Dizer o Direito

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lei de Abuso de Autoridade - parte 1



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Como vocês sabem, recentemente foi aprovada a Lei nº 13.869/2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade.

Vou iniciar aqui uma série de posts com breves comentários sobre a novidade legislativa.

Espero que sejam úteis à compreensão do tema.

1. NOÇÕES GERAIS
1.1 NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
Lei nº 4.898/65
O abuso de autoridade já era punido criminalmente pela Lei nº 4.898/65.
A Lei nº 4.898/65 é revogada pela Lei nº 13.869/2019, que passa a regular inteiramente o tema.

Lei nº 13.869/2019
A Lei nº 13.869/2019 define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por...
- agente público,
- seja ele servidor ou não,
- que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las,
- abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.

1.2 SUJEITOS DO CRIME
Crimes próprios
Os crimes previstos na Lei nº 13.869/2019 são próprios, ou seja, só podem ser praticados por “agentes públicos”, nos termos do art. 2º.

Sujeito ativo
É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade...
- qualquer agente público,
- seja servidor público ou não,
- da administração direta, indireta ou fundacional
- de qualquer dos Poderes
- da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território.

Conceito de agente público
Reputa-se agente público, para os efeitos da Lei de abuso de autoridade:
- todo aquele que exerce,
- ainda que transitoriamente ou sem remuneração,
- por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
- mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes, em todas as esferas.

Rol exemplificativo de sujeitos ativos
A Lei traz um rol exemplificativo de sujeitos ativos.
Assim, podem ser sujeitos ativos dos crimes de abuso de autoridade, dentre outros:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II - membros do Poder Legislativo;
III - membros do Poder Executivo;
IV - membros do Poder Judiciário;
V - membros do Ministério Público;
VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.

Concurso de pessoas
Embora sejam crimes próprios, os delitos previstos na Lei nº 13.869/2019 admitem a coautoria e a participação. Isso porque a qualidade de “agente público”, por ser elementar do tipo, comunica-se aos demais agentes, nos termos do art. 30 do Código Penal, desde que eles tenham conhecimento dessa condição pessoal do autor:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Sujeito passivo
Os crimes de abuso de autoridade previstos na Lei nº 13.869/2019 são delitos de “dupla subjetividade passiva”. Isso porque são condutas que atingem dois sujeitos passivos.
O sujeito passivo principal ou imediato é a pessoa física ou jurídica diretamente atingida ou prejudicada pela conduta abusiva. Ex: o preso, no caso do art. 13.
O sujeito passivo secundário ou mediato é o Estado (Poder Público) que tem a sua imagem, credibilidade e até patrimônio ofendidos quando um agente seu pratica ato abusivo.

1.3 ELEMENTO SUBJETIVO
Elemento subjetivo especial
Todos os delitos previstos na Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) são dolosos.
Além disso, exige-se um elemento subjetivo especial (especial fim de agir, “dolo específico”).

Elemento subjetivo especial dos crimes de abuso de autoridade
O agente só comete crime de abuso de autoridade se:
1) ao praticar a conduta tinha a finalidade específica de:
• prejudicar alguém; ou
• beneficiar a si mesmo ou a terceiro; OU
2) tiver praticado a conduta por mero capricho ou satisfação pessoal.

É o que prevê o § 1º do art. 1º da Lei:
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Divergência de interpretação ou de avaliação dos fatos
A atuação dos operadores do Direito envolve constantemente a interpretação de leis e atos normativos e a apreciação de fatos e provas.
Ocorre que, por mais que sejam utilizados critérios e métodos teóricos para o exercício de tais atividades, o certo é que elas possuem boa dose de subjetividade. Essa subjetividade faz com que surjam divergências na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e provas.
Tais divergências, por si só, não poderiam ser punidas como abuso de autoridade. Pensando nisso, o § 2º do art. 1º da Lei prevê tais situações como causa de exclusão da tipicidade nos seguintes termos:
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.

Ex: o membro do Ministério Público denuncia o acusado afirmando que sua conduta configura o crime “X”. Ocorre que existe uma segunda corrente – diversa daquela sustentada pelo MP – que defende que essa conduta é atípica. O juiz adota essa segunda posição e rejeita a denúncia por entender que não a situação não se amolda àquele tipo penal. O simples fato de haver essa divergência de interpretação não gera a conclusão de que o integrante do Parquet tenha agido com abuso de autoridade.

Ex2: o Promotor de Justiça denuncia o acusado por furto por entender que ele é o único que estava no local quando o bem foi subtraído, tendo ele sido visto pelas testemunhas com um objeto escondido debaixo da camisa. Durante a instrução ficou demonstrado que o acusado não estava com a res furtiva e que, portanto, ele era inocente. A simples divergência na avaliação dos fatos e das provas não gera a conclusão de que o membro do MP tenha agido com abuso de autoridade.

O objetivo deste dispositivo foi o de evitar aquilo que Rui Barbosa chamou de “crime de hermenêutica”, que ocorre quando o operador do Direito (em especial o magistrado) é responsabilizado criminalmente pelo simples fato de sua intepretação ter sido considerada errada pelo Tribunal revisor.
O tema não é novo e, como dito, Rui Barbosa, há muitos anos, já condenava as tentativas de se criar o “crime de hermenêutica”:
“Para fazer do magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o Juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias da sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos textos.
Esta hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea. E, se passar, fará da toga a mais humilde das profissões servis, estabelecendo, para o aplicador judicial das leis, uma subalternidade constantemente ameaçada pelos oráculos da ortodoxia cortesã. Se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do Direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema dos recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo. (...)” (Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XXIII, Tomo III, p. 228).

Na vigência da antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65), a jurisprudência já rechaçava a possibilidade de se responsabilizar criminalmente o magistrado pela mera divergência de interpretação:
(...) 1. Faz parte da atividade jurisdicional proferir decisões com o vício in judicando e in procedendo, razão por que, para a configuração do delito de abuso de autoridade há necessidade da demonstração de um mínimo de "má-fé" e de "maldade" por parte do julgador, que proferiu a decisão com a evidente intenção de causar dano à pessoa.
2. Por essa razão, não se pode acolher denúncia oferecida contra a atuação do magistrado sem a configuração mínima do dolo exigido pelo tipo do injusto, que, no caso presente, não restou demonstrado na própria descrição da peça inicial de acusação para se caracterizar o abuso de autoridade. (...)
STJ. Corte Especial. APn 858/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/10/2018.


1.4 AÇÃO PENAL
Ação pública incondicionada
Todos os crimes previstos na Lei nº 13.869/2019 são de ação penal pública incondicionada:
Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

Mesmo que o caput do art. 3º da Lei não previsse isso, a ação penal seria pública incondicionada por força do art. 100 do Código Penal.

Ação penal privada subsidiária da pública
O § 1º do art. 3º da Lei nº 13.869/2019 prevê o seguinte:
§ 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Trata-se da chamada ação penal privada subsidiária da pública.
O Ministério Público tem um prazo previsto na lei para o ajuizamento da ação penal pública. Se o membro do Parquet não oferece a denúncia neste prazo, o ordenamento jurídico permite que o ofendido (a vítima) tome a providência que o MP deveria ter feito e ofereça a ação penal em nome próprio. Neste caso, o ofendido apresenta uma queixa-crime substitutiva (supletiva) da denúncia.
Ex:  imagine que João foi vítima de abuso de autoridade praticado pelo Delegado; o MP não oferece a denúncia no prazo legal; João (ofendido) poderá suprir essa inércia do MP propondo uma queixa que substituindo a denúncia que deveria ter sido oferecida pelo Parquet. Isso é chamado de ação privada subsidiária da pública.

O prazo para o oferecimento da denúncia está previsto no art. 46 do CPP:
• estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial;
• se o réu estiver solto ou afiançado, o prazo é de 15 dias.

Ação privada subsidiária é instrumento para suprir eventual inércia do MP, não para se contrapor à providência adotada pelo órgão ministerial
Ao final do prazo legal previsto no art. 46 do CPP, o membro do Ministério Público tem, basicamente, quatro possibilidades:
a) oferecer denúncia;
b) requisitar a realização de novas diligências;
c) pedir o arquivamento;
d) requerer a declinação de competência.

Para que o ofendido possa ajuizar a ação privada subsidiária, é necessário que o membro do MP fique completamente inerte no prazo legal do art. 46 do CPP, ou seja, que não adote nenhuma dessas quatro providências.
Assim, se o Promotor de Justiça/Procurador da República pedir o arquivamento do inquérito policial, o ofendido, mesmo que discorde disso, não poderá ajuizar a ação privada subsidiária considerando que não houve inércia do MP. Se o ofendido oferecer ação privada subsidiária neste caso, o juiz deverá rejeitar a queixa substitutiva por ilegitimidade de parte.
Reiterando: a ação privada subsidiária só pode ser ajuizada em caso de inércia do MP, não servindo como instrumento para que o ofendido discorde da providência tomada pelo Parquet.

Alguns julgados sobre o tema:
Somente é possível a ação penal subsidiária da pública quando restar configurada inércia do Ministério Público, não sendo cabível nas hipóteses de arquivamento de inquérito policial promovido pelo membro do Parquet e acolhido pelo juiz.
No caso concreto, não houve desídia do órgão acusador que, conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, propôs o arquivamento do inquérito policial, entendendo não haver condições de procedibilidade para o oferecimento da denúncia em razão da inexistência de relevância jurídica na conduta investigada.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1508560/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/11/2018.

A ação privada subsidiária da pública só é possível quando o Órgão Ministerial se mostrar desidioso e não se manifestar no prazo previsto em lei. Se o Ministério Público promove o arquivamento do inquérito ou requer o seu retorno ao delegado de polícia para novas diligências, não cabe queixa subsidiária; se oferecida, a rejeição se impõe por ilegitimidade de parte, falta de pressuposto processual da ação.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1049105/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/10/2018.

É incabível a impetração de mandado de segurança por parte da vítima contra decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, seja por considerá-la desprovida de conteúdo jurisdicional, seja devido ao fato de que o titular da ação penal pública incondicionada é o Ministério Público, não sendo cabível o eventual oferecimento de ação penal privada subsidiária sem a prova de sua inércia.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RMS 51.404/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/05/2019.

O tema foi objeto de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, tendo sido fixadas as seguintes teses:
(...) Questão constitucional resolvida no sentido de que: (i) o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público. Diligências internas à instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta de iniciativa da ação penal pública. (...)
STF. Plenário virtual. ARE 859251 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/04/2015.

Legitimidade
A legitimidade para a ação privada subsidiária é do ofendido (vítima) ou de seu representante legal (art. 31 do CPP).

Prazo para oferecimento da ação privada subsidiária
Segundo o § 2º do art. 3º, o ofendido tem o prazo de 6 meses para oferecer a queixa substitutiva:
§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

Importante esclarecer que se trata de um prazo decadencial impróprio considerando que, mesmo após ele se esgotar, o Ministério Público pode ajuizar a denúncia ou tomar outras providências. O simples decurso do prazo de 6 meses não gera a extinção da punibilidade. A única consequência que acarreta é o fato de o ofendido não poder mais ajuizar a ação privada subsidiária não influenciando nos poderes do MP.
Conforme explicam Klaus Negri Costa e Fábio Roque Araújo:
“O prazo para oferecimento da queixa-substitutiva é de 6 meses, de natureza decadencial. É interessante notar que, mesmo tendo natureza decadencial, o escoamento desse prazo in albis não acarretará a extinção da punibilidade. O único efeito da perda do prazo decadencial será, tão somente, a impossibilidade de ajuizamento da queixa-substitutiva pelo ofendido - mas o Ministério Público continuará, respeitado o prazo prescricional, legitimado a oferecer denúncia.” (COSTA, Klaus Negri; ARAÚJO, Fábio Roque. Processo Penal didático. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 199)

Esse art. 3º da Lei nº 13.869/2019 era juridicamente necessário?
Não. Isso porque a ação penal privada subsidiária da pública já é prevista expressamente no art. 5º, LIX, da CF/88, sendo considerada, inclusive, uma cláusula pétrea:
Art. 5º (...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

Além disso, em nível infraconstitucional, o tema já era disciplinado da mesma forma pelo CPP:
Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.


1.5 COMPETÊNCIA
Foro por prerrogativa de função
O primeiro passo para se definir a competência no caso de crimes da Lei do Abuso de Autoridade é verificar se a Constituição Federal prevê foro por prerrogativa de função para o agente público que praticou o delito.
Se a autoridade que praticou o delito no exercício das suas funções goza de foro por prerrogativa de função, deverá ser julgada pelo respectivo Tribunal. Ex: Juiz Federal que pratique abuso de autoridade será julgado pelo Tribunal Regional Federal, nos termos do art. 108, I, a, da CF/88:
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

Vale lembrar que, segundo a interpretação restritiva do STF:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
STF. Plenário AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Justiça Federal ou Estadual
Sendo a competência do juízo de 1ª instância, será necessário analisar se a competência é da Justiça Estadual ou Federal.
A competência para julgar o delito será, em regra, determinada pela esfera ao qual estiver vinculado o agente público que praticou o crime.
Assim, em regra:
Se o delito foi praticado por autoridade (agente público) federal no exercício dessa função: o crime será de competência da Justiça Federal, considerando que, neste caso, o delito terá sido praticado em detrimento de um serviço público federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88:
Art. 109 (...)
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Obviamente, para a competência ser da Justiça Federal, o crime deve estar relacionado com as funções federais exercidas pelo agente público, conforme se aprende pela súmula 147 do STJ:
Súmula 147-STJ: Compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

Se o delito foi praticado por autoridade (agente público) estadual ou municipal no exercício dessa função: o crime será, em regra, de competência da Justiça Estadual, que é residual.

Justiça Militar pode julgar crime de abuso de autoridade?
SIM.
Em 1996, o STJ editou um enunciado dizendo o seguinte:
Súmula 172-STJ: Compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

Ocorre que o entendimento contido nesta súmula está superado pela Lei nº 13.491/2017, que alterou o art. 9º, II, do CPM.
Antes da alteração, se o militar, em serviço, cometesse abuso de autoridade ele seria julgado pela Justiça Comum porque o art. 9º, II, do CPM afirmava que somente poderia ser considerado como crime militar as condutas que estivessem tipificadas no CPM.
Assim, como o abuso de autoridade não está previsto no CPM, mas sim na Lei nº 4.898/65, este delito não podia ser considerado crime militar nem podia ser julgado pela Justiça Militar. Isso, contudo, mudou com a nova redação dada pela Lei nº 13.491/2017 ao art. 9º, II, do CPM.
Com a mudança, a conduta praticada pelo agente, para ser crime militar com base no inciso II do art. 9º, pode estar prevista no Código Penal Militar ou na legislação penal “comum”. Dessa forma, o abuso de autoridade, mesmo não estando previsto no CPM pode agora ser considerado crime militar (julgado pela Justiça Militar) com base no art. 9º, II, do CPM.
Logo, a Justiça Militar pode sim julgar crime de abuso de autoridade.


1.6 EFEITOS DA CONDENAÇÃO E PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
Efeitos da condenação
São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;
II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Os efeitos previstos nos incisos II e III:
• são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e
• devem ser declarados motivadamente na sentença (não são automáticos).

Penas restritivas de direitos
As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas na Lei são:
I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;

Obs: as penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.


1.7 SANÇÕES DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA
Princípio da independência de instâncias
Em regra, as penas (sanções criminais) previstas na Lei nº 13.869/2019 devem aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.
Assim, em regra, as responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal.

Exceções
1) Se o juízo criminal decidir sobre a existência ou a autoria do fato, essas questões não poderão mais ser questionadas nas esferas civil e administrativa.
2) Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
             
Veja a redação dos dispositivos legais:
Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal.

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Em caso de falta funcional, o órgão correicional deverá ser informado
As notícias de crimes previstos na Lei nº 13.869/2019 que descreverem falta funcional deverão ser informadas à autoridade competente com vistas à apuração.




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