalhador comum. Isso decorre do fato de que a contratação de
empregados públicos possui um caráter híbrido, ou seja, essa contratação está
regida tanto por normas de direito privado como de direito público.
Um exemplo de norma de direito
público que incide neste caso é a exigência de concurso público para a
contratação, prevista no art. 37, II, da CF/88. Trata-se de etapa prévia
obrigatória à formação da relação trabalhista na Administração Pública. Para a
iniciativa privada, não existe isso.
Na fase pré-contratual não
há relação de trabalho, prevalecendo as normas de caráter público
Na fase pré-contratual ainda não
existe um elemento essencial inerente ao contrato de trabalho, que é seu
caráter personalíssimo, de índole privada. Ainda não há empregado e empregador.
O que prevalece nesta etapa é o caráter público, isto é, o interesse da
sociedade na estrita observância do processo administrativo que efetiva o
concurso público.
Em razão disso, essa fase
anterior à contratação do empregado público deve se guiar por normas de direito
público, notadamente do direito administrativo. Isso porque ainda não há, nesse
momento, direito ou interesse decorrente da relação de trabalho, a atrair a
competência da Justiça trabalhista. Na verdade, a contratação ainda não é uma
realidade – e pode, inclusive, nem vir a ocorrer. Logo, não há que se falar ainda
em direitos trabalhistas.
Em palavras mais simples, como o
concurso público é um processo administrativo que visa à admissão do empregado,
controvérsias relativas a essa fase devem ser pautadas por normas de direito
público, prevalecendo a competência da Justiça Comum (estadual ou federal).
Conforme já mencionado, antes da admissão, sequer existe uma relação regida
pela CLT. Na fase pré-contratual há apenas uma expectativa do candidato de que
a relação seja concretizada, caso venha a ser contratado. Apenas depois de
iniciada a relação de trabalho é que se instaura a competência da Justiça do
Trabalho.
Esse entendimento pode ser
aplicado às demais hipóteses em que a Administração Pública contrate sob o
regime da CLT. Isso porque também nessa situação há discussão acerca da
competência para processar e julgar ações sobre a fase pré-contratual.
Justiça comum estadual ou
federal
No exemplo dado acima, a
competência para julgar a ação seria da Justiça comum estadual. Isso porque a CAERN
é uma sociedade de economia mista estadual.
• Se o
certame tivesse sido realizado por órgão, autarquia, fundação ou empresa
pública federal: a competência seria da Justiça comum federal, nos termos do
art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes
de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
• Se o certame tivesse sido
realizado por sociedade de economia mista federal: a competência seria da
justiça comum estadual. Isso porque as sociedades de economia mista, ainda que
mantidas pela União, não são julgadas pela Justiça Federal. Houve uma opção do
constituinte de não incluir tais empresas estatais no rol do art. 109 da CF/88.
Nesse sentido:
Súmula 42-STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e
julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes
praticados em seu detrimento.
Súmula 517-STF: As sociedades de economia mista só tem foro na
justiça federal, quando a união intervém como assistente ou opoente.
Súmula 508-STF: Compete a justiça estadual, em ambas as
instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil,
S.A..
O entendimento acima
exposto é o mesmo no STJ
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 115)
Tese 1: A Justiça do Trabalho não tem competência para decidir
os feitos em que se discutem critérios utilizados pela administração para a
seleção e a admissão de pessoal em seus quadros, uma vez que envolve fase
anterior à investidura no emprego público.
Temas correlatos:
Litígios
envolvendo servidores temporários e administração pública
A justiça comum é competente para processar e julgar causas em
que se discuta a validade de vínculo jurídico-administrativo entre o poder
público e servidores temporários.
Dito de outra forma: a Justiça competente para julgar litígios
envolvendo servidores temporários (art. 37, IX, da CF/88) e a Administração
Pública é a JUSTIÇA COMUM (estadual ou federal).
A competência NÃO é da Justiça do Trabalho, ainda que o autor da
ação alegue que houve desvirtuamento do vínculo e mesmo que ele formule os seus
pedidos baseados na CLT ou na lei do FGTS.
STF. Plenário. Rcl 4351 MC-AgR/PE, rel. orig. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 11/11/2015 (Info 807).
A competência para julgar greve
de servidor público é da Justiça comum (e não da Justiça do Trabalho)
A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a
abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública
direta, autarquias e fundações públicas.
Compete à justiça comum (estadual ou federal) julgar causa relacionada
ao direito de greve de servidor público, pouco importando se se trata de
celetista ou estatutário.
STF. Plenário. RE 846854/SP, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o
ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/5/2017 (repercussão geral) (Info
871).