segunda-feira, 27 de maio de 2019
Decisão interlocutória que versa sobre ônus da prova desafia agravo de instrumento?
segunda-feira, 27 de maio de 2019
NOÇÕES GERAIS
SOBRE O ÔNUS DA PROVA
Se, ao final do processo, o juiz
entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá fazer? Qual
deve ser a sua decisão neste caso?
O juiz terá que analisar qual das
partes tinha o ônus de provar esse fato.
A parte que tinha esse ônus e que
não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas. Em outras
palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no
resultado do processo.
Daí a importância de se estudar e
analisar o ônus da prova.
Ônus da prova
Ônus da prova é a regra que
atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um determinado
fato.
Ônus x obrigação
Repare que,
em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de
produzir a prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças?
DEVER
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OBRIGAÇÃO
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ÔNUS
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É
a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo
ordenamento jurídico.
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É
um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não
fazer).
A
obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.
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É
a necessidade de adotar determinada conduta para defender um interesse
próprio.
Se
a pessoa não adotar essa conduta, não há uma sanção contra ela. No entanto,
deixará de ter uma vantagem.
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É
possível exigir que a parte cumpra o dever.
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É
possível exigir que a parte cumpra a obrigação.
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Não
é possível exigir que a parte cumpra o ônus.
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Ex:
dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).
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Ex:
em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o
preço.
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Ex:
o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I,
do CPC).
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Ônus imperfeito
Vimos acima que, se a parte tinha
um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma desvantagem,
perderá alguma coisa.
No caso do ônus da prova,
contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se
a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos
autos a prova que deveria), existe a mera possibilidade (mas não
certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela.
Dessa forma, mesmo que a parte
não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato pode ser
provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda.
Ex: o autor não faz prova de suas
alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado documento que
prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a
prova, ele sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda.
Essa realidade existe em razão do
princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do processo, não
interessando quem produziu.
Aspectos subjetivo e objetivo
O ônus da
prova pode ser analisado sob dois prismas:
a) Aspecto subjetivo:
Consiste em analisar o instituto
sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de conduta
das partes).
Trata-se de informar as partes
quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu.
Ex: o art. 373, I, do CPC prevê
que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu
direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre
o fato constitutivo de seu direito.
b) Aspecto objetivo:
Quando se fala em o ônus da prova
sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma regra de
julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no
momento da prolação da sentença.
Ao decidir, o magistrado irá analisar
se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os fatos
controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o
requerido argumenta que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido
produzidas provas suficientes e não seja possível elucidar a controvérsia por
outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar
as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não
demonstrado. A parte que tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e
perderá a demanda neste ponto.
Os dois aspectos estão
umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não
tem tanta relevância na prática forense essa distinção.
Aplicação subsidiária
As regras do ônus da prova são
regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais como
produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida.
A razão de existir das regras do
ônus da prova é “evitar o non liquet,
ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as
regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não
pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias,
mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade
jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não
meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p.
127-130).
Em outras palavras, o juiz deve sempre
tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros elementos de
convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art.
373 do CPC e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova.
Prova diabólica
Um tema intimamente ligado ao que
estamos estudando diz respeito à prova diabólica.
Prova diabólica é aquela
impossível ou excessivamente difícil de ser produzida.
Ex: o autor alega, na petição
inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não
tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica.
Outro bom exemplo “é a do autor
da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser
proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião).
É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões
negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula
Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137).
Ainda segundo as lições de Didier,
Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies:
Prova unilateralmente diabólica
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Prova bilateralmente diabólica
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Ocorre
quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la
(segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de
ser juntada pela outra parte.
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Ocorre quando a prova é diabólica para
ambas as partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para ambas as partes.
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Neste
caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida
pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está
previsto no § 1º do art. 373.
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Neste caso, não haverá inversão do ônus por
conta da prova diabólica.
Não
se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra.
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§
1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou
à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá
o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)
|
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste
artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte
seja impossível ou excessivamente difícil.
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Distribuição estática do ônus da
prova
As regras
gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O sistema processual brasileiro
adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova,
segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu
cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Na distribuição estática do ônus
da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são
os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia
sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da
prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo
qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas
somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato
relevante não esclarecido.
Inversão do ônus da prova
O cotidiano forense demonstrou,
ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova
previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para
solucionar todas as situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de
que seria necessária a criação de algumas regras de distribuição do ônus da
prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei.
Surgiu, assim, o consenso de que,
em determinados casos, haveria a necessidade de modificar (redistribuir,
inverter) as regras gerais do ônus da prova.
O CPC denomina isso de “distribuição
diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em inversão do
ônus da prova.
A inversão do ônus da prova
consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as regras
gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC.
Essa distribuição diversa pode
ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial. Assim,
temos três espécies de inversão do ônus da prova:
a) Convencional;
b) Legal;
c) Judicial.
Inversão convencional do ônus da
prova
Ocorre quando as partes combinam
entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373, adotando um
outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual.
Trata-se de hipótese de difícil
ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC:
Em regra, a lei admite a
distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem,
contudo, três exceções.
Assim, não cabe a inversão
convencional do ônus da prova quando:
a) recair sobre direito
indisponível da parte;
b) tornar excessivamente difícil
a uma parte o exercício do direito.
c) a inversão for estabelecida em
detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC).
Inversão legal do ônus da prova
Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova.
Ocorre quando a lei determina
que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do art.
373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do
art. 373 do CPC.
Na inversão legal do ônus da
prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato.
É o que
acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC:
Art. 12 (...)
§ 3º - O fabricante, o construtor, o
produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no
mercado;
II - que, embora haja colocado o
produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro.
Art. 14 (...)
§ 3º - O fornecedor de serviços só não
será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o
defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro.
Art. 38. O ônus da prova da veracidade
e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
Inversão judicial do ônus da
prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz)
Ocorre quando o juiz, diante das
peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos do
art. 373 do CPC.
A redistribuição judicial do ônus
da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício.
Inversão judicial do ônus da
prova no CPC/2015
Encontra-se disciplinada nos §§
1º e 2º do art. 373.
Vejamos, de forma organizada, o
que dizem esses dois dispositivos.
O juiz poderá atribuir o ônus da
prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em três
situações:
1) nos casos previstos em lei.
Ex: art. 6º, VIII, do CDC.
2) quando for impossível ou
extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373.
Trata-se da inversão do ônus da
prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova unilateralmente
diabólica.
Em outras palavras, quando a
regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica, o
juiz deverá inverter o ônus.
Obs: a decisão de inversão não
pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja
impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode
gerar para a parte que recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova
diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte
para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente
diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC).
3) quando a inversão gerar maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Ex: o autor alega determinado
fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto,
as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu
trazer essa prova. Nesta hipótese seria possível a inversão.
A lei exige que essa inversão
seja feita por decisão fundamentada do magistrado.
Além disso, a decisão que
determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento
processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe
foi atribuído.
Pela sua
importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC:
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou
diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva
dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de
obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de
modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar
à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste
artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte
seja impossível ou excessivamente difícil.
Obs: este § 1º do art. 373 do
CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim, o
caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica.
Obs2: a doutrina afirma que o §
2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não
pode implicar uma situação que torne impossível ou excessivamente oneroso à
parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael.
Curso de Direito Processual Civil. Vol.
2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 148).
Inversão judicial do ônus da
prova no CDC
O art. 6º, VIII, do CDC permite a
inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses:
a) quando for verossímil a
alegação do consumidor; ou
b) quando o consumidor for
hipossuficiente.
Algumas observações sobre o tema:
• as duas situações acima são
alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor for
verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente;
• trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou
seja, não se trata de inversão automática por força de lei (ope legis);
• pode ser concedida de ofício ou
a requerimento da parte;
• a inversão sempre ocorre em
benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele.
• a inversão do ônus da prova de
que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão
judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento
do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente
o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos (STJ. 2ª
Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti julgado
em 29/2/2012).
Aprofundando. Inversão do ônus da
prova x distribuição dinâmica do ônus da prova
É comum
falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova
como sendo expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema
iremos encontrar alguns doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos.
Inversão
do ônus da prova
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Distribuição
dinâmica do ônus da prova
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É
uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.
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É
uma mudança das regras de ônus da prova que se dá no caso concreto, com base
na análise de quem está em melhores condições de produzir a prova.
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O
juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a
possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.
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Há
uma ingerência mais ampla do juiz na distribuição do ônus da prova entre as
partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato
específico isoladamente.
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Ex:
art. 6º, VIII, do CDC.
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Ex:
hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja novamente acima).
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Como leciona
Eduardo Cambi:
“Pela teoria
das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem
jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º,
inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do
consumidor).
Com efeito, na
distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque
só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e
abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que
se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora
com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico
(CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus
probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem
está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este
ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas
probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção
Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier
Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333).
Destaca a
doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da
inversão do ônus da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla
ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que
permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente:
“3.4. A
possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão
mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente,
repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu
direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se
dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código
de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na
dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode
recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a
atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos
constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória,
atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o
autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode
modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo
a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação
de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE,
Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento
e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016.
p. 271)
Segundo a Min. Nancy Andrighi,
“embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus
têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do
CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica
ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se
tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença,
a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e
também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”.
Vale ressaltar, no entanto, que
você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria) afirmando que
a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova.
RECURSO
CONTRA A DECISÃO QUE DELIBERA SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ajuizou ação de indenização
contra a Volvo do Brasil Veículos Ltda. alegando que adquiriu um veículo 0km
dessa marca e que, no entanto, o automóvel apresentou inúmeros vícios de
qualidade (“defeitos”) que não foram consertados pela concessionária
autorizada.
O juiz
proferiu decisão interlocutória determinando a inversão do ônus da prova, nos
termos do art. 6º, VIII, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do
consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo
civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
Assim, o magistrado determinou
que a Volvo provasse que o vício (“defeito”) não existia e que o carro está
funcionando perfeitamente.
A Volvo não
se conformou com a decisão e interpôs agravo de instrumento afirmando que esse
recurso seria cabível com base no inciso XI do art. 1.015 do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento
contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
(...)
XI - redistribuição do ônus da prova
nos termos do art. 373, § 1º;
João apresentou contrarrazões
afirmando que não cabe agravo de instrumento nesta hipótese. Isso porque a
decisão proferida pelo juiz inverteu o ônus da prova com fundamento no CDC e
não com base no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova previsto
no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, para João, não se pode
aplicar o art. 1.015, XI, do CPC, que é específico para impugnar a decisão que
trata sobre a redistribuição dinâmica do ônus prova do art. 373, § 1º do CPC.
O recurso será conhecido? Cabe agravo
de instrumento nesta hipótese?
SIM.
É cabível a impugnação imediata
(é cabível agravo de instrumento) da decisão interlocutória que tenha tratado
sobre quaisquer das exceções mencionadas no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, o agravo de instrumento
deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere
ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na
hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras
atribuições do ônus da prova distintas da regra geral.
Conforme vimos acima, o art. 373,
§1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para
excepcionar à regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz
respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em
lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do
CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da
prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a
impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus
estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário.
Em outras
palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art.
373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da
prova nos casos previstos em lei:
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos
previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade (....)
Em suma, decidiu o STJ que:
É
cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou
indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras
atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização
legal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).