Dizer o Direito

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC/2015, aplica-se também ao IRDR




Para entender esse julgado é necessário:
1) aprender ou relembrar em que consiste o procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º e 13, do CPC/2015 para os recursos especiais repetitivos;
2) verificar como funciona o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR);
3) analisar se esse procedimento de distinção se aplica também para o IRDR.

Vamos, então, por partes.

PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO PREVISTO NO ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC PARA OS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS

Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema
O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos.
Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC 1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.
O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041.

Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos
Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto.
Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos.

Remessa de dois ou mais para o STJ ou STF
Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE).
Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Nesse sentido:
Art. 1.036 (...)
§ 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

Demais recursos ficam sobrestados na origem
Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central.

Ministro do STJ ou STF poderá escolher outros recursos representativos diferentes daqueles enviados pelo TJ/TRF
A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º).
O Ministro relator do STJ ou STF também poderá selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.

Afetação
Se o Ministro do STJ ou do STF, ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, ele irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Veja o que diz o caput do art. 1.037 do CPC/2015:
Art. 1.036.  Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação (...).

Confira também a previsão do Regimento Interno do STJ:
Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o recurso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno.

Suspensão dos processos que tratem sobre o tema
Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II).
Ex: o Ministro Relator no STJ recebe um recurso repetitivo discutindo qual a norma aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial na previdência complementar. Ele percebe que esse mesmo tema está sendo discutido em centenas de outros processos que já estão no STJ e nos Tribunais de Justiça. Diante disso, ele irá:
• proferir uma decisão determinando a afetação desse tema (o que significa isso: vamos discutir com profundidade o assunto e definir uma tese);
• determinar que, enquanto não se define esse tema afetado, os demais processos deverão ficar sobrestados (suspensos).

Por que é necessária essa suspensão?
Porque seria improdutivo que tais processos continuassem tramitando antes de uma definição segura sobre o tema.
Depois que o STJ/STF julgar o recurso especial/extraordinário afetado, a tese que for definida irá ser aplicada a todos os recursos que ficaram suspensos.
Logo, é mais produtivo aguardar com o processo suspenso e já aplicar no processo a tese fixada.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
O STJ está recebendo milhares de recursos especiais discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”.
Diante disso, o Ministro do STJ, percebendo que essa matéria possui interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, proferiu decisão determinando a afetação do tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.
Além disso, o Ministro determinou o sobrestamento de todos os processos pendentes que tratem sobre a legalidade da tarifa bancária “X”:
Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:
I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento;
II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;
(...)

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância
João ajuizou ação contra o Banco BV questionando a cobrança da tarifa “X”.
O processo estava tramitando normalmente.
Ocorre que o Juiz foi informado de que o Ministro do STJ determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema.
Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo João e o Banco BV.
João, contudo, não concordou e ingressou com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele a ser julgado pelo STJ.
Assim, para João haveria um distinguishing (uma distinção) e, portanto, o processo não deveria ficar suspenso.

Existe previsão legal para esse pedido formulado pela parte?
SIM. Esse requerimento está previsto no § 9º do art. 1.037 do CPC/2015:
Art. 1.037 (...)
§ 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput.
§ 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.

A quem é dirigido esse requerimento?
• Se o processo sobrestado estiver em primeiro grau: ao juiz;
• Se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem: ao relator.
• Se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem (TJ/TRF): ao relator do acórdão recorrido (Desembargador Relator no TJ/TRF);
• Se for sobrestado um recurso especial ou recurso extraordinário que já está no STF/STJ: o pedido será dirigido ao Ministro Relator no STF ou STJ.

Logo, em nosso exemplo, o pedido de João foi corretamente dirigido ao juiz da causa.

Oitiva da outra parte
A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias.
Assim, o juiz deverá intimar o Banco para se manifestar sobre o requerimento do autor.

Se for reconhecido o distinguishing:
Se ficar reconhecido que existe, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo.
Se o recurso especial ou extraordinário estiver sobrestado na origem (no TJ ou TRF), o Desembargador Relator deverá comunicar a decisão ao Presidente ou ao Vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo STF ou STJ.

Se NÃO for reconhecido o distinguishing:
O processo continua sobrestado.

Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção?
SIM. Caberá:
• agravo de instrumento: se a decisão for do juiz de 1ª instância;
• agravo interno: se a decisão for do relator.

É o que prevê o § 13 do art. 1.037 do CPC/2015:
Art. 1.037 (...)
§ 13.  Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá:
I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau;
II - agravo interno, se a decisão for de relator.

Em nosso exemplo, se João ou o Banco não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento:
Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)
Ideia geral do IRDR
É muito comum, na prática, que um determinado tema jurídico esteja sendo discutido simultaneamente em centenas ou milhares de processos.
No passado, esses processos eram julgados individualmente, o que gerava enormes custos e o risco de decisões diferentes para uma mesma controvérsia jurídica.
Pensando nisso, o CPC/2015 criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Assim, quando o juiz, o relator no Tribunal, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo também se repete em inúmeros outros, será possível pedir a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Isso significa que todos os processos que tratam sobre aquele assunto ficarão suspensos até que o Tribunal defina a tese jurídica e, em seguida, ela será aplicada para todos esses feitos que se encontravam sobrestados.
Isso gera eficiência e minimiza o risco de decisões diferentes para situações semelhantes.

Essa sistemática já não era prevista para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos (que vimos acima)?
Os arts. 543-B e 543-C do CPC/1973 previam uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tivessem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.
O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041 (vimos isso acima).
Desse modo, o IRDR é parecido sim com a sistemática do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. No entanto, no caso dos recursos repetitivos, exige-se que a questão já tenha chegado ao STJ ou STF por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. O IRDR, por sua vez, pode ser instaurado antes de o tema chegar aos Tribunais Superiores.
Conforme se extrai da exposição de motivos do CPC/2015, o novo instituto (IRDR) – que é inspirado no direito alemão – foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores relativamente aos recursos repetitivos.

Requisitos para a instauração de IRDR (art. 976)
É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e
2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Há ainda um pressuposto negativo previsto no § 4º do art. 976, que é a inexistência de afetação de recurso repetitivo pelos tribunais superiores no âmbito de sua respectiva competência para a definição de tese sobre a questão de direito objeto do IRDR:
§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Legitimidade para requerer a instauração (art. 977)
O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:
I - pelo juiz ou relator, por meio de ofício;
II - pelas partes, por petição;
III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

Competência
Em regra, o IRDR será julgado pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal.
É possível, no entanto, que seja instaurado um IRDR diretamente no STJ nos casos de:
• competência recursal ordinária (art. 105, II, da CF/88); e de
• competência originária (art. 105, I, da CF/88).

Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ:
O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.
A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC.
STJ. Corte Especial. AgInt na Pet 11.838/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/08/2019.

Logo, não cabe IRDR no STJ caso este Tribunal esteja apreciando um recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Isso porque, neste caso, já existe um outro mecanismo que cumpre essa função, qual seja, o recurso especial repetitivo (art. 976, § 4º do CPC).

Falando agora da competência interna, o IRDR será julgado pelo órgão do Tribunal que for responsável pela uniformização de jurisprudência, segundo as regras do regimento interno.
Ex: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a competência para julgar o IRDR é da Câmara de Uniformização (art. 18, I, do RITJDFT).
Esse órgão colegiado incumbido de julgar o IRDR e fixar a tese jurídica será também competente para julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

Incidente deverá ser bem divulgado para permitir participação de interessados (art. 979)
A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.
Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao CNJ para inclusão no cadastro.
Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

Incabível o incidente se o STF ou STJ já tiver afetado o tema para julgamento como recurso especial ou extraordinário repetitivo
É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Procedimento
1) Pedido de instauração
Se o juiz, o relator, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo que está em 1ª ou 2ª instâncias também se repete em inúmeros outros processos, ele poderá pedir ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas.

2) Juízo de admissibilidade (art. 981)
Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976:
• efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e
• risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

3) Se o incidente não for admitido
Se o IRDR não foi admitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade, isso não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

4) Se o incidente for admitido (art. 982)
Se o Tribunal admitir o processamento do IRDR, o relator:
I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;
II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias;
III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias.

A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.
Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.
Cessa a suspensão se o incidente for julgado e, contra essa decisão, não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário.

5) Possibilidade de suspensão nacional dos processos
Visando à garantia da segurança jurídica, a parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá requerer, ao STF ou ao STJ, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer essa suspensão nacional.

6) Desistência ou abandono do processo
Depois que o IRDR for suscitado, ainda que a parte desista ou abandone o processo que deu causa ao incidente, este IRDR terá o seu mérito apreciado. Para isso, o Ministério Público deverá assumir a titularidade em caso de desistência ou de abandono.

7) Oitiva de partes, interessados e do MP (art. 983)
O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia que, no prazo comum de 15 dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida.
Em seguida, deverá ser ouvido o Ministério Público, também no prazo de 15 dias.
Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente.

8) Audiência pública
Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

9) Data para julgamento
Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

10) Prazo para julgamento
O incidente será julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980).
Se o IRDR não for julgado neste prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

11) Ordem no julgamento (art. 984)
No julgamento do incidente, deverá ser observada a seguinte ordem:
I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;
II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:
a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos;
b) os demais interessados, no prazo de 30 minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 dias de antecedência.

Obs.: considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

Necessidade de análise de todos os argumentos: segundo o § 2º do art. 984, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

12) Custas
Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Tese jurídica (art. 985)
Julgado o incidente, será definida uma tese jurídica, que será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal.

Tese jurídica envolvendo serviço concedido, permitido ou autorizado
Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, § 2º).

Descumprimento da tese jurídica
Não observada a tese fixada no IRDR, caberá reclamação (985, § 1º).

Revisão da tese jurídica fixada (art. 986)
É possível a revisão da tese jurídica firmada no incidente.
Essa revisão deverá ser feita pelo mesmo tribunal que fixou a tese, de ofício ou mediante requerimento do MP ou da Defensoria Pública.

Recurso contra o julgamento do IRDR (art. 987)
Do julgamento do mérito do incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, conforme seja caso de matéria constitucional ou infraconstitucional.
Atenção: o recurso tem efeito suspensivo.
No caso de recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou o IRDR, fica presumida a repercussão geral da questão constitucional.

Decisão do STF ou STJ que julgou o recurso contra o julgamento do IRDR
Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.


O PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC) SE APLICA TAMBÉM PARA O IRDR

Vamos imaginar o mesmo exemplo dado acima para o recurso especial repetitivo, mas agora envolvendo IRDR:
O TJ/SP está recebendo milhares de apelações discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”.
Diante disso, é instaurado um IRDR no TJ/SP para decidir o tema.
O Desembargador Relator determina a suspensão de todos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo envolvendo a cobrança da tarifa bancária “X”.

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância
Antes da instauração do IRDR, Pedro havia ajuizado, na comarca de Santos (SP), ação contra o Banco Itaú questionando a cobrança da tarifa “X”.
O processo estava tramitando normalmente na 6ª Vara de Santos.
Ocorre que o Juiz da 6ª Vara foi informado de que o Desembargador do TJ/SP determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema.
Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo Pedro e o Banco Itaú.
Pedro, contudo, não concorda com essa suspensão. Isso porque a matéria discutida na ação por ele proposta envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele que será julgado pelo TJ/SP no IRDR.

Diante disso, indaga-se: Pedro poderá interpor, imediatamente, um agravo de instrumento contra esta decisão do Juiz da 6ª Vara?
NÃO. Antes de interpor o agravo de instrumento, Pedro deverá adotar o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC.
Assim, Pedro terá que ingressar com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Em outras palavras, Pedro terá que alegar e demonstrar que existe um distinguishing (uma distinção) e que, portanto, o processo não deveria ficar suspenso.

Oitiva da outra parte
A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias.
Assim, o juiz deverá intimar o Banco Itaú para se manifestar sobre o requerimento do autor.

Decisão do Juiz
O Juiz, após analisar os argumentos do autor e do réu, poderá:
1) reconhecer que existe distinguishing: se ficar reconhecido que há, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o Juiz dará prosseguimento ao processo.
2) entender que não existe distinguishing: neste caso, o processo continua sobrestado.

Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção?
SIM. Caberá agravo de instrumento, nos termos do art. 1.037, § 13, I, do CPC:
Art. 1.037 (...)
§ 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá:
I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau;
(...)

Em nosso exemplo, se Pedro ou o Banco Itaú não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento.

Resumo das etapas do procedimento de distinção:
O procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC pode ser divido em cinco etapas:
a) intimação da decisão de suspensão (as partes são intimadas de que o processo em que litigam ficará suspenso aguardando o julgamento do repetitivo ou do IRDR);
b) parte que não concorda com a suspensão formula requerimento ao juízo de 1º grau demonstrando que existe distinção (distinguishing) entre a questão debatida no seu processo e àquela submetida ao julgamento repetitivo ou ao IRDR;
c) abertura de contraditório, a fim de que a parte adversa se manifeste sobre a matéria em 5 dias;
d) prolação de decisão interlocutória resolvendo o requerimento;
e) cabimento do agravo de instrumento em face da decisão que resolve o requerimento.

A parte que não concordou com a decisão poderia impetrar mandado de segurança?
NÃO. Não é possível, neste caso, a impetração de mandado de segurança contra a decisão que resolve o requerimento de distinção, tendo em vista que a Corte Especial do STJ por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, vedou expressamente o uso do mandado de segurança contra decisões interlocutórias.

Logo depois que a parte é intimada de que o processo em que litiga foi suspenso, ela já poderá, imediatamente, interpor o agravo de instrumento?
NÃO. Já respondi isso acima, mas fiz questão de repetir aqui para que não houvesse dúvidas.
Se a parte interpõe agravo de instrumento diretamente em face da decisão de suspensão, ela salta quatro das cinco etapas acima descritas, sem observar todas as demais prescrições legais, ou seja, sem permitir que a outra parte se manifeste e que o Juiz enfrente essa alegação.
O detalhado rito instituído pelo CPC no art. 1.037, §§ 9º a 13 não pode ser considerado como mera e irrelevante formalidade. Trata-se de procedimento de observância obrigatória, na medida em que visa, a um só tempo:
• materializar o contraditório em 1º grau acerca do requerimento de distinção;
• evitar a interposição de recursos prematuros e
• gerar a decisão interlocutória a ser impugnada (a que resolve a alegação de distinção), sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância.

Resumindo:
A decisão que suspende o processo em 1º grau em virtude da instauração de IRDR no Tribunal não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento ao fundamento de distinção. É necessário que, antes disso, seja instaurado o procedimento de distinção (distinguishing) tratado no art. 1.037, §§9º a 13 do CPC/2015, procedimento esse que foi previsto para os recursos especial e extraordinário repetitivos, mas que também se aplica para o IRDR.
Assim, o procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR.
Tanto os recursos especiais e extraordinários repetitivos como o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes.
Não há diferença ontológica nem tampouco justificativa teórica para um tratamento assimétrico (diferente) entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.846.109-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).


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