FGTS
O FGTS foi criado pela Lei nº
5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Atualmente, o FGTS é regido pela
Lei nº 8.036/90.
O FGTS nada mais é do que uma
conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em
que celebra seu primeiro contrato de trabalho.
Nessa conta bancária, o
empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao
empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla
“JAM”).
Assim, vai sendo formado um fundo
de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”,
que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando
precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.
Se o empregado for demitido sem
justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do
trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os
depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de
trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art.
18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
O art. 20 desta Lei prevê as
hipóteses nas quais a conta do FGTS pode ser movimentada, ou seja, os casos nos
quais o trabalhador poderá levantar (“sacar”) o valor depositado em sua conta
do FGTS.
A Caixa Econômica Federal – CEF
(empresa pública federal) exerce o papel de agente operador do FGTS (art. 4º da
Lei nº 8.036/90), sendo ela a responsável por manter e controlar as contas
vinculadas do FGTS.
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
O Procurador da República
(Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública contra a Caixa
Econômica Federal pedindo para que, havendo as movimentações previstas no art.
20, I, II, IX e X, da Lei nº 8.036/90, seja feita a liberação de todas as
contas de titularidade do empregado, e não somente da conta atrelada ao último
vínculo de trabalho.
Arguição de ilegitimidade
do MP
Em
contestação, a CEF alegou que o MP não tinha legitimidade para ajuizar ACP
tratando sobre o tema em virtude da vedação contida no parágrafo único do art.
1º da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):
Art. 1º (...)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam
tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza
institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
(Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)
Além disso, a CEF argumentou que,
na referida ação, o Ministério Público está tutelando direitos individuais
homogêneos que são disponíveis, de forma que isso não se amolda às funções institucionais
conferidas ao Parquet no art. 127 da CF/88.
A questão chegou até o STF. O Ministério Público tem legitimidade para
propor ação civil pública neste caso?
SIM.
O Ministério Público tem legitimidade para a
propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado
em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).
Direitos individuais
homogêneos de caráter social
O Ministério
Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá
representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses
discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais,
que são previstas no art. 127 da CF:
Art. 127. O Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público possui
legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos?
1) Se esses direitos forem
indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor).
2) Se esses direitos forem
disponíveis: depende. O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos
individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se
houver relevância social).
Nesse sentido:
(...) 5. No entanto, há certos
interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma
coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses
puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses
dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa
perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a
esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas
também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja
preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela
jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que
legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da
Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do
Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença
genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos.
6. Cumpre ao Ministério Público, no
exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa
a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais
qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe
ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a
causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz
conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e §
4.º). (...)
STF. Plenário. RE 631111, Rel. Min.
Teori Zavascki, julgado em 07/08/2014.
FGTS tem enorme relevância
social
O Ministério Público possui
legitimidade constitucional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja
pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque
esta demanda tutela direitos individuais homogêneos, mas que apresenta
relevante interesse social.
No exemplo dado, o Ministério
Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em
face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo
organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas
fundiárias dos trabalhadores.
Vale ressaltar que o FGTS é um
direito social previsto no inciso III do art. 7º da CF/88, constituindo-se em
direito fundamental.
Mas e a vedação do art. 1º,
parágrafo único da Lei nº 7.347/85?
É necessário que seja feita uma
interpretação conforme a Constituição Federal do parágrafo único do art. 1º da
Lei 7.347/85, ou seja, é necessário que esse dispositivo seja lido em
conformidade com o texto constitucional.
O objetivo desta previsão foi
apenas o de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem
propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou
para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias.
Assim, esse art. 1º, parágrafo
único não constitui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil
pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses
sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais
homogêneos. Se o Ministério Público está propondo uma ação civil pública
tratando sobre direitos individuais homogêneos com relevante interesse social,
a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da
CF/88.
Outros exemplos de direitos
individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude
de envolverem relevante interesse social
• valor de mensalidades escolares
(STF. Plenário. RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, julgado em
26/2/1997);
• contratos vinculados ao Sistema
Financeiro da Habitação (STF. 2ª Turma. AI 637.853 AgR/SP, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, DJe de 17/9/2012);
• contratos de leasing (STF. 2ª
Turma. AI 606.235 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22/6/2012);
• interesses previdenciários de
trabalhadores rurais (STF. 1ª Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli,
DJe de 29/9/2011);
• aquisição de imóveis em
loteamentos irregulares (STF. 1ª Turma. RE 328.910 AgR/SP, Rel. Min. Dias
Toffoli, DJe de 30/9/2011);
• diferenças de correção
monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2ª Turma. RE 514.023 AgR/RJ, Rel.
Min. Ellen Gracie, DJe de 5/2/2010).