Dizer o Direito

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Lei de Abuso de Autoridade - parte 2



DECRETAÇÃO DE MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM DESCONFORMIDADE COM A LEI
Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;
III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

CRIME DO CAPUT
Em que consiste o delito:
A autoridade judicial decreta medida privativa de liberdade em desacordo com as hipóteses autorizadas pela lei.

Medidas de privação de liberdade
Medidas de privação de liberdade previstas no ordenamento jurídico e que podem ser objeto deste crime:
• Prisão cautelar (prisão temporária, prisão preventiva);
• Prisão para cumprimento da execução provisória da pena;
• Prisão para cumprimento da execução definitiva da pena;
• Medida de segurança detentiva (internação) (art. 96, I, do CP);
• Semiliberdade (art. 120 do ECA);
• Internação (art. 121 do ECA);
• Internação psiquiátrica (art. 6º da Lei nº 10.216/2001).

Sujeito ativo
A autoridade judicial (Juiz, Desembargador, Ministro).

Sujeito passivo
É o Estado e também a pessoa que teve privada a sua liberdade.

Elemento subjetivo
Dolo acrescido do elemento subjetivo especial (finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal).
Não se pune a conduta culposa.

Consumação
O crime se consuma com a decretação, ou seja, com a prolação da decisão determinando a medida de privação da liberdade, ainda que ela não se consuma.
Trata-se, portanto, de crime formal, que não depende da produção de resultado naturalístico.
Desse modo, imagine que o juiz decreta a prisão mesmo sendo manifestamente descabida. Antes que a providência seja cumprida, o indivíduo consegue do Tribunal uma ordem em habeas corpus cassando a decisão de 1ª instância. Em tese, o crime estará consumado mesmo não tendo havido a efetiva condução coercitiva.

Suspensão condicional do processo
Como a pena mínima é igual a 1 ano, cabe suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

CRIME DO PARÁGRAFO ÚNICO
Providências que o juiz deverá adotar diante de uma prisão em flagrante
Segundo o art. 310 do CPP, o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, quando: 
• estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP e
• se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Os incisos I e II do parágrafo único do art. 9º têm por objetivo principal punir o magistrado que, dentro de prazo razoável, deixa de dar cumprimento adequado ao art. 310 do CPP.

Inciso I
A prisão ilegal deve ser relaxada pela autoridade judiciária competente.
É o caso, por exemplo, em que o juiz recebe o auto de prisão em flagrante e constata que o indivíduo foi preso por conta de um fato atípico ou percebe que não havia situação de flagrância. Nestas hipóteses, exemplificativas, cabe ao juiz relaxar a prisão do indivíduo, colocando-o em liberdade, salvo se houver algum outro motivo para o cárcere.

Inciso II
O estudo do inciso II deve ser dividido em duas partes:
1) deixar de “substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa”.
Prisão preventiva é uma espécie de prisão de natureza cautelar, decretada na fase das investigações ou durante a ação penal, desde que presentes os pressupostos e requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do CPP.
Ocorre que a prisão preventiva é uma medida extrema e somente deve ser decretada (ou mantida) se não couber nenhuma outra medida cautelar. A prisão é a última das medidas cautelares que deverá ser adotada. Assim, somente será determinada a prisão quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 282, § 6º do CPP).
O art. 319 do CPP prevê a lista de medidas cautelares diversas da prisão:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.

2) deixar “de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível”
Liberdade provisória é uma medida de contracautela concedida pela autoridade judicial que, ao receber o auto de prisão em flagrante, constata que a prisão efetuada foi legal, mas que não há motivos para se decretar a prisão preventiva, razão pela qual o flagranteado deverá ser solto, com ou sem a imposição de medidas cautelares diversas.
A liberdade provisória é relacionada, portanto, com a prisão em flagrante, não sendo a medida adequada para o caso de já ter sido decretada a prisão preventiva. Vamos comparar e entender os institutos:
Relaxamento da prisão
Revogação da                prisão preventiva
Liberdade provisória
É a decisão do magistrado reconhecendo que a prisão é ilegal, ou seja, que não atende os requisitos formais.
É a decisão do magistrado reconhecendo que não há motivos para a prisão preventiva, devendo, portanto, esta medida ser revogada.
É a decisão do magistrado reconhecendo que a prisão em flagrante foi legal, mas que não há motivos para convertê-la em prisão preventiva, motivo pelo qual o flagranteado deve ser solto, com ou sem a imposição de medidas cautelares.

Inciso III
Deixar de “deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível”.
Este inciso III é extremamente amplo. Isso porque ele não se limita aos casos de prisão em flagrante. Na verdade, não se restringe nem mesmo aos casos de prisão.
Explico. No Brasil, o habeas corpus apresenta uma feição bem ampla, sendo cabível mesmo quando o paciente não está preso e mesmo quando ato impugnado não implicar risco imediato de prisão.
Nesse sentido, o STF recentemente decidiu que:
Cabe habeas corpus mesmo nas hipóteses que não envolvem risco imediato de prisão, como na análise da licitude de determinada prova ou no pedido para que a defesa apresente por último as alegações finais, se houver a possibilidade de condenação do paciente. Isso porque neste caso a discussão envolve liberdade de ir e vir.
STF. 2ª Turma. HC 157627 AgR/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 27/8/2019 (Info 949).

Assim, o inciso III do parágrafo único do art. 9º pune, em suma, a demora no julgamento do habeas corpus.

Liminar em habeas corpus: é a decisão concedendo o pedido formulado pelo impetrante antes que o processo de habeas corpus chegue ao fim.
Ordem de habeas corpus: é a decisão concedendo o pedido formulado pelo impetrante, mas já ao final do processo de habeas corpus.
Vale relembrar que, apesar de ser mais comum a impetração de habeas corpus nos Tribunais, existe também a possibilidade de o juízo de 1ª instância julgar habeas corpus. É o caso, por exemplo, em que o impetrante questiona um ato do Delegado de Polícia.

Dentro de prazo razoável
A grande dúvida e polêmica envolvendo este tipo penal diz respeito ao conceito de “prazo razoável”. Trata-se de conceito aberto que deverá ser analisado com base nas peculiaridades do caso concreto.




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