Imagine
a seguinte situação hipotética:
João
é Procurador de Contas, ou seja, é membro do Ministério Público que atua
perante o Tribunal de Contas.
João
formulou representação ao Tribunal de Contas pedindo a apuração de
irregularidades que teriam ocorrido em uma licitação.
O
Conselheiro Relator levou esta representação para julgamento do Tribunal de
Contas sem incluí-la em pauta e sem intimar o Ministério Público.
Na
sessão, a referida representação foi extinta e arquivada.
Diante
disso, João impetrou mandado de segurança contra este acórdão do Tribunal de
Contas.
A
autoridade coatora, ao apresentar informações no mandado de segurança, alegou
que o Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas não possui
autonomia, estando vinculado à estrutura administrativa da Corte de Contas.
Logo, ele não teria legitimidade e capacidade postulatória para impetrar
mandado de segurança impugnando acórdão prolatado pelo próprio Tribunal de
Contas.
O
Ministério Público tem legitimidade e capacidade postulatória para o presente
MS? É possível a impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público de
Contas contra ato do Tribunal de Contas ao qual ele está vinculado?
NÃO.
Previsão
do MPTC na CF/88
O Ministério Público junto ao Tribunal
de Contas é previsto em um único dispositivo constitucional:
Art. 130. Aos membros do Ministério
Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção
pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.
MPTC
não possui fisionomia institucional própria
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas não dispõe de “fisionomia
institucional própria”, estando vinculado administrativamente às Cortes de
Contas:
O Ministério Público junto ao Tribunal
de Contas não dispõe de fisionomia institucional própria, não integrando o
conceito de Ministério Público enquanto ente despersonalizado de função
essencial à Justiça (CF/88, art. 127), cuja abrangência é disciplina no art.
128 da Constituição Federal.
STF. 2ª Turma. Rcl 24162 AgR, Rel. Min. Dias
Toffoli, julgado em 22/11/2016.
Ausência
de autonomia
As
autonomias previstas no art. 127, § 2º, da CF/88 não se aplicam ao Ministério
Público especial junto aos Tribunais de Contas. Assim, esse “Parquet” continua
sendo, na linha da tradição jurídica consagrada pela prática republicana, parte
integrante da própria estruturação orgânica dos Tribunais de Contas (Min. Celso
de Mello).
MPTC
não possui as atribuições do Ministério Público comum
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui atuação funcional
exclusiva perante as Cortes de Contas, limitada ao controle externo a que se
refere o art. 71 da CF/88:
Nos termos do art. 128 da CF/88, o
Ministério Público junto aos Tribunais de Contas não compõe a estrutura do
Ministério Público comum da União e dos Estados, sendo apenas atribuídas aos
membros daquele as mesmas prerrogativas funcionais deste (art. 130).
As atribuições do Ministério Público
comum, entre as quais se inclui sua legitimidade processual extraordinária e
autônoma, não se estendem ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas,
cuja atuação está limitada ao controle externo a que se refere o art. 71 da
CF/88.
STF. 1ª Turma. Rcl 24159 AgR, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 8/11/2016.
Assim,
a atuação do Procurador de Contas é restrita ao âmbito administrativo do
Tribunal de Contas ao qual faz parte, não possuindo, em regra, legitimidade
ativa para propor demandas judiciais.
E
o art. 130 da CF/88, não poderia ser invocado como fundamento para conferir
legitimidade ao MPTC?
NÃO. Relembre o que preconiza esse
dispositivo:
Art. 130. Aos membros do Ministério
Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção
pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.
A
cláusula de garantia inscrita no art. 130 da CF/88 é de ordem subjetiva, ou
seja, diz apenas que os membros do MPTC possuem os mesmos direitos, vedações e
forma de investidura que os demais membros do Ministério Público “comum”. No
entanto, esse dispositivo não se relaciona com as atribuições institucionais do
MPTC. Nesse sentido: Rcl 24.162 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 7/12/2016.
O
STF fixou a seguinte tese para fins de repercussão geral:
O
Ministério Público de Contas não tem legitimidade para impetrar mandado de
segurança em face de acórdão do Tribunal de Contas perante o qual atua.
STF. Plenário virtual. RE 1178617 RG, Rel. Min. Alexandre
de Moraes, julgado em 25/04/2019 (repercussão geral).
Obs: o STJ tinha entendimento contrário ao do STF (RMS
52741-GO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/8/2017), mas terá agora que
se curvar ao entendimento do Supremo.