Dizer o Direito

domingo, 30 de junho de 2019

Revisão - Defensor Público do DF

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Defensor Público do Distrito Federal.

Boa prova :)


sábado, 29 de junho de 2019

Fornecimento de medicamentos pelo Poder Judiciário



FORNECIMENTO PELO PODER JUDICIÁRIO DE MEDICAMENTOS NÃO PRESENTES NA LISTA DO SUS – DECISÃO DO STJ

Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi diagnosticado com glaucoma e o oftalmologista prescreveu determinado colírio indicado para essa enfermidade. O problema é que esse remédio não está especificado na lista de medicamentos que o SUS é obrigado a fornecer gratuitamente para a população (Portaria 2.982/2009 do Ministério da Saúde).

O juiz pode obrigar que o Estado forneça esse medicamento? O Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?
O STJ afirmou que sim, mas desde que cumpridos três requisitos. Foi fixada, então, a seguinte tese:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018 (recurso repetitivo) (Info 633).

Para mais informações sobre os argumentos invocados pelo STJ, consulte o Info 633.

FORNECIMENTO PELO PODER JUDICIÁRIO DE MEDICAMENTOS NÃO REGISTRADOS PELA ANVISA – DECISÃO DO STF

Depois do julgado do STJ acima apontado, o STF analisou um aspecto específico sobre o tema: a possibilidade ou não de fornecimento de medicamentos que ainda não estão registrados na ANVISA.
Vejamos o que decidiu o STF:

Registro dos medicamentos na ANVISA
A ANVISA é uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, tendo sido criada pela Lei nº 9.782/99 com o objetivo de promover a proteção da saúde da população, sendo ela a responsável por exercer a vigilância sanitária de medicamentos (art. 8º, § 1º, I).
Assim, os medicamentos, para serem comercializados no Brasil, precisam ser aprovados e registrados na ANVISA.
O processo de aprovação e registro de medicamentos pela ANVISA é de fundamental importância para a garantia do direito à saúde e para o próprio sistema de saúde.
Ocorre que esse processo demora alguns anos para ser realizado. Assim, é comum que os médicos saibam que já existe, em outros países, determinado medicamento mais moderno e eficaz para a doença, no entanto, esse remédio ainda não foi aprovado pela ANVISA.
Surge, então, um relevante questionamento jurídico: o doente poderia receber uma decisão judicial favorável obrigando que o Poder Público forneça esse medicamento a ele, mesmo sem que haja ainda o registro na ANVISA?

Para facilitar a visualização do tema, imagine a seguinte situação hipotética:
João é portador de uma doença crônica e os tratamentos disponíveis no Brasil já não mais surtindo efeito.
O médico de João, muito estudioso e atualizado, sabe que existe um novo medicamento (“XXX”), que tem sido utilizado com resultados extremamente satisfatórios para essa enfermidade.
Esse medicamento já está registrado nas agências dos Estados Unidos (Food and Drug Administration - FDA) e da União Europeia (European Medicine Agency - EMEA). Apesar disso, ainda não possui registro de comercialização junto à Anvisa. Em razão disso, não é fornecido pelo SUS.
O médico explica essa situação para João, que decide ajuizar uma ação contra a União pedindo o fornecimento desse medicamento mesmo sem o registro na ANVISA.

Indaga-se: abstraindo o caso concreto, de uma forma genérica, é possível que o Poder Judiciário condene o Poder Executivo a fornecer medicamentos que ainda não foram registrados na ANVISA? O que o STF entendeu sobre o assunto?
Em regra, NÃO.
Como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na ANVISA por decisão judicial. Isso porque o registro na ANVISA é uma proteção à saúde pública. É por meio dele que se atesta a eficácia, a segurança e a qualidade dos medicamentos comercializados no país. Além disso, ele serve também para garantir o devido controle dos preços.
O registro sanitário não é, assim, um procedimento meramente burocrático e dispensável, mas processo essencial para a tutela do direito à saúde de toda a coletividade.
Tendo em vista essa preocupação, a Lei nº 6.360/76 proibiu a industrialização, exposição à venda e entrega ao consumo de qualquer medicamento antes de registrado no Ministério da Saúde (art. 12 c/c art. 1º), bem como previu requisitos específicos para a obtenção do registro, tais como o reconhecimento, por meio de comprovação científica e de análise, de que o produto seja seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias (art. 16, II).
Considerando a importância do bem jurídico tutelado pela atuação da ANVISA (direito à saúde) e tendo em vista o grau de complexidade e de preparação técnica exigido para a tomada de decisão sobre o registro de um medicamento, recomenda-se que haja uma especial deferência (respeito) em relação às decisões da ANVISA e uma menor intensidade da revisão jurisdicional a fim de que o Poder Judiciário não se sobreponha à atuação da entidade competente, com evidente violação ao direito à saúde e ao princípio da separação de Poderes.

Exceção: demora irrazoável da ANVISA para apreciar o registro aliada a três requisitos.
É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido e, desde que preenchidos três requisitos cumulativos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Vamos analisar cada um dos itens da exceção.

Pressuposto: mora irrazoável da ANVISA
Ocorre a mora irrazoável da ANVISA quando esta agência não termina o processo de registro do medicamento no prazo estipulado pela Lei nº 13.411/2016.
A Lei nº 13.411/2016 alterou a Lei nº 6.360/76 (que dispõe sobre a vigilância sanitária dos medicamentos) e a Lei nº 9.782/99 (que trata sobre a ANVISA) e, dentre as mudanças efetuadas, estabeleceu prazos para o registro dos medicamentos.
Conforme a Lei nº 13.411/2016, os prazos máximos para a decisão final nos processos de registro serão:
I - para a categoria prioritária, de 120 dias e de 60 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de priorização;
II - para a categoria ordinária, de 365 dias e de 180 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de registro.
Esses prazos poderão ser prorrogados por até um terço do prazo original, uma única vez.

Vale ressaltar que, mesmo na hipótese de retardamento irrazoável da ANVISA, é preciso, ainda, que haja comprovação efetiva do preenchimento cumulativo de três requisitos, voltados a assegurar, na maior extensão possível, tanto a segurança e a eficácia do medicamento, quanto à efetiva necessidade de sua dispensação.

Primeiro requisito específico: o medicamento deve ter sido submetido a registro no Brasil
Em regra, para que o Poder Judiciário conceda um medicamento ainda não registrado na ANVISA, é necessário que o fabricante deste medicamento já tenha, pelo menos, solicitado esse registro.
Se o laboratório responsável nem pediu o registro na ANVISA, não é possível, em regra, conceder esse medicamento.
Exceção: no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras, será possível conceder este fármaco mesmo que o laboratório ainda não tenha pedido o registro na ANVISA.
Medicamento órfão é um termo usado para designar o fármaco que se mostre eficaz no tratamento ou diagnóstico de doenças raras ou ultrarraras.
Doenças raras/ultrarraras ou órfãs são aquelas que afetam um pequeno número de pessoas quando comparado com a população geral.
Como no caso de medicamentos órfãos há um interesse comercial menor dos laboratórios de providenciar sua aprovação na ANVISA, o STF entendeu que seria possível concedê-los mesmo que não tenha sido pedido o registro do medicamento no Brasil.

Segundo requisito específico: existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior
O STF afirmou o seguinte: é até possível que o Poder Judiciário conceda o medicamento sem registro na ANVISA, mas esta droga já deve ter sido registrada em alguma renomada agência que faça regulação de medicamentos no exterior.
Como exemplos de renomadas agências de regulação podemos citar:
Food and Drug Administration – FDA, nos EUA;
European Medicine Agency – EMEA, responsável pela regulação dos medicamentos nos países da União Europeia.
Japanese Ministry of Health & Welfare, do Japão.

Trata-se de uma segurança para a saúde da população brasileira considerando que há uma garantia mínima de que aquele determinado medicamento já foi estudado e avaliado de forma séria e criteriosa por uma agência especializada.

Terceiro requisito específico: inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil
O remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no Brasil já registrados não podem substitui-lo.
Se o paciente tiver outra opção satisfatória para o tratamento da doença com o devido registro sanitário, não pode o Poder Judiciário compelir o Poder Público a importar o fármaco pedido pelo paciente, mesmo quando os graus de eficácia dos tratamentos não sejam idênticos.

Preenchidos esses três requisitos e constatando-se que o medicamento pleiteado aguarda por prazo irrazoável a análise e o deferimento de seus pedidos de registro pela agência reguladora, deve-se reconhecer que está justificada a determinação judicial de dispensação de medicamento não registrado no Brasil. A criação dessa única hipótese excepcional de deferimento de demanda judicial por fármaco não registrado na ANVISA, com os cuidados (requisitos) elencados acima, justifica-se pela impossibilidade de penalizar-se o paciente pela mora administrativa.

Veja como o STF resumiu essas conclusões:
A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).

Vale ressaltar que a decisão acima não está tratando sobre medicamentos experimentais.

É possível que o Poder Público seja condenado a fornecer medicamentos experimentais?
NÃO. Medicamentos experimentais são aqueles sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes. Um conhecido exemplo de medicamento experimental é a fosfoetanolamina sintética (a chamada “pílula do câncer”).
O STF afirmou que não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Poder Executivo a fornecê-los:
O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).

Nesse caso, a administração da substância representa riscos graves, diretos e imediatos à saúde dos pacientes. Não apenas porque, ao final dos testes, pode-se concluir que a substância é tóxica e produz graves efeitos colaterais, mas também porque se pode verificar que o tratamento com o fármaco é ineficaz, o que pode representar a piora do quadro do paciente e possivelmente a diminuição das possibilidades de cura e melhoria da doença.
A Lei nº 8.080/90 proíbe o fornecimento de medicamentos experimentais no âmbito do SUS:
Art. 19-T.  São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:
I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;
II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Vale esclarecer que esse entendimento, por óbvio, não proíbe o fornecimento desses medicamentos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável. Em outras palavras, os testes com medicamentos experimentais, respeitada a legislação vigente, podem continuar sendo realizados. O que o STF afirmou é que os doentes não podem exigir judicialmente do Estado o fornecimento de medicamentos experimentais.

Portanto, não confunda:
Medicamentos experimentais
Medicamentos com eficácia e segurança comprovadas, mas sem registro
São aqueles sem comprovação científica quanto à sua eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes.
São aqueles que já passaram por todas as etapas de testes, tendo sido comprovadas a sua eficácia e segurança. Apesar disso, ainda não foram registrados na ANVISA.
Não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los.
É uma regra sem exceção.
Podem ser excepcionalmente concedidos em caso de irrazoável mora da ANVISA em apreciar o registro e desde que cumpridos os três requisitos cumulativos acima explicados.

A decisão do STF no RE 657718/MG afeta, de algum modo, o entendimento do STJ fixado no REsp 1.657.156-RJ (mencionado no início da explicação)?
Apenas em parte do item “iii”.
Conforme vimos acima, o STJ decidiu que:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018 (recurso repetitivo) (Info 633).

Com a decisão do STF no RE 657718/MG, este item “iii” do julgado do STJ deverá ser lido com o acréscimo de uma exceção, da seguinte maneira:
iii) “existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”, podendo, excepcionalmente, haver a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Se a ANVISA negou o registro do medicamento, ainda assim o Poder Judiciário poderá concedê-lo?
O Min. Roberto Barroso defendeu que não.
A ideia é que sempre se deve privilegiar a análise técnica da agência reguladora nacional.
Assim, se a ANVISA decidir, fundamentadamente, pela negativa de registro, em nenhuma hipótese pode o Poder Judiciário se sobrepor à manifestação da Agência para deferir pedidos individuais de fornecimento do medicamento.
Mesmo no caso em que a ANVISA não tenha concluído a análise do processo, mas já tenha emitido primeira manifestação no sentido de indeferir o pedido de registro, é preciso que as decisões judiciais sejam deferentes ao exame técnico realizado, à luz das suas capacidades institucionais. Isso, é claro, não impede a propositura de demandas judiciais que questionem a própria decisão da agência, comprovando-se técnica e cientificamente que foi equivocada.

Se o medicamento já foi aprovado por uma agência especializada estrangeira, mesmo assim ele ainda precisa ser analisado pela ANVISA para ser autorizado no Brasil? Por quê?
SIM. O fato de um fármaco ter registro em outras agências no mundo não afasta a necessidade de registro na ANVISA, salvo no caso de mora irrazoável da autarquia.
Um dos motivos que justifica isso está no fato de que a ANVISA, algumas vezes, adota critérios mais rigorosos que o de outras agências. Além disso, a ANVISA também leva em consideração características relacionadas com as condições socioambientais locais e com os atributos fisiológicos próprios da população brasileira.


RESPONSABILIDADE PELO FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO OU PELA REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO DE SAÚDE

Pedro sofre de hipertensão pulmonar primária e precisa de um remédio que não é fornecido pelo SUS. A ação pleiteando o fornecimento deste medicamento deverá ser proposta contra a União, Estado ou Município? Qual ente federativo tem o dever de fornecer o medicamento e custear o tratamento de saúde?
Os três entes federativos possuem responsabilidade (União, Estados/DF e Municípios).
Segundo a CF/88, a competência para prestar saúde à população é comum a todos os entes:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

O STF, ao interpretar esse dispositivo, entende que a prestação dos serviços de saúde e o fornecimento de medicamentos representam uma responsabilidade solidária dos três entes federativos (não se trata de responsabilidade subsidiária).
Sendo a responsabilidade solidária, o doente tem liberdade para ajuizar a ação somente contra a União, somente contra o Estado-membro/DF, somente contra o Município, contra dois deles (ex: União e Estado) ou contra os três entes em litisconsórcio.
Assim, a parte pode incluir no polo passivo qualquer um dos entes, isoladamente, ou conjuntamente.
A parte escolhe contra qual (ou quais) ente(s) irá propor a ação.

Magistrado pode direcionar o cumprimento e determinar o ressarcimento
A responsabilidade dos entes é solidária. No entanto, dentro da estrutura do SUS, existe uma divisão das competências de cada ente, que pode ser assim resumida em linhas gerais:
• União: coordena os sistemas de saúde de alta complexidade e de laboratórios públicos.
• Estados: coordenam sua rede de laboratórios e hemocentros, definem os hospitais de referência e gerenciam os locais de atendimentos complexos da região.
• Municípios: prestam serviços de atenção básica à saúde.
• Distrito Federal: acumula as competências estaduais e municipais.

Essas competências não são facilmente identificáveis e, em diversos casos, o jurisdicionado teria enorme dificuldade de saber se a prestação de saúde que deseja é de competência da União, do Estado ou do Município. Por essa razão, desenvolveu-se essa ideia da solidariedade com a liberdade de o autor propor a ação contra qualquer um dos entes.
Ocorre que é possível que o magistrado, depois de proposta a ação, direcione o cumprimento da medida pleiteada conforme as regras de competência acima explicadas. Ex: um paciente ajuíza ação contra os três entes pleiteando o fornecimento de determinado medicamento. O magistrado identifica que a competência para concedê-lo é do ente local e, por essa razão, concede a medida liminar apenas contra o Município, determinando que ele forneça o aludido remédio.
Além disso, se um dos entes, em caso de urgência, custear a obrigação que seria de outro, é possível que o magistrado determine o ressarcimento a ser realizado por aquele ente que tinha a obrigação. Ex: um paciente ajuíza ação contra os três entes pleiteando tratamento de alta complexidade. É concedida a liminar contra os três entes e o Município cumpre a obrigação pedida. Ocorre que se constata que a competência para essa medida era da União. O magistrado poderá, então, condenar a União a ressarcir o Município.
Assim, caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
O STF resumiu essas conclusões com a seguinte tese:
Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Info 941).

Essa tese do STF está de acordo com o enunciado 60, aprovado na II Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ na qual participam os maiores estudiosos do tema no país:
Enunciado 60: A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.

Cuidado. Exceção no caso do fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA
Vimos acima que, em regra, a parte pode incluir no polo passivo qualquer um dos entes, isoladamente, ou conjuntamente.
Existe, contudo, uma exceção: se o indivíduo estiver pleiteando o fornecimento de um medicamento que ainda não foi aprovado pela ANVISA, neste caso terá que ajuizar a ação necessariamente contra a União:
As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.
STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).

Como a ANVISA integra a estrutura da Administração Pública Federal, não se pode permitir que Estados e Municípios (entes federativos que não são responsáveis pelo registro de medicamentos) sejam condenados a custear tais prestações de saúde quando eles não têm responsabilidade pela mora da Agência, nem têm a possibilidade de saná-la.
Quanto à competência, em razão da presença da União no polo passivo, a a ação deverá ser proposta na Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Vale aqui um esclarecimento: a parte que pleiteia o fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA não está obrigada a ajuizar a ação apenas contra a União. O que o STF decidiu é que a União obrigatoriamente deverá estar no polo passivo. Em outras palavras, existe a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, mas não a sua exclusividade.




quinta-feira, 27 de junho de 2019

Lei 13.848/2019: Lei Geral das Agências Reguladoras Federais



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (26/06/2019) a Lei nº 13.848/2019, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras.
Podem existir agências reguladoras nas três esferas (União, Estados/DF e Municípios).
A Lei nº 13.848/2019 regula apenas as agências reguladoras em âmbito federal.

Veja abaixo um resumo das principais alterações. Antes contudo, cumpre indagar:

O que são as agências reguladoras?
Agências reguladoras são “entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da administração pública, instituídas como autarquias sob regime especial, com a função de regular um setor específico de atividade econômica ou um determinado serviço público, ou de intervir em certas relações jurídicas decorrentes dessas atividades, que devem atuar com a maior autonomia possível relativamente ao Poder Executivo e com imparcialidade perante as partes interessadas (Estado, setores regulados e sociedade).” (ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 25ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 204).
São, portanto, autarquias especiais.

NOÇÕES GERAIS
As disposições da Lei nº 13.848/2019 são aplicáveis para quais agências reguladoras?
Para todas as agências reguladoras existentes em âmbito federal. Atualmente, são as seguintes:
I - Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);
II - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP);
III - Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel);
IV - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
V - Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
VI - Agência Nacional de Águas (ANA);
VII - Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq);
VIII - Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT);
IX - Agência Nacional do Cinema (Ancine);
X - Agência Nacional de Aviação Civil (Anac);
XI - Agência Nacional de Mineração (ANM).

O que caracteriza a natureza especial das agências reguladoras?
A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela:
a) ausência de tutela ou de subordinação hierárquica;
b) autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira; e
c) investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos.

Além disso, a Lei nº 13.848/2019 e as leis específicas de cada agência reguladora conferem outras características especiais a essas entidades.

Autonomia administrativa
A autonomia administrativa da agência reguladora é caracterizada pelas seguintes competências:
I - solicitar diretamente ao Ministério da Economia:
a) autorização para a realização de concursos públicos;
b) provimento dos cargos autorizados em lei para seu quadro de pessoal, observada a disponibilidade orçamentária;
c) alterações no respectivo quadro de pessoal, fundamentadas em estudos de dimensionamento, bem como alterações nos planos de carreira de seus servidores;

II - conceder diárias e passagens em deslocamentos nacionais e internacionais e autorizar afastamentos do País a servidores da agência;

III - celebrar contratos administrativos e prorrogar contratos em vigor relativos a atividades de custeio, independentemente do valor.

Compliance
As agências reguladoras devem adotar práticas de gestão de riscos e de controle interno e elaborar e divulgar programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção.

PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
Dever de observância do princípio da proporcionalidade
A agência reguladora deverá observar, em suas atividades, a devida adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público.

Dever de motivação das deliberações
A agência reguladora deverá indicar os pressupostos de fato e de direito que determinarem suas decisões, inclusive a respeito da edição ou não de atos normativos.

Alteração dos atos regulatórios dever ser precedida de Análise de Impacto Regulatório
A adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados serão precedidas da realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo.
O Presidente da República deverá editar um decreto regulamentando qual será o conteúdo e a metodologia da AIR, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, bem como sobre os casos em que será obrigatória sua realização e aqueles em que poderá ser dispensada.
Nos casos em que não for realizada a AIR, deverá ser disponibilizada, no mínimo, nota técnica ou documento equivalente que tenha fundamentado a proposta de decisão.

Manifestação do Conselho Diretor ou da Diretoria
O conselho diretor ou a diretoria colegiada se manifestará, em relação ao relatório de AIR, sobre a adequação da proposta de ato normativo aos objetivos pretendidos, indicando se os impactos estimados recomendam sua adoção, e, quando for o caso, quais os complementos necessários.
Essa manifestação integrará, juntamente com o relatório de AIR, a documentação a ser disponibilizada aos interessados para a realização de consulta ou de audiência pública, caso o conselho diretor ou a diretoria colegiada decida pela continuidade do procedimento administrativo.

Decisões relacionadas com regulação deverá ser colegiadas
O processo de decisão da agência reguladora referente a regulação terá caráter colegiado.
O conselho diretor ou a diretoria colegiada da agência reguladora deliberará por maioria absoluta dos votos de seus membros, entre eles o diretor-presidente, o diretor-geral ou o presidente, conforme definido no regimento interno.

Reuniões deliberativas são públicas
As reuniões deliberativas do conselho diretor ou da diretoria colegiada da agência reguladora serão públicas e gravadas em meio eletrônico.
A pauta de reunião deliberativa deverá ser divulgada no site da agência com antecedência mínima de 3 dias úteis.
Somente poderá ser deliberada matéria que conste da pauta de reunião divulgada.
É possível que matérias urgentes e relevantes sejam deliberadas sem prévia inclusão em pauta, a critério do presidente, diretor-presidente ou diretor-geral.

Não são públicas as deliberações que envolvam:
Não são públicas as reuniões realizadas para deliberações do conselho diretor ou da diretoria colegiada em matérias que envolvam:
I - documentos classificados como sigilosos;
II - matéria de natureza administrativa.

Consulta pública
A consulta pública é o instrumento de apoio à tomada de decisão por meio do qual a sociedade é consultada previamente, por meio do envio de críticas, sugestões e contribuições por quaisquer interessados, sobre proposta de norma regulatória aplicável ao setor de atuação da agência reguladora.
Serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.

Audiência pública
A audiência pública é o instrumento de apoio à tomada de decisão por meio do qual é facultada a manifestação oral por quaisquer interessados em sessão pública previamente destinada a debater matéria relevante.
A agência reguladora, por decisão colegiada, poderá convocar audiência pública para formação de juízo e tomada de decisão sobre matéria considerada relevante.

PRESTAÇÃO DE CONTAS E CONTROLE SOCIAL
IMPORTANTE. Quem exerce o controle externo das agências reguladoras?
O controle externo das agências reguladoras será exercido pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União.

Relatório anual das atividades
A agência reguladora deverá elaborar relatório anual circunstanciado de suas atividades, no qual destacará o cumprimento da política do setor, definida pelos Poderes Legislativo e Executivo, e o cumprimento dos seguintes planos:
I - plano estratégico;
II - plano de gestão anual.

O relatório anual de atividades deverá conter sumário executivo e será elaborado em consonância com o relatório de gestão integrante da prestação de contas da agência reguladora (art. 9º da Lei nº 8.443/92), devendo ser encaminhado pela agência reguladora, por escrito, no prazo de até 90 dias após a abertura da sessão legislativa do Congresso Nacional, ao Ministro de Estado da pasta a que estiver vinculada, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e ao Tribunal de Contas da União, e disponibilizado aos interessados na sede da agência e no respectivo site na internet.

Objetivos dos planos estratégico e de gestão
I - aperfeiçoar o acompanhamento das ações da agência reguladora, inclusive de sua gestão, promovendo maior transparência e controle social;
II - aperfeiçoar as relações de cooperação da agência reguladora com o Poder Público, em particular no cumprimento das políticas públicas definidas em lei;
III - promover o aumento da eficiência e da qualidade dos serviços da agência reguladora de forma a melhorar o seu desempenho, bem como incrementar a satisfação dos interesses da sociedade, com foco nos resultados;
IV - permitir o acompanhamento da atuação administrativa e a avaliação da gestão da agência.

Plano de comunicação
A agência reguladora deverá implementar, em cada exercício, plano de comunicação voltado à divulgação, com caráter informativo e educativo, de suas atividades e dos direitos dos usuários perante a agência reguladora e as empresas que compõem o setor regulado.

Plano Estratégico
A agência reguladora deverá elaborar, para cada período quadrienal, plano estratégico que conterá os objetivos, as metas e os resultados estratégicos esperados das ações da agência reguladora relativos a sua gestão e a suas competências regulatórias, fiscalizatórias e normativas, bem como a indicação dos fatores externos alheios ao controle da agência que poderão afetar significativamente o cumprimento do plano.

Plano de gestão anual
O plano de gestão anual, alinhado às diretrizes estabelecidas no plano estratégico, será o instrumento anual do planejamento consolidado da agência reguladora e contemplará ações, resultados e metas relacionados aos processos finalísticos e de gestão.
O plano de gestão anual deverá:
I - especificar, no mínimo, as metas de desempenho administrativo e operacional e as metas de fiscalização a serem atingidas durante sua vigência, as quais deverão ser compatíveis com o plano estratégico;
II - prever estimativa de recursos orçamentários e cronograma de desembolso dos recursos financeiros necessários ao alcance das metas definidas.

Agenda regulatória
A agência reguladora implementará, no respectivo âmbito de atuação, a agenda regulatória, instrumento de planejamento da atividade normativa que conterá o conjunto dos temas prioritários a serem regulamentados pela agência durante sua vigência.
A agenda regulatória deverá ser alinhada com os objetivos do plano estratégico e integrará o plano de gestão anual.
A agenda regulatória será aprovada pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada e será disponibilizada na sede da agência e no respectivo site na internet.

OUVIDORIA
Ouvidor
Haverá, em cada agência reguladora, 1 (um) ouvidor, que atuará sem subordinação hierárquica e exercerá suas atribuições sem acumulação com outras funções.

Atribuições
São atribuições do ouvidor:
I - zelar pela qualidade e pela tempestividade dos serviços prestados pela agência;
II - acompanhar o processo interno de apuração de denúncias e reclamações dos interessados contra a atuação da agência;
III - elaborar relatório anual de ouvidoria sobre as atividades da agência.

Acesso aos processos da agência
O ouvidor terá acesso a todos os processos da agência reguladora.
O ouvidor deverá manter em sigilo as informações que tenham caráter reservado ou confidencial.

Relatórios
Conforme vimos acima, o ouvidor deverá elaborar relatório anual sobre as atividades da agência.
Os relatórios do ouvidor deverão ser encaminhados ao conselho diretor ou à diretoria colegiada da agência reguladora, que poderá se manifestar no prazo de 20 dias úteis.
Os relatórios do ouvidor não terão caráter impositivo, cabendo ao conselho diretor ou à diretoria colegiada deliberar, em última instância, a respeito dos temas relacionados ao setor de atuação da agência reguladora.
Transcorrido o prazo para manifestação do conselho diretor ou da diretoria colegiada, o ouvidor deverá encaminhar o relatório e, se houver, a respectiva manifestação ao titular do ministério a que a agência estiver vinculada, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e ao Tribunal de Contas da União, bem como divulgá-los no site da agência na internet.

Como é escolhido o ouvidor?
O ouvidor será escolhido pelo Presidente da República e por ele nomeado, após prévia aprovação do Senado Federal, nos termos da alínea “f” do inciso III do art. 52 da CF/88:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(...)
III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:
(...)
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

O ouvidor não pode ser alguém que se enquadre nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da LC 64/90.
Além disso, deve ter notório conhecimento em administração pública ou em regulação de setores econômicos, ou no campo específico de atuação da agência reguladora.

Mandato
O ouvidor terá mandato de 3 anos, vedada a recondução.
O ouvidor somente perderá o cargo em caso de:
• renúncia;
• condenação judicial transitada em julgado; ou
• condenação em processo administrativo disciplinar.

Vedação
É vedado ao ouvidor ter participação, direta ou indireta, em empresa sob regulação da respectiva agência reguladora.

Processo administrativo contra o ouvidor
O processo administrativo contra o ouvidor somente poderá ser instaurado pelo titular do Ministério ao qual a agência está vinculada, por iniciativa de seu Ministro ou do Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União, em decorrência de representação promovida pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada da respectiva agência.

Vacância
Ocorrendo vacância no cargo de ouvidor no curso do mandato, este será completado por sucessor investido segundo as mesmas regras do ouvidor (Presidente da República + Senado).
O sucessor exercerá o cargo pelo prazo remanescente, admitida a recondução se tal prazo for igual ou inferior a 2 anos.

INTERAÇÃO ENTRE AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS ÓRGÃOS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Agências reguladoras deverão atuar em cooperação com os órgãos de defesa da concorrência
Com vistas à promoção da concorrência e à eficácia na implementação da legislação de defesa da concorrência nos mercados regulados, as agências reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência devem atuar em estreita cooperação, privilegiando a troca de experiências.

Monitorar as práticas de mercado dos agentes dos setores regulados
No exercício de suas atribuições, incumbe às agências reguladoras monitorar e acompanhar as práticas de mercado dos agentes dos setores regulados, de forma a auxiliar os órgãos de defesa da concorrência na observância do cumprimento da legislação de defesa da concorrência, nos termos da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência).

Atribuições dos órgãos de defesa da concorrência
Os órgãos de defesa da concorrência são responsáveis pela aplicação da legislação de defesa da concorrência nos setores regulados, incumbindo-lhes a análise de atos de concentração, bem como a instauração e a instrução de processos administrativos para apuração de infrações contra a ordem econômica.
Os órgãos de defesa da concorrência poderão solicitar às agências reguladoras pareceres técnicos relacionados a seus setores de atuação, os quais serão utilizados como subsídio à análise de atos de concentração e à instrução de processos administrativos.

Dever de comunicação da agência aos órgãos de defesa da concorrência
Quando a agência reguladora, no exercício de suas atribuições, tomar conhecimento de fato que possa configurar infração à ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente aos órgãos de defesa da concorrência para que esses adotem as providências cabíveis.

Cade notificará a agência reguladora sobre o teor de suas decisões envolvendo a atividade regulada
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) notificará a agência reguladora do teor da decisão sobre condutas potencialmente anticompetitivas cometidas no exercício das atividades reguladas, bem como das decisões relativas a atos de concentração julgados por aquele órgão, no prazo máximo de 48 horas após a publicação do respectivo acórdão, para que sejam adotadas as providências legais.

ARTICULAÇÃO ENTRE AGÊNCIAS REGULADORAS
Possibilidade de atos normativos envolvendo duas ou mais agências
Duas ou mais agências reguladoras poderão editar atos normativos conjuntos dispondo sobre matéria cuja disciplina envolva agentes econômicos sujeitos a mais de uma regulação setorial.
Os atos normativos conjuntos deverão ser aprovados pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada de cada agência reguladora envolvida, por procedimento idêntico ao de aprovação de ato normativo isolado, observando-se em cada agência as normas aplicáveis ao exercício da competência normativa previstas no respectivo regimento interno.
Os atos normativos conjuntos deverão conter regras sobre a fiscalização de sua execução e prever mecanismos de solução de controvérsias decorrentes de sua aplicação, podendo admitir solução mediante mediação, nos termos da Lei nº 13.140/2015 (Lei da Mediação), ou mediante arbitragem por comissão integrada, entre outros, por representantes de todas as agências reguladoras envolvidas.

Comitês para intercâmbio de experiências e informações
As agências reguladoras poderão constituir comitês para o intercâmbio de experiências e informações entre si ou com os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), visando a estabelecer orientações e procedimentos comuns para o exercício da regulação nas respectivas áreas e setores e a permitir a consulta recíproca quando da edição de normas que impliquem mudanças nas condições dos setores regulados.

ARTICULAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COM OS ÓRGÃOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO MEIO AMBIENTE
Agências reguladoras devem zelar pela defesa do consumidor
No exercício de suas atribuições, e em articulação com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e com o órgão de defesa do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, incumbe às agências reguladoras zelar pelo cumprimento da legislação de defesa do consumidor, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor regulado.
As agências reguladoras poderão firmar convênios e acordos de cooperação com os órgãos e as entidades integrantes do SNDC para colaboração mútua, sendo vedada a delegação de competências que tenham sido a elas atribuídas por lei específica de proteção e defesa do consumidor no âmbito do setor regulado.

IMPORTANTE. Termo de ajustamento de conduta
As agências reguladoras são autorizadas a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de ajustamento de conduta com pessoas físicas ou jurídicas sujeitas a sua competência regulatória, aplicando-se os requisitos do art. 4º-A da Lei nº 9.469/97:
Art. 4º-A.  O termo de ajustamento de conduta, para prevenir ou terminar litígios, nas hipóteses que envolvam interesse público da União, suas autarquias e fundações, firmado pela Advocacia-Geral da União, deverá conter:
I - a descrição das obrigações assumidas;
II - o prazo e o modo para o cumprimento das obrigações;
III - a forma de fiscalização da sua observância;
IV - os fundamentos de fato e de direito; e
V - a previsão de multa ou de sanção administrativa, no caso de seu descumprimento.
Parágrafo único. A Advocacia-Geral da União poderá solicitar aos órgãos e entidades públicas federais manifestação sobre a viabilidade técnica, operacional e financeira das obrigações a serem assumidas em termo de ajustamento de conduta, cabendo ao Advogado-Geral da União a decisão final quanto à sua celebração.

Enquanto perdurar a vigência do correspondente termo de ajustamento de conduta, ficará suspensa, em relação aos fatos que deram causa a sua celebração, a aplicação de sanções administrativas de competência da agência reguladora à pessoa física ou jurídica que o houver firmado.

Se for celebrado um TAC entre um dos legitimados para a ACP e uma empresa que atua no serviço regulado, a agência deverá ser comunicada
A agência reguladora deverá ser comunicada quando da celebração do termo de ajustamento de conduta a que se refere o § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP), caso o termo tenha por objeto matéria de natureza regulatória de sua competência. Ex: a ANATEL deverá ser comunicada caso seja celebrado um TAC entre o MP e uma empresa de telefonia celular.

Agências reguladoras e órgãos de defesa do meio ambiente
As agências reguladoras poderão articular-se com os órgãos de defesa do meio ambiente mediante a celebração de convênios e acordos de cooperação, visando ao intercâmbio de informações, à padronização de exigências e procedimentos, à celeridade na emissão de licenças ambientais e à maior eficiência nos processos de fiscalização.

INTERAÇÃO OPERACIONAL ENTRE AS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS E AS AGÊNCIAS REGULADORAS OU OS ÓRGÃOS DE REGULAÇÃO ESTADUAIS, DISTRITAIS E MUNICIPAIS
Acordo de cooperação entre as agências reguladoras federais e as estaduais ou municipais
As agências reguladoras de âmbito federal poderão promover a articulação de suas atividades com as agências reguladoras ou órgãos de regulação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de competência, implementando, a seu critério e mediante acordo de cooperação, a descentralização de suas atividades fiscalizatórias, sancionatórias e arbitrais, exceto quanto a atividades do Sistema Único de Saúde (SUS), que observarão o disposto em legislação própria.
Essa descentralização será instituída desde que a agência reguladora ou o órgão de regulação da unidade federativa interessada possua serviços técnicos e administrativos competentes devidamente organizados e aparelhados para a execução das respectivas atividades.
A execução, por agência reguladora ou órgão de regulação estadual, distrital ou municipal, das atividades delegadas será permanentemente acompanhada e avaliada pela agência reguladora federal, nos termos do respectivo acordo.

Parte da receita arrecadada pode ser repassada para o órgão ou entidade estadual/municipal
Caso haja descentralização, parte da receita arrecadada pela agência reguladora federal poderá ser repassada à agência reguladora ou ao órgão de regulação estadual, distrital ou municipal, para custeio de seus serviços, na forma do respectivo acordo de cooperação.
O repasse referido no caput deste artigo deverá ser compatível com os custos da agência reguladora ou do órgão de regulação local para realizar as atividades delegadas.

Não pode haver delegação de competências normativas
É vedada a delegação de competências normativas, ou seja, as agências reguladoras federais não poderão passar para as demais agências seu poder normativo.

ALTERAÇÕES DA LEI 13.848/2019 EM OUTRAS LEIS
Alterações nas leis específicas de cada agência reguladora
A Lei nº 13.848/2019 promoveu algumas alterações nas Leis que regulam as agências reguladoras federais.
As duas principais mudanças foram:
• o mandato dos Diretores de todas as agências reguladoras federais passou a ser de 5 anos (algumas leis previam mandato de 3 e outras de 4 anos);
• passou a ser proibida a recondução dos diretores ao final dos mandatos.

Obs: ficam mantidos os prazos de encerramento dos mandatos de diretores, conselheiros, presidentes, diretores-gerais e diretores-presidentes de agências reguladoras nomeados anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 13.848/2019.

Alterações na Lei nº 9.986/2000
A Lei nº 9.986/2000 dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras. Trata-se de uma espécie de lei geral, que se aplica para todas as agências reguladoras federais.
Principais alterações realizadas na Lei nº 9.986/2000:
1) passa a prever expressamente que os mandatos dos membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada das agências reguladoras serão não coincidentes, de modo que, sempre que possível, a cada ano, ocorra o término de um mandato e uma consequente nova indicação (art. 4º, § 1º);

2) prevê que integrarão a estrutura organizacional de cada agência uma procuradoria, que a representará em juízo, uma ouvidoria e uma auditoria (art. 8º, § 3º);

3) estabelece novos requisitos para o Presidente, Diretor-Presidente ou Diretor-Geral e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada das agências reguladoras:
Art. 5º O Presidente, Diretor-Presidente ou Diretor-Geral (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada (CD II) serão brasileiros, indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea “f” do inciso III do art. 52 da Constituição Federal, entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento no campo de sua especialidade, devendo ser atendidos 1 (um) dos requisitos das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e, cumulativamente, o inciso II:
I - ter experiência profissional de, no mínimo:
a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, no campo de atividade da agência reguladora ou em área a ela conexa, em função de direção superior; ou
b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos:
1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa no campo de atividade da agência reguladora, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa;
2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;
3. cargo de docente ou de pesquisador no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa; ou
c) 10 (dez) anos de experiência como profissional liberal no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa; e
II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado.

4) Estabelece vedações para a indicação de pessoas ao Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada:
Art. 8º-A. É vedada a indicação para o Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada:
I - de Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal, dirigente estatutário de partido político e titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados dos cargos;
II - de pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;
III - de pessoa que exerça cargo em organização sindical;
IV - de pessoa que tenha participação, direta ou indireta, em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência reguladora em que atuaria, ou que tenha matéria ou ato submetido à apreciação dessa agência reguladora;
V - de pessoa que se enquadre nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990;
VI - (VETADO);
VII - de membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas pela respectiva agência.
Parágrafo único. A vedação prevista no inciso I do caput estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas.

5) Estabelece vedações os membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada:
Art. 8º-B. Ao membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada é vedado:
I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas;
II - exercer qualquer outra atividade profissional, ressalvado o exercício do magistério, havendo compatibilidade de horários;
III - participar de sociedade simples ou empresária ou de empresa de qualquer espécie, na forma de controlador, diretor, administrador, gerente, membro de conselho de administração ou conselho fiscal, preposto ou mandatário;
IV - emitir parecer sobre matéria de sua especialização, ainda que em tese, ou atuar como consultor de qualquer tipo de empresa;
V - exercer atividade sindical;
VI - exercer atividade político-partidária;
VII - estar em situação de conflito de interesse, nos termos da Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013.

6) Ampliação do prazo de quarentena de 4 para 6 meses:
Lei nº 9.986/2000
Antes da Lei nº 13.848/2019
Depois da Lei nº 13.848/2019
Art. 8º O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato.

Art. 8º Os membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada ficam impedidos de exercer atividade ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por período de 6 (seis) meses, contados da exoneração ou do término de seu mandato, assegurada a remuneração compensatória.

Obs: essa remuneração compensatória mencionada no final do art. 8º não é uma novidade considerando que já estava prevista no § 2º do art. 8º, que não foi alterado:
Art. 8º (...)
§ 2º Durante o impedimento, o ex-dirigente ficará vinculado à agência, fazendo jus a remuneração compensatória equivalente à do cargo de direção que exerceu e aos benefícios a ele inerentes.

7) Estabelece uma nova hipótese de perda do mandato para os diretores:
Lei nº 9.986/2000
Antes da Lei nº 13.848/2019
Depois da Lei nº 13.848/2019
Art. 9º Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

Art. 9º O membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada somente perderá o mandato:
I - em caso de renúncia;
II - em caso de condenação judicial transitada em julgado ou de condenação em processo administrativo disciplinar;
III - por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 8º-B desta Lei.
Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato.
Esse parágrafo único foi revogado.

8) Previsão de uma lista de substituição para o período de vacância dos cargos de diretores:
Art. 10. Durante o período de vacância que anteceder a nomeação de novo titular do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada, exercerá o cargo vago um integrante da lista de substituição.
§ 1º A lista de substituição será formada por 3 (três) servidores da agência, ocupantes dos cargos de Superintendente, Gerente-Geral ou equivalente hierárquico, escolhidos e designados pelo Presidente da República entre os indicados pelo Conselho Diretor ou pela Diretoria Colegiada, observada a ordem de precedência constante do ato de designação para o exercício da substituição.
§ 2º O Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada indicará ao Presidente da República 3 (três) nomes para cada vaga na lista.
§ 3º Na ausência da designação de que trata o § 1º até 31 de janeiro do ano subsequente à indicação, exercerá o cargo vago, interinamente, o Superintendente ou o titular de cargo equivalente, na agência reguladora, com maior tempo de exercício na função.
§ 4º Cada servidor permanecerá por, no máximo, 2 (dois) anos contínuos na lista de substituição, somente podendo a ela ser reconduzido após 2 (dois) anos.
§ 5º Aplicam-se ao substituto os requisitos subjetivos quanto à investidura, às proibições e aos deveres impostos aos membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada, enquanto permanecer no cargo.
§ 6º Em caso de vacância de mais de um cargo no Conselho Diretor ou na Diretoria Colegiada, os substitutos serão chamados na ordem de precedência na lista, observado o sistema de rodízio.
§ 7º O mesmo substituto não exercerá interinamente o cargo por mais de 180 (cento e oitenta) dias contínuos, devendo ser convocado outro substituto, na ordem da lista, caso a vacância ou o impedimento do membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada se estenda além desse prazo.

Vigência
A Lei nº 13.848/2019 entra em vigor no dia 24/09/2019.




Dizer o Direito!