O que é o contrato de
seguro?
No contrato de seguro, “o
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse
legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados” (art. 757 do CC).
Em outras palavras, no contrato
de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de “segurada”) paga uma
quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”)
assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de
“sinistro”), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente
estipulada (indenização).
Ex.: João celebra um contrato de
seguro do seu veículo com a seguradora X e todos os meses paga R$ 100,00 como
prêmio; se, por exemplo, o carro for roubado (sinistro), a seguradora deverá
pagar R$ 30 mil a título de indenização para o segurado.
Nomenclaturas utilizadas
nos contratos de seguro
• Risco: é a possibilidade de
ocorrer o sinistro. Ex.: risco de morte.
• Sinistro: o sinistro é o risco
concretizado. Ex.: morte.
• Apólice (ou bilhete de seguro):
é um documento emitido pela seguradora, no qual estão previstos os riscos
assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio
devido e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.
• Prêmio: é a quantia paga pelo
segurado para que o segurador assuma o risco. O prêmio deve ser pago depois de
recebida a apólice. O valor do prêmio é fixado a partir de cálculos atuariais e
o seu valor leva em consideração os riscos cobertos.
• Indenização: é o valor pago
pela seguradora caso o risco se concretize (sinistro).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João, em 2010, fez um contrato de
seguro de vida em favor de sua esposa e filhos.
Na época, o segurado tinha 50
anos.
O contrato tinha duração de 5
anos.
Ao final do prazo de vigência do
contrato, em 2015, João decidiu renová-lo por mais 5 anos.
Em
2020, encerrou-se o prazo novamente e João procurou a seguradora para fazer a
renovação mais uma vez.
João, no entanto, surpreendeu-se
porque o valor do prêmio cobrado pela seguradora para renovar o contrato estava
200% mais alto.
A funcionária da empresa explicou
que incide esse aumento porque o segurado (João) entrou na faixa de 60 anos de
idade e que, a partir daí, os preços sobem mesmo. A atendente mostrou que esse
incremento do prêmio pela faixa de preço estava previsto na cláusula 5.4.2 do
contrato de seguro assinado.
João ajuizou demanda pedindo a nulidade
da cláusula de reajuste por faixa etária.
O autor argumentou que a cláusula
de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de
acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado maior de
60 anos de idade e que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual.
João pediu
que fossem aplicadas, ao caso concreto, por analogia, as regras previstas para
os contratos de plano de saúde na forma do art. 15, parágrafo único, da Lei nº
9.656/98:
Art. 15. A variação das
contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que
tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do
consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial
as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas,
conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para
consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez
anos.
Para o requerente, a Lei nº 9.656/98
regula os planos e seguros de saúde, mas, diante da inexistência de lei
específica para os seguros de vida, este diploma deveria ser aplicado por analogia.
A tese de João encontra
amparo na jurisprudência atual do STJ? Essa cláusula é nula pelo fato de João ter
mais de 60 anos e contar com mais de 10 anos de contrato?
NÃO. Essa tese já foi acolhida
pelo STJ, no entanto, atualmente, não é mais aceita.
Prevalece, atualmente, que, em
regra, a cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal
(válida).
Vamos entender abaixo as razões
que levaram o STJ a decidir assim.
Fator etário integra o
risco do contrato
O fator etário, ou seja, a idade
do segurado, integra diretamente o risco tanto do contrato de seguro saúde
quanto do contrato de seguro de vida. Isso porque é óbvio que o avanço da idade
aumentar o risco de sinistro em ambos os contratos, ou seja, aumenta os riscos
de doença e de morte.
Apenas a título de curiosidade, o
gasto per capta com procedimentos médicos das pessoas da última faixa
etária (acima de 59 anos) é 6,8 vezes mais alto do que o gasto da primeira (até
18 anos) e é mais que o dobro dos gastos da faixa etária anterior (de 54 a 58
anos) (CECHIN, José. Fatos da vida e o contorno dos planos de saúde. In:
Planos de saúde: aspectos jurídicos e econômicos. Luiz A. F. Carneiro (coord).
Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 208).
Essa última faixa apresenta,
portanto, um elevado desvio padrão, ou seja, os ocupantes dessa faixa se
distanciam muito dos números das pessoas das demais faixas.
Técnicas de gestão de risco
(técnicas de compensação do desvio de risco)
Para suportar esse desvio do
padrão de risco as seguradoras se utilizam de diversas técnicas de gestão de
risco. Alguns exemplos das
técnicas que são adotadas:
a) a dispersão dos riscos:
a seguradora se compromete a garantir apenas riscos isolados, de modo que um
evento não afete todos os segurados ao mesmo tempo;
b) pulverização do risco:
técnica através da qual a seguradora limita sua cobertura em um valor, e tudo
que exceder sua capacidade é transferido a outro segurador pelo resseguro ou
cosseguro;
c) seleção dos riscos (art.
757 CC): o segurador elimine o fator de risco, seja excluindo a cobertura
de riscos elevados (p. ex., de doença preexistente à contratação), seja
recusando a proposta de seguro; e
d) a formação de reservas
técnicas.
Nesse
sentido: PETERSON, Luiza Moreira. O risco no contrato de seguro. São Paulo:
Roncarati, 2018, p. 114).
Qual técnica é utilizada no
caso dos seguros/planos de saúde?
No caso dos seguros/planos de
saúde, a legislação impõe às seguradoras uma técnica que mais se aproxima da
pulverização do risco, pois o desvio de risco verificado na faixa etária dos
assistidos idosos deve ser suportado, em parte, pelos clientes mais jovens,
numa espécie de solidariedade intergeracional.
Qual é a técnica utilizada
no caso dos seguros de vida?
No âmbito dos contratos de seguro
de vida, não há uma norma impondo às seguradoras a adoção de um ou outra
técnica de compensação do “desvio de risco” dos segurados idosos.
Diante da ausência de norma
específica para a proteção dos segurados idosos nos contratos de seguro de
vida, a jurisprudência da 3ª Turma do STJ aplicava, por analogia, a
norma do art. 15 da Lei dos Planos de Saúde, acima transcrito. Nesse sentido: STJ.
3ª Turma. REsp 1.376.550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/4/2015
(Info 561).
Essa posição, no entanto, mudou.
Não se deve aplicar a
analogia porque são contratos de natureza distintas
Não é possível aplicar, por
analogia, a Lei dos Planos de Saúde para os contratos de seguro de vida. Isso
porque são contratos que possuem natureza distintas e protegem bens de
relevância diferente.
• Direito assistência à saúde
(plano de saúde): está diretamente relacionada com o princípio da dignidade da
pessoa humana;
• Direito à indenização do seguro
de vida: direito que não extrapola, em regra, a esfera patrimonial dos
beneficiários desse contrato.
A regra do art. 15 da Lei nº
9.656/98 justifica-se para os planos de saúde porque o idoso, muitas vezes
depois de pagar o plano de saúde por anos, acabava impossibilitado de continuar
com os pagamentos mensais no momento em que mais precisava da assistência médica
e hospitalar devido aos aumentos desproporcionais no valor do prêmio.
Hipótese bem diversa é a dos
contratos de seguro de vida, cuja contratação tem por objetivo garantir um
dinheiro para que a família do segurado receba como indenização em caso de sua
morte. Ao contratar um seguro de vida, o segurado busca, em regra, proteger
seus dependentes financeiros. Assim, os seus beneficiários designados terão
direito ao capital estipulado na apólice para enfrentar, pelo menos por um
período, as adversidades decorrentes da possível redução da renda familiar,
caso o segurado venha a falecer de forma inesperada.
Comprometimento do
equilíbrio financeiro do contrato
Desse modo, como não há previsão legal, não se pode proibir
que as seguradoras estabeleçam em seus contratos de segurado de vida uma
cláusula de reajuste por faixa etária, cobrando um prêmio maior dos segurados
idosos, para compensar o desvio de risco verificado nessa classe de segurados.
Se
o Poder Judiciário fizesse a revisão desta cláusula para simplesmente eliminar
o reajuste da faixa etária dos idosos isso comprometeria o equilíbrio
financeiro do contrato de seguro de vida, pois todo o desvio de risco dos
idosos passaria a ser suportado pelo fundo mútuo, sem nenhuma compensação no
valor do prêmio.
Não importa que o segurado
já tenha mais de 10 anos de contrato
O fato de o segurado já ter mais
de 10 anos de contrato não modificada a situação. Isso porque o regime
financeiro do contrato de vida é o da repartição simples. Logo, os prêmios
arrecadados do segurado ao longo da vigência do contrato destinam-se ao
pagamento dos sinistros ocorridos naquele período do contrato. Não se trata de
contrato de capitalização. A seguradora não guarda para o futuro.
Assim, findo o prazo do contrato,
pouco importa quantas vezes ele tenha sido renovado. Isso porque não há uma reserva
matemática vinculada a cada participante.
Esse é também o entendimento da
4ª Turma do STJ:
A previsão de reajuste por implemento de idade, mediante prévia
comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não
configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do
contrato.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 19/03/2019.
Em suma:
Em regra, é válida a cláusula de reajuste por faixa
etária em contrato de seguro de vida.
Essa cláusula somente não será válida nos casos em
que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do “desvio
de risco” dos segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva
técnica para esse fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da
capitalização (em vez da repartição simples).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.750-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 26/11/2019 (Info 663).
Mudança de entendimento
Vale ressaltar que o julgado
acima representa uma mudança de entendimento.
Assim, por favor, faça anotações
em seus livros e materiais de estudo:
No Info 561 do STJ, o seguinte
julgado está SUPERADO:
STJ. 3ª Turma. REsp 1376550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado
em 28/4/2015 (Info 561).
A tese 3 do Jurisprudência em
Teses do STJ (edição 98) também está SUPERADA:
3) Em decorrência da aplicação
analógica do parágrafo único do art. 15 da Lei n. 9.656/1998, que dispõe sobre
os planos e seguros privados de assistência à saúde, é abusiva a cláusula que
estabelece fatores de aumento do prêmio do seguro de vida de acordo com a faixa
etária após o segurado completar 60 anos de idade e ter mais de 10 anos de
vínculo contratual.