Obrigatoriedade de licitação
Como regra, a CF/88 impõe que a
Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e
alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art.
37, XXI).
O inciso XXI do art. 37 da CF/88 afirma
que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão
ser celebrados sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina
“contratação direta”.
Assim, a regra na Administração Pública
é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever
casos excepcionais em que será possível a contratação direta, sem licitação.
Contratação direta
A Lei de
Licitações (Lei nº 8.666/93) prevê três grupos de situações em que a
contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações
dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:
Dispensada
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Dispensável
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Inexigível
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Art. 17
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Art. 24
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Art. 25
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Rol taxativo
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Rol taxativo
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Rol exemplificativo
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A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação
direta.
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A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável,
a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).
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Como a licitação é uma disputa, é
indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes
para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a
inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.
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Ex.: quando a Administração Pública
possui uma dívida com o particular e, em vez de pagá-la em espécie, transfere
a ele um bem público desafetado, como forma de quitação do débito. A isso
chamamos de dação em pagamento (art. 17, I, "a").
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Ex.: compras de pequeno valor (inciso
II).
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Ex.: contratação de artista
consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.
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Inexigibilidade
O art. 25 da
Lei nº 8.666/93 trata sobre inexigibilidade de licitação nos seguintes termos:
Art. 25. É inexigível a licitação
quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais,
equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a
comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão
de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou
o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas
entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços
técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com
profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade
para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional
de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo,
desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Conforme já explicado, os incisos
do art. 25 são meramente exemplificativos.
Uma hipótese de inexigibilidade
de licitação que não está prevista nos incisos do art. 25 é o chamado
credenciamento.
Credenciamento
O credenciamento é uma hipótese
de inexigibilidade de licitação na qual “a Administração aceita como
colaborador todos aqueles que, atendendo as motivadas exigências públicas,
manifestem interesse em firmar contrato ou acordo administrativo.” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações
Públicas comentadas. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 348).
Desse modo, o credenciamento é um
procedimento por meio do qual a Administração Pública anuncia que precisa de
pessoas para fornecer determinados bens ou para prestarem algum serviço e que
irá contratar os que se enquadrem nas qualificações que ela exigir. Após esse
chamamento público, os interessados podem se habilitar para serem contratados.
Fala-se que é uma hipótese de
inexigibilidade de licitação porque não haverá competição (disputa) entre os
interessados. Todos os interessados que preencham os requisitos anunciados
serão considerados “credenciados” e estarão aptos a serem contratos.
“Outra
hipótese de inexigibilidade de licitação pública, que é cada vez mais
frequente, relaciona-se ao denominado credenciamento, porquanto todos os
Interessados em contratar com a Administração Pública são efetivamente
contratados, sem que haja relação de exclusão. Como todos os interessados são
contratados, não há que se competir por nada, forçando-se reconhecer, por
dedução, a inviabilidade de competição e a inexigibilidade de licitação
pública.
(...)
Seguindo essa
linha de raciocínio, nas hipóteses em que o interesse público demanda contratar
todos os possíveis interessados, todos em igualdade de condições, não há que se
cogitar de licitação pública, porque não há competição, não há disputa.
Em
apertadíssima síntese: a licitação pública serve para regrar a disputa de um
contrato; se todos são contratados, não há o que se disputar, inviável é a
competição e, por corolário, está-se diante de mais um caso de inexigibilidade,
quer queira ou não queira o legislador.” (Licitação
Pública e Contrato Administrativo. 4ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p.
119).
O credenciamento é previsto
expressamente na lei?
NÃO. Apesar disso, a doutrina e a
jurisprudência afirmam que ele é possível, sendo considerado uma hipótese de
inexigibilidade de licitação com base no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93.
TCU
O credenciamento é admitido na
jurisprudência do TCU, como hipótese de inviabilidade de competição não
expressamente mencionada no art. 25 da Lei nº 8.666/93 (Plenário, Acórdão
784/2018, Relator Min. Marcos Bemquerer).
Segundo a Corte de Contas, a
ausência de expressa previsão legal do credenciamento dentre os casos de
inexigibilidade de licitação previstos na Lei nº 8.666/93 não impede que a
Administração lance mão de tal procedimento e efetue a contratação direta entre
diversos fornecedores previamente cadastrados que satisfaçam os requisitos
estabelecidos pela Administração (Plenário, Acórdão 768/2013, Relator Min.
Marcos Bemquerer).
Para tanto, devem ser observados
requisitos como:
a) contratação de todos os que
tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração, não
havendo relação de exclusão;
b) garantia de igualdade de
condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração,
pelo preço por ela definido;
c) demonstração inequívoca de que
as necessidades da Administração somente poderão ser atendidas dessa forma
(Primeira Câmara, Acórdão 2504/2017, Rel. AUGUSTO SHERMAN).
Vale ressaltar que o próprio TCU
adota a prática de credenciamento em sua administração. Veja um exemplo
recente:
Depois que os interessados
estão cadastrados, como é feita a escolha daquele que irá prestar o serviço ou fornecer
o bem?
O edital de credenciamento irá
prever o critério de escolha. Alguns exemplos:
• escolha do terceiro que irá
utilizar o serviço (no caso, por exemplo, de credenciamento de médicos);
• opções de voo e preço da tarifa
(no caso, de companhias aéreas para fornecimento de passagens);
• sorteio;
• rodízio.
É possível a realização de
credenciamento para a contratação de serviços advocatícios?
SIM, mas apenas para serviços
advocatícios “comuns”, ou seja, que possam ser realizados de modo satisfatório
pela maior parte dos advogados. Significa dizer que se trata de serviço dotado
de certa simplicidade, sem exigência de um nível técnico tão aprofundado (Decisão
nº 624/1994-TCU-Plenário).
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
O Banco do Brasil S.A. (sociedade
de economia mista federal) publicou edital para credenciamento de advogados
para prestar serviços advocatícios nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
Ocorre que o edital de
credenciamento publicado pelo Banco do Brasil tinha uma peculiaridade: ele
previu um critério de pontuação, de forma que os advogados e escritórios que se
inscrevessem iriam ser avaliados e organizados segundo uma ordem de
classificação.
A previsão desse critério
de pontuação no edital de credenciamento é válida?
NÃO.
O TCU já decidiu que é “ilegal o
estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de escritórios de
advocacia por entidade da Administração em credenciamento” (Plenário, Acórdão
408/2012, Relator Min. VALMIR CAMPELO e Plenário, Acórdão 141/2013, Relator
Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES).
O credenciamento é considerado
como uma espécie de inexigibilidade de licitação justamente pelo fato de não
ser possível, em tese, a competição entre os interessados. Logo, a previsão de critérios
de pontuação entre os interessados contraria a natureza do processo de
credenciamento.
Assim, no credenciamento só se
admite a existência de requisitos mínimos. Se o interessado preencher, ele está
credenciado; se não atender, encontra-se eliminado. Os critérios permitidos
são, portanto, meramente eliminatórios (e não classificatórios).
Confira trecho do acórdão do TCU:
“(...) o credenciamento é
instituto aplicável em situações de inexigibilidade de licitação, quando não há
que se falar em concorrência dentre os interessados, uma vez que todos os
credenciados serão contratados nos termos propostos pelo órgão.
7. Na modalidade de
credenciamento, portanto, a avaliação técnica limita-se a verificar se a
empresa interessada possui capacidade para executar o serviço. Uma vez
preenchidos os critérios mínimos estabelecidos no edital, a empresa será
credenciada, podendo ser contratada em igualdade de condições com todas as
demais que também forem credenciadas.
8. A etapa de avaliação das
empresas é, portanto, apenas eliminatória, e não classificatória, já que nessa
modalidade não pode haver distinção entre as empresas credenciadas. Inexiste,
portanto, a possibilidade de escolha de empresas que mais se destaquem dentre
os parâmetros fixados pela entidade, visto que as empresas estariam competindo
para constarem como as mais bem pontuadas. O credenciamento não se presta para
este fim, uma vez que ele só se justifica em situações onde não se vislumbra
possibilidade de competição entre os interessados, conforme entendimento já
transcrito neste voto.
9. Ademais, nos termos da Decisão
nº 624/1994-TCU-Plenário, o credenciamento para contratação de serviços
advocatícios seria justificável quando se tratasse de serviços comuns, que
podem ser realizados de modo satisfatório pela maior parte dos advogados.
Significa dizer que se trata de serviço dotado de certa simplicidade, sem
exigência de um nível técnico tão aprofundado, não existindo, portanto,
diferenças de qualificação relevantes ao interesse público.”
O STJ também
adotou o mesmo entendimento do TCU e decidiu que:
O
estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em
credenciamento é ilegal.
STJ. 1ª
Turma. REsp 1.747.636-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/12/2019
(Info 662).
Sendo o credenciamento modalidade
de licitação inexigível em que há inviabilidade de competição, ao mesmo tempo
em que se admite a possibilidade de contratação de todos os interessados em
oferecer o mesmo tipo de serviço à Administração Pública, eventuais critérios
de pontuação exigidos no edital mostram-se contrários ao entendimento
doutrinário e jurisprudencial.