Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje uma importante
novidade normativa.
Trata-se da Medida Provisória nº
894/2019, que institui pensão especial destinada a crianças com microcefalia
decorrente do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro
de 2018, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.
Vamos entender em que consiste
essa pensão especial dividindo nosso estudo em três partes:
1) o que é o benefício de
prestação continuada?
2) o que previu o art. 18 da Lei nº
13.301/2016?
3) como funciona a pensão
especial disciplinada pela MP 894/2019?
1) BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
Benefício mensal de um salário
mínimo para pessoa com deficiência ou idoso
A CF/88 estabelece, em seu art. 203, V:
Art. 203. A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
(...)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.
A fim de dar cumprimento a esse comando
constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A,
disciplinou como seria pago esse benefício.
Nomenclatura
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina
esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser
chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.
Em que consiste esse benefício:
Pagamento de um salário-mínimo por
mês
|
•
à pessoa com deficiência; ou
|
Desde que comprove não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.
|
•
ao idoso com 65 anos ou mais.
|
Para receber esse benefício, é
necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a seguridade
social?
NÃO. Trata-se de um benefício de
assistência social que será prestado a quem dele necessitar, independentemente
de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por
ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de
contribuição.
Quem administra e concede esse
benefício?
Apesar de o LOAS não ser um
benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado
pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu
pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).
Assim, a competência para julgar ações
que discutam esse benefício é da Justiça Federal.
Renda que a lei considera como
sendo insuficiente para subsistência
A Lei nº 8.742/93 prevê, no seu art.
20, § 3º:
§ 3º Considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Vale ressaltar, no entanto, que esse
critério não é absoluto. O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a
inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de
nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar
a situação de miserabilidade. O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou
deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de
outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do
salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.
STF. Plenário. RE 567985/MT e RE
580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013
(Info 702).
Desse modo, como a declaração de
inconstitucionalidade foi sem pronúncia de nulidade, o critério definido pelo
art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 continua existindo no mundo jurídico, mas
devendo agora ser interpretado como um indicativo objetivo que não exclui a
possibilidade de o juiz verificar a hipossuficiência econômica do postulante do
benefício por outros meios de prova (STF. 1ª Turma. ARE 834476 AgR, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 03/03/2015).
É como o STJ também vem decidindo:
(...) O limite legal estabelecido no
art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 não é critério absoluto, de modo que a
necessidade/miserabilidade do postulante pode ser comprovada de outras
maneiras. (...) (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1341655/SP, Rel. Min. Castro Meira,
julgado em 06/08/2013)
...
(...) A jurisprudência do STJ
pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita
familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não
possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja,
presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário-mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp
1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). (STJ. 2ª
Turma. AgRg no AgRg no AREsp 617.901/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
05/05/2015)
Desse modo, o que eu queria que
você entendesse é que, mesmo após a decisão do STF nos RE 567985/MT e RE 580963/PR, o art. 20,
§ 3º, da Lei nº 8.742/93 continua sendo um dos critérios para se aferir a
miserabilidade, sem prejuízo de outros. Assim, na prática, se a renda familiar
mensal per capita for superior a 1/4
do salário mínimo e não houver outras provas que atestem a miserabilidade, o
benefício assistencial será negado.
Novo § 11 do art. 20 da Lei nº 8.742/93
O legislador, de forma acertada,
encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº 13.146/2015,
inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
§ 11. Para concessão do benefício de
que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos
probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento.
O que se entende por renda familiar
mensal per
capita? Como isso é calculado?
Normalmente, um assistente social
vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz
entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de
renda de cada um, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e eletrodomésticos
existentes no local etc.
Após isso, é elaborado um laudo
social.
A renda familiar mensal per
capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros
da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois
divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.:
Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um
irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário mínimo, cada. Cálculo
da renda mensal per capita: 2 salários mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4.
Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário mínimo. Neste
exemplo, a renda familiar mensal per capita será maior do que o teto imposto
pelo art. 20,
§ 3º, da Lei nº 8.742/93. Mesmo assim, o juiz poderá conceder o benefício,
desde que existam outras provas que atestem a miserabilidade da requerente. Não
havendo, contudo, tal comprovação, o benefício será negado.
O que se entende por família?
Para os fins da renda familiar do LOAS,
a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na
ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos
e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto
(art. 20, § 1º).
2) BPC E A
LEI 13.301/2016
Sabemos que um dos grandes e
tristes males causados pelo vírus da zika é que, se uma gestante for infectada,
existe o risco de que a criança, ao nascer, apresente problemas neurológicos,
dentre eles a chamada microcefalia. Pensando nisso, o que fez a Lei nº
13.301/2016?
A Lei nº 13.301/2016 previu que a
criança vítima de microcefalia decorrente de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti possuiria direito de
receber, pelo prazo de 3 anos, o benefício de prestação
continuada (BPC) que estudamos acima.
Veja qual era a redação do art.
18 da Lei nº 13.301/2016:
Art. 18. Fará jus ao benefício de
prestação continuada temporário, a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742, de
7 de dezembro de 1993, pelo prazo máximo de três anos, na condição de pessoa
com deficiência, a criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas
neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
(...)
§ 2º O benefício será concedido após a
cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança
vítima de microcefalia.
Assim, o art. 18 da Lei nº 13.301/2016
previu um benefício temporário para as crianças vítimas de microcefalia em decorrência de
sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
PENSÃO MENSAL
DA MP 894/2019
O que fez a MP 894/2019?
Instituiu uma pensão especial...
- mensal, vitalícia e
intransferível
- a ser paga para as crianças com
microcefalia decorrente do Zika Vírus,
- nascidas entre 01/01/2015 a 31/12/2018,
- e que já sejam beneficiárias do
Benefício de Prestação Continuada.
E o benefício do art. 18 da Lei nº
13.301/2016?
Foi revogado pela MP 894/2019.
Assim, o benefício do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 foi, na prática, “substituído”
pela pensão especial trazida pela MP 894/2019. O beneficiário não receberá os
dois. Quando passar a receber a pensão especial, o BPC cessará.
Essa substituição é vantajosa
para os beneficiários?
Sim, por duas razões:
1) o BPC do art. 18 da Lei nº
13.301/2016 era temporário (3 anos, no máximo); já a pensão especial da MP
894/2019 é vitalícia.
2) o beneficiário só tinha
direito de continuar recebendo o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 se ficasse
demonstrado que a família da criança com microcefalia não possuía meios de
prover a sua manutenção (a família da criança tinha que se enquadrar no
conceito jurídico de economicamente “miserável”); a pensão mensal não faz essa
exigência. Assim, por exemplo, mesmo que os pais da criança consigam um bom
emprego ou uma outra fonte de renda, ela continuará tendo direito à pensão
mensal.
Características da pensão
especial
Essa pensão especial é...
• mensal;
• vitalícia (deverá ser paga até
a pessoa com microcefalia falecer);
• intransferível (depois que ela
falecer, a pensão não se transfere para os herdeiros do beneficiário).
Valor
A pensão especial terá o valor de
um salário mínimo.
Assim, é o mesmo valor que era
previsto para o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016.
Inacumulável
A pensão especial não poderá ser
acumulada:
• com indenizações pagas pela
União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos ou
• com o Benefício de Prestação
Continuada.
Desistência da ação
O reconhecimento da pensão
especial ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha por
objeto pedido idêntico sobre o qual versa o processo administrativo.
Termo inicial
A pensão especial será devida a
partir do dia posterior à cessação do Benefício de Prestação Continuada ou das indenizações
pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos, que não
poderão ser acumulados com a pensão.
Não dá direito a abono ou pensão
por morte
A pensão especial não gerará
direito a:
• abono (quando se fala em
abono, no Direito Previdenciário, é como se fosse o “13º salário”; assim, em
dezembro, não se recebe duas vezes esse valor da pensão; só se recebe o valor normal
mensal) ou
• pensão por morte (isso
porque é um benefício intransferível; assim, quando a vítima da microcefalia
morre, a pensão especial cessa e não se transfere aos seus herdeiros).
Quem administra e concede esse
benefício?
Essa pensão especial não é um
benefício previdenciário, mas sim assistencial. Apesar disso, ele é concedido e
administrado pelo INSS.
Assim, o requerimento da pensão
especial será realizado no INSS.
De igual forma, a competência para
julgar ações que discutam esse benefício é, em regra, da Justiça Federal (art.
109, I, da CF/88).
Exame médico
A MP 894/2019 prevê que deverá
ser realizado exame pericial por perito médico federal para constatar a relação
entre a microcefalia e a contaminação pelo Zika Vírus.
Origem dos recursos para
pagamento das pensões
As despesas necessárias para o
pagamento das pensões correrão à conta da programação orçamentária
“Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da União”.
Revogação do art. 18 da Lei nº
13.301/2016
A MP 894/2019 revoga o art. 18 da
Lei nº 13.301/2016.
Vigência
A MP 894/2019 entrou em vigor na
data de sua publicação (05/09/2019).