quarta-feira, 18 de setembro de 2019
Lei 13.871/2019: autor de violência doméstica deve ressarcir os gastos do poder público com a assistência à saúde da vítima e com os dispositivos de segurança utilizados para evitar nova agressão
quarta-feira, 18 de setembro de 2019
Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje (18/09/2019),
a Lei nº 13.871/2019, que altera a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e
prevê que:
O autor de violência doméstica
praticada contra mulher terá que ressarcir os custos relacionados com:
• os serviços de saúde prestados
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar
e
• com os dispositivos de
segurança utilizados pelas vítimas para evitar nova violência.
Vamos entender melhor.
ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O art. 9º da Lei nº 11.340/2006
prevê que a mulher vítima de violência doméstica deverá receber a devida
assistência a ser prestada no âmbito:
• da saúde;
• da assistência social;
• e da segurança pública.
Art. 9º A assistência à mulher em
situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e
conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência
Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre
outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o
caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo
certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no
cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em
situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade
física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção
quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo
trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis
meses.
§ 3º A assistência à mulher em
situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios
decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços
de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos
médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
NOVO § 4º DO ART. 9º
Ressarcimento dos gastos com os
serviços de saúde prestados à mulher
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o
§ 4º ao art. 9º da Lei Maria da Penha prevendo o seguinte:
O agente que...
- por ação ou omissão,
- causar
• lesão,
• violência (física, sexual ou psicológica)
e
• dano (moral ou patrimonial) ...
- a mulher
- fica obrigado a ressarcir todos
os danos causados.
Quando se fala em ressarcir todos
os danos causados, isso significa que o agressor tem o dever, inclusive, de pagar
ao Sistema Único de Saúde (SUS) as despesas que foram realizadas com os
serviços de saúde prestados para o total tratamento da vítima em situação de
violência doméstica e familiar.
Ex: custos com cirurgia, com medicamentos, com atendimento
de psicóloga etc.
Assim, mesmo o SUS sendo um serviço oferecido gratuitamente
à população, o agressor tem o dever de ressarcir os gastos que o poder público
teve com isso.
O legislador entendeu que não é “justo”
que toda a coletividade tenha que arcar as despesas que o poder público teve
com o tratamento da vítima considerando que o responsável por isso foi o
agressor. Logo, o Estado cumpre seu papel e presta toda a assistência à vítima.
No entanto, posteriormente, cobra esse valor do real causador dos gastos.
Como se calculará o valor desses
tratamentos?
Esse ressarcimento será feito de
acordo com os valores previstos na tabela do SUS.
Ex: se a vítima quebrou o braço em
decorrência das agressões, o agente terá que pagar os custos de um atendimento
médico, do gesso, dos exames e demais gastos necessários para o procedimento.
Fundo de Saúde
Os recursos arrecadados serão
recolhidos ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de
saúde que prestarem os serviços.
Ex: se a mulher foi atendida em
um hospital da rede estadual de saúde, os valores pagos pelo agressor irão ser
revertidos para o Fundo Estadual de Saúde.
Caso não pague voluntariamente, o
ente que custeou às despesas (União, Estado, DF ou Município) deverá ajuizar
ação de indenização contra ele o agressor.
Os gastos que a vítima teve em
hospitais particulares, também deverão ser ressarcidos?
SIM. No entanto, esse não foi o
objetivo do novo § 4º. Isso porque nunca houve dúvidas de que o agressor tinha
que indenizar as despesas que a própria vítima teve que desembolsar. Esse dever
decorre das regras ordinárias de responsabilidade civil.
A grande novidade da Lei nº 13.871/2019
foi exigir do causador da agressão os gastos que o Poder Público teve com a
assistência integral da vítima.
Redação do § 4º
Veja a redação do novo
dispositivo:
§ 4º
Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual
ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir
todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS),
de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados
para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e
familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente
federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
NOVO § 5º DO ART. 9º
Mecanismos para evitar a
aproximação do agressor em relação à vítima
É comum que o autor da violência
doméstica, mesmo já sabendo que as autoridades estão apurando o crime praticado,
tente procurar novamente a vítima, seja sob a alegação de que quer se
desculpar, seja com o objetivo declarado de se vingar.
Justamente por isso a Lei nº
11.340/2006 prevê que poderão ser concedidas medidas protetivas de urgência,
sendo a mais comum delas a determinação imposta pelo juiz no sentido de que o
agressor não deve se aproximar da vítima (art. 22, III, “a”).
O agressor que descumprir essa
medida pode ter a prisão preventiva decretada (art. 313, III, do CPP), além de
responder por novo crime, previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006.
Ocorre que, mesmo com isso tudo,
ainda assim são frequentes os casos em que o agressor descumpriu a medida
imposta, aproximou-se da ofendida buscando uma reconciliação e, como a vítima
se recusou, acabou sendo morta.
Diante desse cenário, percebeu-se
que, por se tratarem de crimes passionais, não basta a ameaça de sanção. É
necessário utilizar a tecnologia para proteger a vítima evitando a aproximação
mesmo que o agressor tente isso.
“Botão do pânico”
Um exemplo desse mecanismo de
proteção das vítimas de violência doméstica é o chamado “botão do pânico”, desenvolvido
pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em conjunto com o Município de
Vitória (ES) e com o Instituto Nacional de Tecnologia Preventiva (INTP).
Trata-se de um equipamento fornecido
para mulheres que estão sob medida protetiva e que pode ser acionado caso o
agressor não mantenha a distância mínima determinada na decisão judicial.
Assim, se o agressor se aproxima
da vítima, esta poderá acionar o “botão do pânico” e o equipamento, que conta
com um GPS, enviará imediatamente a localização da mulher para uma central de
monitoramento, de forma que uma equipe da polícia será enviada ao local a fim
de garantir a segurança da mulher e eventual prisão do agressor.
O aparelho também inicia um
sistema de gravação do áudio ambiente, que fica armazenado e poderá ser usado,
judicialmente, contra o agressor. Mais informações: http://www.tjes.jus.br/botao-do-panico-dispositivo-de-seguranca-que-ajuda-a-proteger-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica-completa-6-anos/
Essa experiência tem sido adotada
em outros Estados.
Tornozeleira eletrônica com
dispositivo de aproximação que fica com a mulher
Outro exemplo de tecnologia
preventiva para a proteção da mulher vítima de violência doméstica são as
tornozeleiras eletrônicas. No entanto, além de o agressor ficar com a
tornozeleira, a vítima utiliza também um dispositivo por meio do qual se o
indivíduo se aproximar da mulher em distância inferior àquela que é permitida,
a vítima e as autoridades são informadas, podendo assim garantir a sua segurança.
Ressarcimento dos gastos com esses
dispositivos
Esses dispositivos tecnológicos
de proteção preventiva da mulher acarretam despesas, tanto no momento do seu
desenvolvimento como manutenção.
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o
§ 5º ao art. 9º da Lei Maria da Penha prevendo que o agressor terá que
ressarcir os custos com tais dispositivos de segurança, caso eles tenham que
ser empregados para proteção da vítima.
Veja a redação do parágrafo
inserido:
§ 5º Os dispositivos de segurança
destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o
monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por
medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.
NOVO § 6º DO ART. 9º
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o
§ 6º ao art. 9º com três importantes informações:
1) O ressarcimento não poderá importar ônus de qualquer natureza ao
patrimônio da mulher e dos seus dependentes
Isso significa que, se o agressor
for casado com a vítima ou com ela tiver filhos, o ressarcimento terá que ser
feito pelo agente com seu patrimônio próprio, não podendo utilizar o dinheiro
que seria comum do casal ou dos filhos.
Ex: João agrediu fisicamente sua
esposa Laura; em virtude das agressões, Laura teve que fazer uma cirurgia de
emergência em um hospital público, para onde foi levada; João terá que ressarcir
os custos com o atendimento médico e hospitalar feito em Laura; suponhamos que
João e Laura, casados em comunhão universal de bens, tinham um investimento
financeiro de R$ 100 mil; Laura terá direito aos seus R$ 50 mil e João pagará o
ressarcimento com a sua parte, ou seja, com os seus R$ 50 mil.
2) O fato de o agressor ter feito o ressarcimento não configura
atenuante
O art. 65 do Código Penal traz
uma lista de circunstâncias atenuantes.
O inciso III, “b”, deste artigo
prevê o seguinte:
Art. 65. São circunstâncias que sempre
atenuam a pena:
(...)
III - ter o agente:
b) procurado, por sua espontânea
vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as
consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
O agressor que faz o
ressarcimento poderia pretender invocar essa atenuante. Antevendo isso, o
legislador incluiu no § 6º do art. 9º a proibição de que o juiz utilize o
ressarcimento feito pelo agressor como uma circunstância atenuante.
3) O ressarcimento não enseja possibilidade de substituição da pena aplicada
O ressarcimento de que tratam os
§§ 4º e 5º do art. 9º não configura pena restritiva de direitos.
Assim, o fato de o agente ter
feito esse ressarcimento não implica qualquer alteração na pena aplicada.
Aliás, o art. 17 da Lei nº
11.340/2006 afirma que “é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica
e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação
pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de
multa.”
Nesse sentido:
Súmula 588-STJ: A prática de crime ou
contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente
doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos.
Vigência
As alterações promovidas pela Lei
nº 13.871/2019 somente entram em vigor no dia 02/11/2019 (art. 1º da LINDB).
TEMA CORRELATO
INSS PODE AJUIZAR AÇÃO DE
REGRESSO CONTRA O AUTOR DO HOMICÍDIO PARA SER RESSARCIDO DAS DESPESAS COM O
PAGAMENTO DA PENSÃO POR MORTE AOS DEPENDENTES DO SEGURADO
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Ricardo e Andrea viviam em união
estável.
Andrea tinha 2 filhos (Pedro e
Isabela, de 6 e 8 anos), frutos de um relacionamento passado.
Determinado dia, motivado por
ciúmes, Ricardo matou Andrea.
Ricardo foi julgado e condenado,
com sentença transitada em julgado, por homicídio doloso.
Andrea trabalhava como garçonete,
sendo, portanto, segurada do regime geral da previdência social.
Os dependentes de Andrea terão
direito de receber pensão por morte?
Seus dois filhos menores: SIM.
Seu ex-companheiro (Ricardo): NÃO
Por que Ricardo não terá direito
à pensão por morte?
Porque foi ele quem matou a
segurada, incidindo, portanto, na vedação prevista no art. 74, § 1º da Lei nº
8.213/91:
Art. 74 (...)
§ 1º Perde o direito à pensão por
morte o condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como
autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime,
cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e
os inimputáveis. (Redação dada pela Lei nº 13.846/2019)
Ok. Suponha, então, que Pedro e
Isabela estão recebendo do INSS a pensão por morte decorrente do falecimento de
sua mãe. A autarquia previdenciária poderá ajuizar ação contra Ricardo (o
homicida) pedindo o ressarcimento dos valores que pagou e ainda irá pagar a
título de pensão por morte?
SIM.
É possível que o INSS ajuíze ação
regressiva contra o autor do homicídio pedindo o ressarcimento dos valores
pagos a título de pensão por morte aos filhos de segurada, vítima de homicídio
praticado por seu ex-companheiro.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.431.150-RS, Rel.
Min. Humberto Martins, julgado em 23/8/2016 (Info 596).
Qual é o fundamento legal para
isso?
Em 2016, quando o STJ proferiu a
decisão acima, não existia um dispositivo específico tratando sobre o tema. Diante
disso, o STJ determinou que deveria ser aplicado o art. 120 da Lei nº 8.213/91
por meio de uma interpretação extensiva e sistemática, que envolvia também o
art. 121 da Lei nº 8.213/91 e os arts. 186 e 927 do Código Civil.
Ocorre que,
posteriormente à decisão, já em 2019, foi editada a Lei nº 13.846/2019 prevendo
expressamente essa possibilidade:
LEI 8.213/91
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Antes da Lei
13.846/2019
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Depois da Lei
13.846/2019 (atualmente)
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Art. 120. Nos casos de
negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho
indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá
ação regressiva contra os responsáveis.
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Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os
responsáveis nos casos de:
I - negligência quanto às
normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção
individual e coletiva;
II - violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de
agosto de 2006.
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