quarta-feira, 26 de junho de 2019
É inconstitucional foro por prerrogativa de função para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia
quarta-feira, 26 de junho de 2019
A situação concreta foi a
seguinte:
A Constituição do Estado do
Maranhão previu foro por prerrogativa de função para Procuradores do Estado,
Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. Em outras
palavras, a Constituição Estadual determinou que tais autoridades deveriam ser
julgadas criminalmente no Tribunal de Justiça.
Confira o
texto da CE/MA:
Art. 81. Compete ao Tribunal de Justiça
processar e julgar, originariamente:
(...)
IV - os Juízes do Tribunal de Alçada,
Juízes de Direito, os membros do Ministério Público, das Procuradorias Gerais
do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública e os Delegados de
Polícia, nos crimes
comuns e de responsabilidade,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (Redação da Emenda
Constitucional nº 34, de 29/08/2001).
Essa previsão da CE/MA é
compatível com a CF/88?
NÃO.
É
inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por
prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado,
Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia.
STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min.
Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019
(Info 940).
Vamos entender com calma.
O que é foro por prerrogativa
de função?
Trata-se de uma prerrogativa
prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns
cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não
engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).
Razão de existência
O foro por prerrogativa de
função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas
ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um
julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos
colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário.
Ex: um Desembargador, caso
pratique um delito, não deve ser julgado por um juiz singular, nem pelo
Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário
e, em tese, mais adequado para, no caso concreto, exercer a atividade com maior
imparcialidade.
Ex2: caso um Senador da
República cometa um crime, ele será julgado pelo STF.
Onde estão previstas as regras
sobre o foro por prerrogativa de função?
Posição tradicional do STF:
O STF, e a doutrina
majoritária, tradicionalmente, ensinavam o seguinte:
• Em regra, os casos de foro
por prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs: art.
102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”.
• As Constituições estaduais podem
prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o
princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a
autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição
Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por
prerrogativa de função na Constituição Federal.
Ex1: a Constituição Estadual
pode prever que o Vice-Governador será julgado pelo TJ. Isso porque a
autoridade “equivalente”, em âmbito federal (Vice-Presidente da República),
possui foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF/88).
Logo, foi respeitado o princípio da simetria.
Ex2: a Constituição Estadual
não pode prever foro por prerrogativa de função para os Delegados de Polícia,
considerando que não há previsão semelhante para os Delegados Federais na
Constituição Federal (STF ADI 2587).
Essa
autorização para que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por
prerrogativa de função no TJ existe por força do art. 125, § 1º, da CF/88:
Art. 125. Os Estados
organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
§ 1º A competência dos
tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização
judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Assim, à luz do disposto no
art. 125, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade
para fixar a competência do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, estabelecer
a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na
esfera federal.
Posição defendida pelo Min.
Alexandre de Moraes nesta ADI 2553/MA:
A CF/88, apenas
excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais,
estaduais e municipais.
Assim, não se pode permitir que
os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa
de função.
A interpretação que conferisse
às Constituições estaduais a possibilidade de definir foro, considerando o
princípio federativo e com esteio no art. 125, § 1º, da CF/88, permitiria aos
Estados dispor, livremente, sobre essas prerrogativas, o que seria equivalente
a assinar um “cheque em branco”.
Desse modo, para o Min.
Alexandre de Moraes, as hipóteses de foro por prerrogativa de função somente podem
ser previstas validamente pela Constituição Estadual se estiverem asseguradas,
explicita ou implicitamente, pela Constituição Federal.
Vice-Governador, Secretários de
Estado e Comandante dos Militares Estaduais
Para a primeira posição
(tradicional), as Constituições Estaduais podem, com base no art. 125, § 1º, da
CF/88, prever, para elas, o foro por prerrogativa de função no Tribunal de
Justiça. Isso porque estaria respeitado o princípio da simetria já que os
equivalentes federais (Vice-Presidente, Ministros de Estado e Comandantes das
Forças Armadas) possuem foro por prerrogativa de função.
Para
o Ministro Alexandre de Moraes, tais autoridades possuem prerrogativa de função
no TJ, independentemente de a constituição estadual fixá-la ou não, por força do
art. 28 da CF/88:
Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para
mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em
primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do
ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá
em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o
disposto no art. 77.
Voltando ao caso concreto:
Seja pela concepção
tradicional, seja pela argumentação trazida pelo Min. Alexandre de Moraes, o
certo é que a Constituição Estadual não poderia prever foro por prerrogativa de
função para os Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos
e Delegados de Polícia.
Pela concepção tradicional: os
cargos equivalentes a esses, em nível federal, não possuem foro por
prerrogativa de função. Logo, essa previsão, em nível estadual, violaria o
princípio da simetria.
Pelo entendimento do Min.
Alexandre de Moraes: a CF/88 não conferiu, direta ou indiretamente, foro por
prerrogativa de função para tais autoridades.
Observação
Alguns Ministros acompanharam a
conclusão do voto do Ministro Alexandre de Moraes, mas sem se comprometer
expressamente com a sua argumentação. Assim, não se pode dizer que esse seja o
novo entendimento do STF sobre o tema.
O
que é preciso que você saiba, para fins de prova, é o que vou destacar agora:
É
inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por
prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado,
Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia.
A
CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades
federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados
possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função.
STF. Plenário. ADI 2553/MA,
Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
15/5/2019 (Info 940).