Dizer o Direito

sábado, 13 de julho de 2019

A determinação de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal pode ser decretada por juízo de 1ª instância se o investigado não for congressista



Operação Métis
“Operação Métis” foi uma investigação realizada pela Polícia Federal com o objetivo de apurar a conduta de policiais legislativos do Senado Federal que estariam, supostamente, realizando medidas de contrainteligência nos gabinetes e residências dos Senadores Fernando Collor de Mello (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e dos ex-senadores José Sarney (PMDB-AP) e Edison Lobão Filho (PMDB-MA), com o objetivo, em tese, de obstruir as investigações da “Lava Jato”.
Segundo a investigação da Polícia Federal, quatro policiais legislativos estariam fazendo “varreduras eletrônicas”, com recursos do Senado, nos escritórios e residências desses políticos com o objetivo de saber se haveria alguma escuta ou outros meios de obtenção de prova nesses locais.

Polícia legislativa
A Polícia Legislativa é um órgão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, composto por policiais legislativos que, dentre outras atribuições, são responsáveis pela preservação da ordem e do patrimônio, bem como pela prevenção e apuração de infrações penais, nos edifícios e dependências da respectiva Casa legislativa.
Além disso, a Polícia Legislativa é responsável pela segurança do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do Senado Federal.

Deflagração da “Operação Métis”
A deflagração da “Operação Métis” ocorreu em outubro de 2016.
Após as investigações realizadas pela Polícia Federal, o Delegado formulou uma representação e um Juiz Federal do Distrito Federal (órgão jurisdicional de 1ª instância) decretou as seguintes medidas:
• prisão temporária de 4 policiais legislativos;
• suspensão das funções públicas dos policiais; e
• busca e apreensão na sede da Polícia Legislativa, que fica localizada nas dependências do Senado.

Vale ressaltar que, antes disso, o Juiz já havia decretado a interceptação telefônica dos policiais legislativos investigados e a quebra dos sigilos telefônicos (registros das chamadas efetuadas).
Importante esclarecer também que nenhum Senador foi destinatário das medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo deferidas.
Impende enfatizar, ainda, que a busca e apreensão cumprida no Senado limitou-se às dependências da Polícia Legislativa, sem alcançar gabinetes de Senadores ou a Presidência da Casa.

Reclamação
Antônio, um dos policiais legislativos investigados, por intermédio de seu advogado, ingressou com reclamação no STF contra a decisão do Juiz Federal de 1ª instância alegando que ela teria usurpado a competência da Corte Constitucional.
A defesa, dentre outros argumentos, afirmou que os elementos informativos que forem encontrados na busca e apreensão podem atingir diretamente Senadores e Deputados, “pois está se acusando policiais legislativos de, a pedido de parlamentares, influenciarem com serviços de contrainteligência a atuação da Polícia Federal na Operação LAVA-JATO, uma operação que investiga justamente parlamentares”. Assim, se, em última análise, no decorrer do inquérito, ficar demonstrado que os policiais receberam vantagem para assim atuar, chegar-se-ia à conclusão de que os parlamentares incidiriam em corrupção.
Logo, o Juiz teria usurpado a competência do STF para autorizar medidas cautelares penais de investigação contra Deputados Federais e Senadores, em afronta ao art. 102, I, “b”, da CF/88.
Vale ressaltar que:
A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar parlamentar federal alcança a supervisão de investigação criminal. Atos investigatórios praticados sem a supervisão do STF são nulos. STF. 1ª Turma. Inq 3.438, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/11/2014.

A reclamação foi acolhida pelo STF?
SIM. O STF acolheu parcialmente a reclamação e reconheceu que o Juiz de 1ª instância realmente usurpou competência da Corte.

E o que o STF decidiu quanto às provas colhidas nesta “operação”?
1) Quanto às provas que dispensam autorização judicial (ex: oitiva de testemunhas): foram declaradas lícitas (válidas). Tais provas poderão ser utilizadas tanto contra os policiais legislativos (agentes sem foro privativo) como também eventualmente contra os Senadores (autoridades com foro privativo). Isso, obviamente, caso eles sejam denunciados.
2) Quanto às provas colhidas a partir das interceptações telefônicas e quebra do sigilo dos dados telefônicos:
2.1) Em relação aos detentores de prerrogativa de foro: tais provas foram declaradas ilícitas. Logo, se algum Senador for denunciado, tais provas não poderão ser utilizadas na denúncia nem no processo;
2.2) Em relação aos investigados não detentores de prerrogativa de foro: as provas são válidas e poderão ser utilizadas contra eles.
3) Quanto à busca e apreensão: foi declarada lícita. O STF deferiu pedido formulado pelo MP para preservar a prova produzida em busca e apreensão realizada para posterior avaliação apuratória.

Em tese, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, por si só, implica a competência do STF? Em outras palavras, qualquer medida de busca e apreensão no Senado deverá ser decretada obrigatoriamente pelo STF?
NÃO.
A Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares, não conferiu exclusividade ao STF para determinar medidas de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.
Assim, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, desde que não direcionada a apurar conduta de congressista, não se relaciona com as imunidades e prerrogativas parlamentares. Isso porque, ao contrário do que ocorre com as imunidades diplomáticas, as prerrogativas e imunidades parlamentares não se estendem aos locais onde os parlamentares exercem suas atividades nem ao corpo auxiliar.
O fato de o endereço de cumprimento da medida coincidir com as dependências do Congresso Nacional não atrai, de modo automático e necessário, a competência do STF. É necessário examinar, no caso concreto, se a investigação tinha congressista como alvo.
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

No caso das imunidades diplomáticas, o estatuto jurídico que lhes é próprio impede a atuação jurisdicional do Estado acreditado não só em relação aos Chefes das Missões Diplomáticas, mas também em relação ao corpo auxiliar, à sede da Missão Diplomática, bem como veículos e malas diplomáticas. Esse regime jurídico não se aplica aos Deputados Federais e Senadores.

Prerrogativa de foro refere-se às funções desempenhadas e não a locais
A prerrogativa de foro está relacionada a presença de determinadas autoridades na condição de investigados ou de réu. Assim, se um Senador é acusado de um crime cometido durante o exercício de suas funções e que esteja com elas relacionado, esse delito deverá ser julgado pelo STF.
Ocorre que a CF/88 não previu “prerrogativa de foro a locais”, ou seja, o simples fato de a medida cautelar precisar ser cumprida no Senado não enseja a competência do STF se o investigado não for o Senador.

A determinação judicial de medida de busca e apreensão na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal representa uma afronta ao princípio da separação dos Poderes?
NÃO. A determinação, pelo Poder Judiciário, de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências de Casa Legislativa, não configura, por si só, qualquer desrespeito à separação dos poderes. Nesse sentido: STF. AC 4005 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 02/06/2016.

No caso examinado, quando as interceptações telefônicas dos policiais legislativos foram decretadas, o Juiz já tinha indícios de que poderia haver a participação de Senadores nos fatos investigados?
Para o STF, sim. O eventual envolvimento de Parlamentares não constituía fato imprevisível. Ao contrário, já era possível reconhecer indícios de que essa varredura feita pelos policiais legislativos tenha, em tese, sido solicitada pelos próprios Senadores.

Um dos argumentos invocados para se manter a validade de todas as provas colhidas era a aplicação da “teoria do juízo aparente”. Essa tese foi acolhida pelo STF neste caso?
NÃO. A “Teoria do Juízo Aparente” sustenta que, se o magistrado era aparentemente competente no momento da decisão, não se pode anular seus atos se, posteriormente, os fatos revelados demonstrarem que ele não era competente.
Em outras palavras, segundo alegou o MP, no momento em que o Juiz decretou as medidas, ele não tinha como saber que havia, supostamente, Senadores envolvidos, de sorte que ele era aparentemente competente e, por isso, todos os seus atos devem ser mantidos.
Ocorre que o STF não concordou com a argumentação e afirmou que essa teoria não pode ser invocada para a presente situação porque, desde o início, havia a suspeita de que os Policiais Legislativos teriam feito as varreduras com base em solicitação de alguns congressistas.
Os indícios coligidos não levaram a conclusão segura de que os policiais legislativos teriam agido por iniciativa própria.

Houve, portanto, usurpação da competência do STF
Diante do que foi exposto, houve a usurpação da competência do STF porque as investigações deveriam estar sob a supervisão da Corte.

Quais provas foram consideradas inválidas?
Nos termos do art. 573, § 2º, do CPP, o “juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende”.
Vejamos agora quais as nulidades declaradas pelo STF.

Duplo juízo de validade de uma mesma prova
É possível fazer uma “separação” dos efeitos da declaração de nulidade de uma mesma prova. Em outras palavras, é possível que uma mesma prova seja declarada inválida para alguns investigados e que, por outro lado, seja utilizada contra outros.
Nesse sentido, o STF entende que:
Eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição.
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Veja outros precedentes no mesmo sentido:
Consoante entendimento da Corte, a declaração de imprestabilidade dos elementos de prova angariados em eventual usurpação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal não alcançaria aqueles destituídos de foro por prerrogativa de função, como no caso.
STF. 2ª Turma. Rcl 25497 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/02/2017.

A usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do denunciado. Precedentes desta Corte. Conclusão que não alcança os acusados destituídos de foro por prerrogativa de função.
STF. Plenário. Inq 2842, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 02/05/2013.

Isso significa que as provas colhidas por decisão do juiz de 1ª instância são nulas para os Senadores envolvidos, mas podem ser consideradas válidas para os demais investigados que não gozam do foro por prerrogativa de função.

Validade dos elementos probatórios no que toca aos agentes não detentores de foro por prerrogativa
Desse modo, com base no entendimento acima exposto, o STF concluiu que:
A usurpação da competência do STF (que foi reconhecida) não contaminou os elementos probatórios colhidos no que se refere aos policiais legislativos, tampouco ao ex-Senador José Sarney, porque eles não possuem foro por prerrogativa de função.
Em outras palavras, todas as provas colhidas são, em princípio, válidas em relação a eles (podem ser utilizadas contra eles).
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

E, em relação aos Senadores (detentores do foro por prerrogativa de função), quais provas são válidas e quais devem ser anuladas?

Provas que não dependem de autorização judicial não devem ser anuladas
As diligências investigativas são potencialmente controladas, mas não impulsionadas pelo juiz.
Em regra, não há necessidade de prévia autorização judicial para a produção das provas na fase de investigação.
Apenas em hipóteses excepcionais e expressas, exige-se prévia autorização judicial para a produção de algumas provas, naturalmente invasivas, como é o caso da interceptação telefônica, busca e apreensão, quebra de sigilo etc. Tais diligências estão sujeitas à cláusula da reserva jurisdicional.
Se a prova produzida não precisava de autorização judicial, não há motivo para que ela seja anulada.
A inobservância das regras do juiz natural não acarreta a nulidade da prova colhida na hipótese em que isso não se constituir em fator decisivo à sua produção.
Não estão contaminados os elementos probatórios cuja produção prescindem de prévia autorização judicial.
Em suma: mesmo que tenha sido usurpada a competência do STF para supervisionar o inquérito, não deverão ser desconstituídos (anulados) os atos de investigação que não precisavam de autorização judicial, como é o caso da tomada de depoimentos.
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Registre-se que já havia um outro precedente no mesmo sentido:
Inquérito instaurado contra autoridade com prerrogativa de foro, sem observância da competente supervisão judicial. Salvo casos em que haja fundadas razões em desvio de finalidade, não são ilícitas as provas que independem de autorização judicial para produção.
STF. 2ª Turma. Inq 2952 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/03/2015.

Desse modo, as declarações colhidas, os documentos apresentados pelo indivíduo que fez a notícia-crime e os demais elementos probatórios que prescindem de autorização judicial não foram anulados pelo STF porque se está no campo da mera irregularidade.
Tais elementos informativos podem ser utilizados, inclusive, em tese, contra os Senadores, caso eles sejam denunciados pelos fatos apurados.

Provas colhidas a partir da interceptação telefônica foram anuladas para as autoridades com foro
A interceptação telefônica constitui medida sujeita à cláusula da reserva de jurisdição (art. 5º, XII, da CF/88).
Assim, a violação ao Princípio do Juiz Natural, ou seja, a decretação desta medida por juízo incompetente constitui causa de nulidade.
Os diálogos captados, portanto, devem ser descartados mediante destruição dos respectivos registros.
Vale ressaltar, contudo, que essa nulidade só atinge os agentes detentores de foro por prerrogativa.
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Essas provas colhidas não admitem convalidação, pois a eficácia prospectiva da apreciação judicial e a própria natureza desses elementos também impedem a aplicação da Teoria da Descoberta Inevitável.

Quebra de sigilo telefônico também é nula para as autoridades com foro
O juízo reclamado determinou a “quebra” dos extratos telefônicos (sigilo telefônico) dos policiais legislativos investigados. Esta é uma diligência que também depende de autorização judicial, ou seja, está sujeita ao prévio crivo do Estado-Juiz.
Justamente por isso, diante da usurpação da competência do STF, essa prova também é ilícita, mas apenas em relação aos agentes detentores de prerrogativa de foro.  
STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

As interceptações telefônicas são ilícitas e não admitem renovação ou retificação, ilicitude que alcança quebra de sigilo que lhe é consequente.

Busca e apreensão: irregularidade processual e preservação da colheita probatória
A CF/88 prevê que, salvo as hipóteses de flagrante delito ou para prestar socorro em desastre, o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador desafia ordem judicial (art. 5º, XI).
O Código Penal (art. 150, § 4º), por sua vez, prescreve que “a expressão casa compreende compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
Esse cenário sinalizaria, em relação aos agentes detentores de foro por prerrogativa, a nulidade do resultado da diligência.
No entanto, ao disciplinar as nulidades, o CPP prescreve que os “atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados.” (art. 573).
Assim, a legislação prevê que, na medida do possível, devem ser preservadas as provas colhidas, desde que a renovação ou retificação revele-se apta a suplantar o vício anteriormente verificado.
O STF aplicou também aqui a “Teoria da Descoberta Inevitável”, construída pela Suprema Corte americana no caso Nix v. Williams (1984), e incorporada no direito brasileiro pela Lei nº 11.690/2008, que inseriu o § 2º ao art. 157 do CPP:
Art. 157 (...)
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690/2008)





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