Dizer o Direito

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Pensão especial destinada a crianças com microcefalia decorrente do Zika Vírus



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje uma importante novidade normativa.

Trata-se da Medida Provisória nº 894/2019, que institui pensão especial destinada a crianças com microcefalia decorrente do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2018, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.

Vamos entender em que consiste essa pensão especial dividindo nosso estudo em três partes:
1) o que é o benefício de prestação continuada?
2) o que previu o art. 18 da Lei nº 13.301/2016?
3) como funciona a pensão especial disciplinada pela MP 894/2019?

1) BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
Benefício mensal de um salário mínimo para pessoa com deficiência ou idoso
A CF/88 estabelece, em seu art. 203, V:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A fim de dar cumprimento a esse comando constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A, disciplinou como seria pago esse benefício.

Nomenclatura
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.

Em que consiste esse benefício:
Pagamento de um salário-mínimo por mês
• à pessoa com deficiência; ou
Desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
• ao idoso com 65 anos ou mais.

Para receber esse benefício, é necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a seguridade social?
NÃO. Trata-se de um benefício de assistência social que será prestado a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de contribuição.

Quem administra e concede esse benefício?
Apesar de o LOAS não ser um benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).
Assim, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é da Justiça Federal.

Renda que a lei considera como sendo insuficiente para subsistência
A Lei nº 8.742/93 prevê, no seu art. 20, § 3º:
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

Vale ressaltar, no entanto, que esse critério não é absoluto. O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.
STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013 (Info 702).

Desse modo, como a declaração de inconstitucionalidade foi sem pronúncia de nulidade, o critério definido pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 continua existindo no mundo jurídico, mas devendo agora ser interpretado como um indicativo objetivo que não exclui a possibilidade de o juiz verificar a hipossuficiência econômica do postulante do benefício por outros meios de prova (STF. 1ª Turma. ARE 834476 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 03/03/2015).

É como o STJ também vem decidindo:
(...) O limite legal estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 não é critério absoluto, de modo que a necessidade/miserabilidade do postulante pode ser comprovada de outras maneiras. (...) (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1341655/SP, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 06/08/2013)
...
(...) A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). (STJ. 2ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 617.901/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/05/2015)

Desse modo, o que eu queria que você entendesse é que, mesmo após a decisão do STF nos RE 567985/MT e RE 580963/PR, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 continua sendo um dos critérios para se aferir a miserabilidade, sem prejuízo de outros. Assim, na prática, se a renda familiar mensal per capita for superior a 1/4 do salário mínimo e não houver outras provas que atestem a miserabilidade, o benefício assistencial será negado.

Novo § 11 do art. 20 da Lei nº 8.742/93
O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

O que se entende por renda familiar mensal per capita? Como isso é calculado?
Normalmente, um assistente social vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de renda de cada um, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e eletrodomésticos existentes no local etc.
Após isso, é elaborado um laudo social.
A renda familiar mensal per capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.: Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário mínimo, cada. Cálculo da renda mensal per capita: 2 salários mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4. Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário mínimo. Neste exemplo, a renda familiar mensal per capita será maior do que o teto imposto pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Mesmo assim, o juiz poderá conceder o benefício, desde que existam outras provas que atestem a miserabilidade da requerente. Não havendo, contudo, tal comprovação, o benefício será negado.

O que se entende por família?
Para os fins da renda familiar do LOAS, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º).

2) BPC E A LEI 13.301/2016
Sabemos que um dos grandes e tristes males causados pelo vírus da zika é que, se uma gestante for infectada, existe o risco de que a criança, ao nascer, apresente problemas neurológicos, dentre eles a chamada microcefalia. Pensando nisso, o que fez a Lei nº 13.301/2016?
A Lei nº 13.301/2016 previu que a criança vítima de microcefalia decorrente de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti possuiria direito de receber, pelo prazo de 3 anos, o benefício de prestação continuada (BPC) que estudamos acima.
Veja qual era a redação do art. 18 da Lei nº 13.301/2016:
Art. 18. Fará jus ao benefício de prestação continuada temporário, a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, pelo prazo máximo de três anos, na condição de pessoa com deficiência, a criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
(...)
§ 2º O benefício será concedido após a cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança vítima de microcefalia.

Assim, o art. 18 da Lei nº 13.301/2016 previu um benefício temporário para as crianças  vítimas de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

PENSÃO MENSAL DA MP 894/2019
O que fez a MP 894/2019?
Instituiu uma pensão especial...
- mensal, vitalícia e intransferível
- a ser paga para as crianças com microcefalia decorrente do Zika Vírus,
- nascidas entre 01/01/2015 a 31/12/2018,
- e que já sejam beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.

E o benefício do art. 18 da Lei nº 13.301/2016?
Foi revogado pela MP 894/2019. Assim, o benefício do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 foi, na prática, “substituído” pela pensão especial trazida pela MP 894/2019. O beneficiário não receberá os dois. Quando passar a receber a pensão especial, o BPC cessará.

Essa substituição é vantajosa para os beneficiários?
Sim, por duas razões:
1) o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 era temporário (3 anos, no máximo); já a pensão especial da MP 894/2019 é vitalícia.
2) o beneficiário só tinha direito de continuar recebendo o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 se ficasse demonstrado que a família da criança com microcefalia não possuía meios de prover a sua manutenção (a família da criança tinha que se enquadrar no conceito jurídico de economicamente “miserável”); a pensão mensal não faz essa exigência. Assim, por exemplo, mesmo que os pais da criança consigam um bom emprego ou uma outra fonte de renda, ela continuará tendo direito à pensão mensal.

Características da pensão especial
Essa pensão especial é...
• mensal;
• vitalícia (deverá ser paga até a pessoa com microcefalia falecer);
• intransferível (depois que ela falecer, a pensão não se transfere para os herdeiros do beneficiário).

Valor
A pensão especial terá o valor de um salário mínimo.
Assim, é o mesmo valor que era previsto para o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016.

Inacumulável
A pensão especial não poderá ser acumulada:
• com indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos ou
• com o Benefício de Prestação Continuada.

Desistência da ação
O reconhecimento da pensão especial ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha por objeto pedido idêntico sobre o qual versa o processo administrativo.

Termo inicial
A pensão especial será devida a partir do dia posterior à cessação do Benefício de Prestação Continuada ou das indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos, que não poderão ser acumulados com a pensão.

Não dá direito a abono ou pensão por morte
A pensão especial não gerará direito a:
abono (quando se fala em abono, no Direito Previdenciário, é como se fosse o “13º salário”; assim, em dezembro, não se recebe duas vezes esse valor da pensão; só se recebe o valor normal mensal) ou
pensão por morte (isso porque é um benefício intransferível; assim, quando a vítima da microcefalia morre, a pensão especial cessa e não se transfere aos seus herdeiros).

Quem administra e concede esse benefício?
Essa pensão especial não é um benefício previdenciário, mas sim assistencial. Apesar disso, ele é concedido e administrado pelo INSS.
Assim, o requerimento da pensão especial será realizado no INSS.
De igual forma, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é, em regra, da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88).

Exame médico
A MP 894/2019 prevê que deverá ser realizado exame pericial por perito médico federal para constatar a relação entre a microcefalia e a contaminação pelo Zika Vírus.

Origem dos recursos para pagamento das pensões
As despesas necessárias para o pagamento das pensões correrão à conta da programação orçamentária “Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da União”.

Revogação do art. 18 da Lei nº 13.301/2016
A MP 894/2019 revoga o art. 18 da Lei nº 13.301/2016.

Vigência

A MP 894/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (05/09/2019).

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