Dizer o Direito

segunda-feira, 15 de abril de 2019

A decisão interlocutória que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito, que enseja a interposição de agravo de instrumento




Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de cobrança contra Pedro.
Na contestação Pedro alegou que a pretensão estaria prescrita, pedindo, portanto, a extinção do processo com resolução do mérito. Subsidiariamente, o réu pediu a produção de prova pericial para demonstrar que não devia nada ao autor.
O juiz proferiu decisão interlocutória na qual:
a) rejeitou a ocorrência de prescrição;
b) deferiu a produção da prova pericial.

Agravo de instrumento
O réu interpôs agravo de instrumento contra esta decisão insistindo na tese de que teria ocorrido a prescrição.
O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão elencadas exaustivamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não há previsão de agravo contra decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição:
Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único.  Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Agiu corretamente o Tribunal?
NÃO.

Natureza da decisão interlocutória que reconhece a existência da prescrição ou decadência
A doutrina diverge sobre a natureza da decisão interlocutória que reconhece a existência de prescrição ou decadência.
Podemos apontar três exemplos de enquadramento:
• Cássio Scarpinella Bueno: afirma que se trata de uma “falsa” decisão de mérito;
• Teresa Arruda Alvim: sustenta que consiste em uma “atípica” decisão de mérito;
• Fredie Didier Jr.: ensina que é uma “preliminar” ou “prejudicial” de mérito.

Independentemente da nomenclatura utilizada, o fato indiscutível é que a decisão que pronuncia a prescrição ou a decadência é uma decisão de mérito.
Em outras palavras, a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência é um pronunciamento jurisdicional de mérito.

E a decisão que REJEITA a ocorrência de prescrição ou decadência? Também se pode dizer que é uma decisão de mérito?
Decisão interlocutória que REJEITA a ocorrência de
prescrição ou decadência é uma decisão de mérito?
CPC/1973: NÃO
CPC/2015: SIM
Havia o entendimento de que não se tratava de uma decisão de mérito. Isso por causa da redação do art. 269, IV, que falava apenas em pronunciar:
Art. 269. Haverá resolução de mérito:
IV - quando o juiz pronunciar (reconhecer) a decadência ou a prescrição;
Não há mais dúvidas de que também se trata de uma decisão de mérito. Isso por causa da redação expressa que foi dada ao art. 487, II, do CPC/2015:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

O conceito de “decidir sobre a ocorrência” é claramente mais amplo do que apenas “pronunciar”, motivo pelo qual é correto afirmar que o art. 487, II, do CPC/2015, passou a abranger, indiscutivelmente, o acolhimento e também a rejeição da alegação de prescrição ou decadência, com aptidão inclusive para, em ambas as hipóteses, formar coisa julgada material sobre essas questões.

Mas a prescrição ou decadência não tem que ser decididas apenas ao final, na sentença?
NÃO. Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias.
A praxe forense, aliás, revela que as hipóteses de rejeição da alegação de prescrição ou de decadência ou de reconhecimento de sua ocorrência sobre parte ou sobre algum dos pedidos, na verdade, normalmente ocorrem antes da sentença, mais precisamente na decisão saneadora, ocasião em que usualmente são decotadas as questões de fato e de direito relevantes da controvérsia para a subsequente fase instrutória.

Agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015
Desse modo, a decisão interlocutória que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito, que enseja a interposição de agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015:
Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
(...)
II - mérito do processo;

Assim, tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na forma da lei, questões de mérito.

Se o juiz, por meio de decisão interlocutória, rejeitar a ocorrência de prescrição e decadência, e a parte prejudicada não interpuser agravo de instrumento, ela poderá impugnar novamente isso no momento da apelação?
NÃO. Se o juiz rejeitar a alegação de prescrição ou decadência por meio de decisão interlocutória e a parte prejudicada não recorrer de imediato mediante agravo de instrumento haverá coisa julgada e esse tema não poderá ser novamente debatido na apelação.
Veja a lição da doutrina:
“No curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC.
O disposto no art. 1.015, II, do CPC, confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade.
Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253).

“4.1. Outrossim, as decisões que rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no particular.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072)

Em suma:
A decisão interlocutória que afasta (rejeita) a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. Isso porque se trata de decisão de mérito.
Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada material sobre a questão.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.756-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).



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