Dizer o Direito

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Conheça a interpretação não literal dada pelo STJ para o art. 97 do Código Penal



Conceito e natureza jurídica
Sanção penal é a resposta dada pelo Estado à pessoa que praticou uma infração penal.
Existem duas espécies de sanção penal:
a) pena;
b) medida de segurança.

“Medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 815).

Assim, a medida de segurança é aplicável para o indivíduo que praticou uma conduta típica e ilícita, mas, no tempo do fato, ele era totalmente incapaz (inimputável) ou parcialmente capaz (semi-imputável) de entender o caráter ilícito de sua conduta e de se autodeterminar segundo tal entendimento. Em razão disso, em vez de receber uma pena, ele estará sujeito a receber uma medida de segurança (AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. São Paulo: Método, p. 363).

Qual é o procedimento necessário para se constatar a necessidade ou não de aplicação da medida de segurança?
Se houver séria dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz determina a instauração de um incidente de insanidade mental.
O réu será submetido a um exame médico-legal que irá diagnosticar se ele, ao tempo da ação ou da omissão criminosa, tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Quais as conclusões que o juiz pode chegar com o incidente de insanidade?
Após o incidente e com base nas conclusões do médico perito, o juiz poderá concluir que o réu é...
imputável: nesse caso, ele será julgado normalmente e poderá ser condenado a uma pena;
inimputável: se ficar provado que o agente é inimputável, ou seja, que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ele era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele ficará isento de pena (art. 26 do CP) e poderá ou não receber uma medida de segurança, a depender de existirem ou não provas de que praticou fato típico e ilícito;
semi-imputável: se ficar provado que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele poderá: 1) ser condenado, mas sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3, nos termos do parágrafo único do art. 26 do CP; OU 2) receber medida de segurança, se ficar comprovado que necessita de especial tratamento curativo (art. 98 do CP).

Espécies de medida de segurança
Existem duas espécies de medida de segurança (art. 96 do CP):
DETENTIVA (INTERNAÇÃO)
RESTRITIVA (TRATAMENTO AMBULATORIAL)
Consiste na internação do agente em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
Obs.: se não houver hospital de custódia, a internação deverá ocorrer em outro estabelecimento adequado.
Consiste na determinação de que o agente se sujeite a tratamento ambulatorial.
É chamada de detentiva porque representa uma forma de privação da liberdade do agente.
O agente permanece livre, mas tem uma restrição em seu direito, qual seja, a obrigação de se submeter a tratamento ambulatorial.

Critério para escolha da internação ou tratamento ambulatorial
Segundo o art. 97 do CP:
Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Assim, se fosse adotada a redação literal do art. 97 teríamos o seguinte cenário:
• Se o agente praticasse fato punido com RECLUSÃO, ele receberia, obrigatoriamente, a medida de internação.
• Por outro lado, se o agente praticasse fato punido com DETENÇÃO, o juiz, com base na periculosidade do agente, poderia submetê-lo à medida de internação ou tratamento ambulatorial.

O STJ aplica a regra do caput do art. 97 do CP de forma absoluta?
NÃO. Esse critério previsto no caput do art. 97 do CP sempre foi alvo de críticas da doutrina. Isso porque ele determina a internação com base apenas na pena abstratamente prevista para o fato praticado. Assim, pela literalidade do dispositivo, o fato praticado fosse punido com reclusão, o juiz não teria opção e deveria aplicar, obrigatoriamente, a internação para o inimputável.
Ocorre que o melhor critério para definir se é internação ou tratamento ambulatorial deve ser o grau de periculosidade do agente, no caso concreto.
Em virtude disso, o STJ abrandou a regra legal e construiu a tese de que o art. 97 do CP não deve ser aplicado de forma isolada, devendo se analisar também qual é a medida de segurança que melhor se ajusta à natureza do tratamento de que necessita o inimputável.
Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: mesmo que o inimputável tenha praticado um fato previsto como crime punível com reclusão, ainda assim será possível submetê-lo a tratamento ambulatorial (não precisando ser internação), desde que fique demonstrado que essa é a medida de segurança que melhor se ajusta ao caso concreto.
A escolha da medida de segurança a ser aplicada não está relacionada com a gravidade do delito, mas sim com a periculosidade do agente. Logo, é cabível ao magistrado a opção por tratamento mais apropriado ao inimputável, independentemente de o fato ser punível com reclusão ou detenção.

Em suma:
À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.
Desse modo, mesmo em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável.
STJ. 3ª Seção. EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

Veja como o tema já foi cobrado em prova:
(DPE/CE 2014 FCC) A medida de segurança
a) consistente em internação só pode ser cumprida em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
b) consistente em tratamento ambulatorial pode ser aplicada, se favorável o parecer médico, ao autor de fato típico punido com reclusão, segundo entendimento jurisprudencial.
c) pode ser imposta por tempo indeterminado, em substituição da pena privativa de liberdade, se sobrevier doença mental no curso da execução.
d) não pode ser imposta se extinta a punibilidade apenas na hipótese de prescrição.
e) pode ser imposta ao autor de fato típico que tenha atuado sob o amparo de excludente da ilicitude.
Gabarito: letra B




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